terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O Sangue do Olimpo - Jason

Capítulo I

JASON DETESTAVA SER VELHO.
Suas juntas doíam. Suas pernas tremiam. Enquanto ele tentava subir a colina, seus pulmões chiavam como um motor velho.
Ele não podia ver o próprio rosto, mas os dedos estavam retorcidos e ossudos. Veias azuis e inchadas formavam teias nas costas de suas mãos. Ele tinha até aquele cheiro de velho: naftalina e canja de galinha.
Como isso era possível? Ele tinha ido dos dezesseis aos setenta anos em questão de segundos, mas o cheiro de velho chegara em um instante, tipo bum. Parabéns! Você fede!
— Estamos quase lá. — Piper sorriu para ele. — Você está indo muito bem.
Era fácil falar. Piper e Annabeth estavam disfarçadas de lindas jovens criadas gregas. Mesmo com o vestido branco sem mangas e as sandálias estilo gladiador, elas não tinham problemas em seguir pela trilha rochosa.
O cabelo cor de mogno de Piper estava trançado e preso em um coque. Braceletes de prata enfeitavam seus braços. Ela parecia uma estátua antiga de sua mãe, Afrodite, que Jason achava um pouco intimidadora.
Namorar uma garota bonita já era bem estressante. Namorar uma garota que era filha da deusa do amor… Bem, Jason sempre ficava com medo de cometer algum deslize que deixasse a mãe de Piper com raiva a ponto de, do alto do Monte Olimpo, transformá-lo em um porco selvagem.
Jason olhou para o alto da colina. Ainda faltavam uns cem metros até o cume.
— Isso foi uma péssima ideia. — Ele se apoiou no tronco de um cedro e enxugou o suor da testa. — A magia de Hazel é boa demais. Se precisarmos lutar, não vou servir para nada.
— Não vai chegar a esse ponto — prometeu Annabeth.
Ela parecia desconfortável em seu traje de criada. Não parava de levantar os ombros para evitar que o vestido escorregasse. O coque no alto de sua cabeça tinha se desfeito, e seu cabelo louro caía por suas costas como compridas pernas de aranha. Sabendo de seu ódio pelos aracnídeos, Jason achou melhor não comentar isso.
— Vamos nos infiltrar no palácio — disse ela —, conseguir a informação que queremos e cair fora.
Piper pôs no chão sua ânfora, o grande jarro de vinho de cerâmica em que sua espada estava escondida.
— Podemos descansar um segundo. Recupere o fôlego, Jason.
Sua cornucópia, o chifre mágico da fartura, estava presa à cintura; sua adaga, Katoptris, enfiada em algum lugar entre as dobras de sua roupa. Piper não parecia perigosa, mas, em caso de necessidade, poderia lutar com duas lâminas de bronze celestial ou atirar mangas maduras na cara de seus inimigos.
Annabeth tirou sua ânfora dos ombros. Ela também levava uma espada escondida; mas, mesmo sem ter uma arma visível, parecia mortal. Seus olhos cinzentos e tempestuosos examinavam o local, alertas a qualquer ameaça. Se algum sujeito convidasse Annabeth para sair, Jason achava mais provável que levasse um chute no bifurcum.
Ele tentou controlar a respiração.
Lá embaixo, a Baía de Afales brilhava, a água tão azul que parecia tingida de corante. Lá estava o Argo II, ancorado a algumas centenas de metros da orla. De longe, suas velas brancas pareciam selos; seus noventa remos, palitos de dente. Jason imaginou os amigos no convés acompanhando seu progresso, se revezando com a luneta de Leo, tentando não rir ao ver o vovô Jason se arrastando colina acima.
— Ítaca idiota — murmurou ele.
Aquele lugar devia ser muito bonito. Havia uma serra com picos cobertos de florestas que serpenteava pelo meio da ilha. Penhascos de calcário mergulhavam no mar. Pequenas baías formavam praias rochosas e enseadas onde casas de telhados vermelhos e igrejas de estuque branco se aninhavam à beira-mar.
As encostas eram pontilhadas de papoulas, açafrão e cerejeiras silvestres. A brisa tinha o cheiro de murtas em flor. Tudo muito lindo... exceto a temperatura de quase quarenta graus e o ar úmido como o de uma casa de banho romana.
Teria sido fácil para Jason controlar os ventos e subir a colina voando, mas nãããão. Para evitar chamar atenção, tinha que se arrastar como um velho com joelhos fracos e fedor de canja de galinha.
Ele pensou sobre sua última escalada, duas semanas antes, quando ele e Hazel tinham enfrentado o vilão Círon nos penhascos da Croácia. Pelo menos na época Jason contava com toda a sua força. O que estavam prestes a enfrentar seria muito pior que um bandido.
— Tem certeza de que esta é a colina certa? — perguntou ele. — Parece tudo meio... não sei... quieto.
Piper observou o cume. Havia uma pena de harpia azul-clara trançada em seu cabelo, uma lembrança do ataque da noite anterior. A pena não combinava muito com seu disfarce, mas Piper a havia conquistado ao derrotar sozinha um bando inteiro de senhoras-galinhas demoníacas durante seu turno de guarda. Piper minimizara o feito, mas Jason sabia que ela estava orgulhosa do que fizera. A pena era um lembrete de que ela não era a mesma garota do inverno anterior, quando eles chegaram pela primeira vez ao Acampamento Meio-Sangue.
— As ruínas estão lá em cima. Eu vi na lâmina da Katoptris. E vocês ouviram o que Hazel disse: “A maior...”
