sábado, 17 de janeiro de 2015

A Pirâmide Vermelha - Sadie

Capítulo 12 - Mergulhamos em uma ampulheta

BEM, ERA TUDO MUITO IMPRESSIONANTE, eu acho. Deviam ter visto a cara de Carter. Ele parecia um cachorrinho, todo animado.
[E pare de me empurrar. Você empurrou!]
Mas eu não tinha tanta confiança na Srta. Zia “Sou Mágica” Rashid enquanto aquele exército de escorpiões se aproximava de nós.
Nunca imaginei que existissem tantos escorpiões no mundo, muito menos em Manhattan. O círculo brilhante à nossa volta parecia uma proteção insignificante frente a milhões de aracnídeos rastejando uns sobre os outros, camadas sobre camadas, e frente à mulher de marrom, que era ainda mais horrível.
De longe ela parecia comum, mas, à medida que se aproximava, notei que a pele pálida de Serket brilhava como a couraça de um inseto. Seus olhos eram pretos e redondos como contas. Os cabelos longos e escuros, singularmente grossos, pareciam feitos de um milhão de antenas pontudas de insetos. E quando ela abriu a boca, mandíbulas laterais abriam e fechavam por cima de seus dentes humanos.
A deusa parou a uns vinte metros de nós, estudando-nos. Os olhos negros e cheios de ódio estavam cravados em Zia.
— Entregue as crianças.
A voz era áspera e rouca, como se ela não tivesse falado durante séculos.
Zia cruzou o cajado e a varinha.
— Sou senhora dos elementos, Escriba do Primeiro Nomo. Suma ou será destruída.
Serket cerrou as mandíbulas num sorriso espumante. Alguns escorpiões avançaram, mas quando o primeiro tocou a linha brilhante de nosso círculo de proteção, fritou e virou cinzas. Escute bem o que vou dizer: nada tem cheiro pior que escorpião queimado.
As demais criaturas horríveis recuaram, cercaram a deusa e subiram por suas pernas. Com um arrepio, percebi que eles se enroscavam em suas vestes. Depois de alguns segundos, todos os escorpiões haviam desaparecido entre as dobras de suas roupas.
O ar parecia escurecer atrás de Serket, como se ela projetasse uma sombra enorme. Depois, a sombra escura subiu e tomou a forma de uma imensa cauda de escorpião, inclinando-se num arco acima da cabeça da deusa. Ela investiu contra nós a uma velocidade incrível, mas Zia levantou a varinha, e o veneno ferveu sobre a ponta do marfim com um ruído sibilante. Vapor se desprendia da varinha de Zia e pairava no ar um cheiro de enxofre.
Zia apontou seu cajado e o corpo da deusa foi envolvido por fogo. Serket gritou e cambaleou para trás, mas o fogo se apagou quase instantaneamente. A túnica da deusa estava chamuscada e fumegava, mas ela parecia mais enfurecida do que machucada.
— Seus dias acabaram, maga. A Casa enfraqueceu. Lorde Set vai disseminar a destruição por essa terra.
Zia arremessou sua varinha como um bumerangue, que se chocou contra a cauda escura do escorpião e explodiu num ofuscante lampejo de luz. Serket recuou com um salto e desviou os olhos, enquanto Zia retirava da manga um objeto pequeno – algo que ela manteve na mão fechada.
A varinha era uma distração, pensei. Como um truque de ilusionismo.
Então, Zia fez algo insano: ela saltou para fora do círculo mágico, exatamente o que dissera que não devíamos fazer.
— Zia! — gritou Carter. — O portal!
Olhei para trás, e meu coração quase parou. O espaço entre as duas colunas na entrada do templo era agora um túnel vertical de areia. Era como se eu estivesse olhando para dentro do funil de uma enorme ampulheta virada de lado. E sentia que aquilo me sugava, que me puxava para sua gravidade mágica.
— Não vou entrar lá — insisti, mas outro lampejo de luz atraiu minha atenção para Zia.
