terça-feira, 30 de dezembro de 2014

HP2 - Capítulo 18

A recompensa de Dobby

Quando Harry, Rony, Gina e Lockhart surgiram à porta, cobertos de sujeira e limo, e no caso de Harry, sangue, houve um silêncio momentâneo. Em seguida ouviu-se um grito.
— Gina!
Era a Sra. Weasley, que estivera sentada chorando, diante da lareira. Ela se levantou num salto, seguida de perto pelo Sr. Weasley, e os dois se atiraram à filha.
Harry, no entanto, olhou mais além. O Prof. Dumbledore estava parado junto ao console da lareira, sorrindo, ao lado da Profª. McGonagall, que inspirou várias vezes, as mãos no peito. Fawkes passou voando pela orelha de Harry e pousou no ombro de Dumbledore, na mesma hora em que Harry e Rony se viram envolvidos pelo abraço apertado da Sra. Weasley.
— Você salvou minha filha! Você a salvou! Como foi que você fez isso?
— Acho que todos nós gostaríamos de saber — disse a Profª. McGonagall com a voz fraca.
A Sra. Weasley soltou Harry, que hesitou um instante, caminhou até a escrivaninha e depositou em cima dela o Chapéu Seletor, a espada cravejada de rubis e o que sobrara do diário de Riddle.
Então começou a contar tudo. Durante uns quinze minutos ele falou cercado de atenção e silêncio: contou sobre a voz invisível que ouvira, como Hermione finalmente percebera que ele estava ouvindo um basilisco na tubulação; como ele e Rony tinham seguido as aranhas até a floresta, que Aragogue revelara onde a última vitima do basilisco morrera; como tinham adivinhado que Murta Que Geme fora essa vítima e que a entrada para a Câmara Secreta poderia estar no banheiro...
— Muito bem — encorajou-o a Profª. McGonagall quando ele parou — então vocês descobriram onde era a entrada, e eu acrescentaria: atropelando umas cem regras do nosso regulamento, mas, por Deus, Potter, como foi que vocês conseguiram sair de lá com vida?
Harry, com a voz rouca de tanto falar, contou então sobre a chegada providencial de Fawkes e do Chapéu Seletor com a espada dentro. Mas, nesse ponto, lhe faltaram palavras. Até ali, ele evitara mencionar o diário de Riddle – ou Gina. Ela estava de pé, com a cabeça apoiada no ombro da Sra. Weasley, e as lágrimas ainda escorriam silenciosamente pelo seu rosto. E se eles a expulsassem? Pensou Harry em pânico. O diário de Riddle não servia para mais nada... Como iriam provar que fora ele que a obrigara a fazer tudo?
Instintivamente, Harry olhou para Dumbledore, que lhe deu um breve sorriso, os seus óculos de meia-lua refletindo a luz do fogo.
— O que me interessa mais — disse ele com brandura — é como foi que Lord Voldemort conseguiu enfeitiçar Gina, quando as minhas fontes me informaram que no momento ele está escondido nas florestas da Albânia.
Um alívio, um alívio morno, envolvente, glorioso – invadiu Harry.
— Q-que foi que disse? — perguntou o Sr. Weasley com a voz aturdida. — Você-Sabe-Quem? En-enfeitiçou Gina? Mas Gina não... Gina não esteve... Esteve?
— Com esse diário — respondeu Harry depressa, apanhando-o na mesa e mostrando-o a Dumbledore. — Riddle escreveu nele quando tinha dezesseis anos...
Dumbledore recebeu o diário de Harry e examinou-o com atenção, por cima do nariz comprido e torto, as páginas queimadas e encharcadas.
— Genial — disse baixinho. — É claro, ele foi provavelmente o aluno mais brilhante que Hogwarts já teve. — E se virou para os pais de Gina, que pareciam inteiramente perplexos. — Pouca gente sabe que Lord Voldemort um dia se chamou Tom Riddle. Eu fui seu professor há cinquenta anos, em Hogwarts. Ele desapareceu depois que terminou a escola... Viajou por toda parte... Aprofundou-se nas Artes das Trevas, associou-se com os piores elementos do nosso povo, passou por tantas transformações mágicas e perigosas que, quando reapareceu como Lord Voldemort, quase não dava para reconhecê-lo. Muito pouca gente ligou Lord Voldemort ao garoto inteligente e bonito que, no passado, fora monitor-chefe aqui.