— “A maior reunião de espíritos malignos que eu já senti” — completou Jason. — É. Parece bem legal.
Depois de tudo por que tinham passado para atravessar o templo subterrâneo de Hades, a última coisa que Jason queria era lidar com mais espíritos malignos. Mas a missão estava em risco. A tripulação do Argo II precisava tomar uma decisão muito importante. Se tomassem a decisão errada, iriam fracassar, e o mundo inteiro seria destruído.
A adaga de Piper, os sentidos mágicos de Hazel e os instintos de Annabeth concordavam: a resposta estava ali em Ítaca, no antigo palácio de Odisseu, onde uma horda de espíritos malignos tinha se reunido para aguardar as ordens de Gaia. O plano era se infiltrar entre eles, descobrir o que estava acontecendo e decidir o que fariam a seguir. Depois sair dali, de preferência vivos.
Annabeth reajustou seu cinto dourado.
— Espero que nossos disfarces funcionem. Os pretendentes eram figuras asquerosas quando estavam vivos. Se descobrirem que somos semideuses…
— A magia de Hazel vai funcionar — afirmou Piper.
Jason tentava acreditar.
Os pretendentes: cem dos homens mais perversos, cruéis e gananciosos que já existiram. Quando Odisseu, rei de Ítaca, desapareceu após a Guerra de Troia, esse bando de príncipes de segunda classe invadiu seu palácio e se recusou a sair. Todos eles tinham esperanças de se casar com a rainha Penélope e assumir o reino. Odisseu conseguiu regressar em segredo e matar todos eles – uma festa básica de boas-vindas.
Mas, se as visões de Piper estivessem certas, os pretendentes estavam de volta, assombrando o palácio onde haviam morrido.
Jason não podia acreditar que estava prestes a visitar o verdadeiro palácio de Odisseu, um dos heróis gregos mais famosos de todos os tempos. Mas, afinal, toda aquela missão consistia em um acontecimento extraordinário atrás do outro. Annabeth tinha acabado de voltar das profundezas do Tártaro. Levando isso em conta, Jason achou que deveria parar de reclamar por ser um velho.
— Bem... — Ele se firmou com seu cajado. — Se eu estiver parecendo tão velho quanto me sintomeu disfarce deve estar perfeito. Vamos continuar.
Enquanto subiam, o suor escorria por seu pescoço. Suas panturrilhas latejavam. Apesar do calor, ele começou a tremer. E por mais que tentasse, não conseguia parar de pensar em seus sonhos recentes.
Desde a Casa de Hades, os sonhos haviam se tornado mais vívidos. Às vezes Jason estava parado no templo subterrâneo em Épiro, com o gigante Clítio assomando sobre ele, falando em um coral de vozes: Foi preciso todos vocês juntos para me derrotar. O que farão quando a Mãe Terra despertar?
Outras vezes Jason estava no cume da Colina Meio-Sangue e Gaia se erguia do solo, uma figura formada por um turbilhão de terra, folhas e pedras.
Pobre criança. A voz dela ressoava ao longe, fazendo trepidar o chão. Seu pai é o primeiro entre os deuses, mas mesmo assim você está sempre em segundo lugar – em relação aos seus camaradas romanos, aos seus amigos gregos e até mesmo em sua família. Como pretende provar seu valor?
Seu pior sonho começava no pátio da Casa dos Lobos, em Sonoma. Juno estava parada diante dele, reluzindo com o brilho de prata derretida.
Você me pertence, trovejou a voz da deusa. Um presente de Zeus.
Jason sabia que não deveria olhar, mas não conseguia fechar os olhos enquanto Juno virava uma supernova, revelando sua verdadeira forma divina. A dor cauterizava a mente de Jason. Seu corpo ia se desintegrando em camadas, como se fosse uma cebola.
A cena mudava. Jason ainda estava na Casa dos Lobos, mas era um garotinho de no máximo dois anos. Havia uma mulher ajoelhada a sua frente e um perfume de limão familiar. Seus traços eram indefinidos, mas ele reconhecia sua voz: clara e delicada, como a mais fina camada de gelo sobre um riacho.
Vou voltar para buscar você, querido, dizia ela. Logo, logo estaremos juntos.
Sempre que Jason despertava desse pesadelo, seu rosto estava coberto de suor. E lágrimas ardiam em seus olhos.
Nico di Angelo tinha avisado: a Casa de Hades iria fazê-los reviver suas piores lembranças, os faria ver e ouvir coisas do passado. Seus fantasmas ficariam inquietos.
Jason tinha esperado que aquele fantasma em especial permanecesse escondido, mas a cada noite o sonho ficava pior. Agora ele estava subindo até as ruínas de um palácio onde um exército de fantasmas havia se reunido.
Isso não significa que ela estará lá, disse Jason a si mesmo. Mas suas mãos não paravam de tremer. Cada passo parecia mais difícil que o anterior.
— Estamos quase lá — disse Annabeth. — Vamos...
BUM! A encosta tremeu. Em algum lugar além do cume, uma multidão comemorou, como espectadores em um coliseu. O som fez a pele de Jason se arrepiar. Não fazia muito tempo que ele havia lutado pela própria vida em um coliseu romano diante de uma empolgada plateia fantasmagórica. Ele não tinha a menor vontade de repetir a experiência.
— O que foi essa explosão?
— Não sei — disse Piper. — Mas parece que eles estão se divertindo. Vamos lá fazer amizade com alguns mortos.

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