Ela e a deusa estavam envolvidas em uma dança perigosa. Zia girava e rodopiava com seu cajado poderoso, e por onde passava deixava uma trilha de fogo ardendo no ar. Eu tinha de admitir: Zia era quase tão graciosa e impressionante quanto Bastet.
Senti um estranho desejo de ajudar. Queria muito sair do círculo e me envolver no combate. Era um impulso maluco, é claro. O que eu poderia ter feito? Mesmo assim, eu sentia que não devia – ou não podia – passar pelo portal sem ajudar Zia.
— Sadie! — Carter me agarrou e puxou para trás. Sem que eu percebesse, meu pé quase havia ultrapassado a linha de giz. — Onde está com a cabeça?
Eu não tinha uma resposta, mas olhei para Zia e murmurei numa espécie de transe:
— Ela vai usar fitas. Não vão funcionar.
— O quê? — perguntou Carter. — Venha, precisamos passar pelo portal!
Nesse momento, Zia abriu a mão e pequenas tiras de tecido vermelho flutuaram no ar.Fitas. Como eu sabia? Elas se contorciam como seres vivos – como enguias na água – e começaram a aumentar de tamanho.
Serket ainda estava atenta ao fogo, tentando impedir que Zia a encurralasse. No início, não parecia notar as fitas, que cresceram até atingir vários metros de comprimento. Eu contei cinco, seis, sete no total. As fitas giravam, descrevendo uma órbita em torno de Serket, cortando sua sombra de escorpião como se fosse uma ilusão inofensiva. Finalmente, envolveram o corpo de Serket, prendendo seus braços e suas pernas. Ela gritou como se as fitas a queimassem. Caiu de joelhos, e a sombra de escorpião desintegrou-se numa névoa escura.
Zia girou e parou. Ela apontou o cajado para o rosto da deusa. As fitas começaram a brilhar e a deusa sibilou de dor, praguejando em uma língua que eu não conhecia.
— Eu a prendo com as Sete Fitas de Hátor — anunciou Zia. — Liberte seu hospedeiro ou sua essência queimará para sempre.
— Sua morte é que vai durar para sempre! — grunhiu Serket. — Agora é uma inimiga de Set!
Zia girou seu cajado e Serket caiu de lado, retorcendo-se e fumegando.
— Eu não... vou... — dizia a deusa entre os dentes.
Então, seus olhos negros se tornaram brancos e leitosos, e ela ficou inerte.
— O portal! — alertou Carter. — Zia, vamos! Acho que a passagem está se fechando!
Ele tinha razão. O túnel de areia parecia se mover um pouco mais devagar. A atração exercida por sua magia já não era tão forte em mim.
Zia aproximou-se da deusa caída. Ela tocou a testa de Serket, e uma fumaça negra brotou da boca da deusa. Serket se transformou e encolheu até estarmos olhando para uma mulher completamente diferente amarrada por fitas vermelhas. Sua pele era pálida e os cabelos eram negros, mas, além disso, não havia mais semelhança alguma com Serket. Ela parecia, bem, humana.
— Quem é aquela? — perguntei.
— A hospedeira — respondeu Zia. — Alguma pobre mortal que...
Ela ergueu o olhar com um sobressalto. A fumaça negra não estava mais se dissipando. Ela se tornava mais densa e escura, girando como se adquirisse uma forma sólida.
— Impossível — disse Zia. — As fitas são muito poderosas. Serket não pode adquirir uma nova forma, a menos que...
— Bem, ela está tomando forma — gritou Carter — e nossa saída está se fechando. Vamos!
Eu não conseguia acreditar que ele estava mesmo disposto a pular dentro de um túnel giratório de areia, mas, quando vi a nuvem negra tomando a forma de um escorpião de dois andares – um escorpião muito zangado – tomei minha decisão.
— Estou indo! — gritei.
— Zia! — insistiu Carter. — Agora!
— Talvez você esteja certo — a maga falou, decidida.
Ela se virou e, juntos, corremos e pulamos na abertura que girava como um redemoinho.

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