— Mas, Gina — perguntou a Sra. Weasley. — Que é que a nossa Gina tem a ver com... Com... Ele?
— O d-diário dele! — soluçou Gina. — And-dei escrevendo no diário, e ele andou me respondendo o ano todo...
— Gina! — exclamou o Sr. Weasley, espantado. — Será que não lhe ensinei nada? Que foi que sempre lhe disse? Nunca confie em nada que é capaz de pensar se você não pode ver onde fica o seu cérebro. Por que não mostrou o diário a mim ou a sua mãe? Um objeto suspeito desses, estava obviamente carregado de Artes das Trevas...
— Eu n-não sabia — soluçou Gina. — Encontrei o diário junto com os livros que mamãe comprou para mim. P-pensei que alguém o deixara ali e se esquecera dele...
— A Srta. Weasley devia ir imediatamente para a ala hospitalar — Dumbledore interrompeu-a com firmeza. — Ela passou por uma terrível provação. Não haverá castigo. Bruxos mais velhos e mais sensatos que ela já foram enganados por Lord Voldemort. — Encaminhou-se, então, para a porta e abriu-a. — Repouso e talvez uma boa xícara de chocolate fumegante. Sempre acho que isto me reanima — acrescentou ele, piscando bondosamente para a garota. — Os senhores encontrarão Madame Pomfrey ainda acordada. Está administrando suco de mandrágoras, imagino que as vítimas do basilisco irão acordar a qualquer momento.
— Então Mione está bem! — exclamou Rony, animado.
— Não houve dano permanente — disse Dumbledore.
A Sra. Weasley levou Gina embora e o Sr. Weasley a acompanhou, ainda parecendo profundamente abalado.
— Sabe, Minerva — disse o Prof. Dumbledore pensativo — acho que tudo isto merece uma boa festança. Será que eu poderia lhe pedir para avisar às cozinhas?
— Certo — disse a professora, eficiente, encaminhando-se também para a porta. — Vou deixar você lidar com Potter e Weasley, tudo bem?
— Com certeza.
Ela saiu, e Harry e Rony olharam inseguros para Dumbledore. Que será que a professora quisera dizer com aquele lidar com Potter e Weasley? Certamente – certamente – eles não iriam ser castigados?
— Estou-me lembrando que disse a ambos que teria de expulsá-los se infringissem mais um artigo do regulamento da escola — começou Dumbledore.
Rony abriu a boca horrorizado.
— O que prova que até o melhor de nós às vezes precisa engolir o que disse — continuou o diretor, sorrindo. — Os dois receberão prêmios especiais por serviços prestados à escola e... Vejamos... É, acho que duzentos pontos para a Grifinória, por cabeça.
Rony ficou tão vermelho que parecia as flores de Lockhart para o Dia dos Namorados, e tornou a fechar a boca.
— Mas um de nós parece que está caladíssimo sobre a parte que teve nesta aventura perigosa — acrescentou Dumbledore. — Por que tão modesto, Gilderoy?
Harry se assustou. Esquecera-se completamente de Lockhart. Virou-se e viu o professor parado a um canto da sala, um sorriso vago ainda no rosto. Quando Dumbledore lhe dirigiu a palavra, ele espiou por cima do ombro para ver com quem o diretor estava falando.
— Prof. Dumbledore — disse Rony depressa — houve um acidente lá na Câmara Secreta. O Prof. Lockhart...
— Eu sou professor? — perguntou Lockhart, ligeiramente surpreso. — Nossa! Acho que fui inútil, não fui?
— Ele tentou lançar um Feitiço da Memória, e a varinha estava virada para ele — explicou Rony, calmamente, a Dumbledore.
— Ai, ai — exclamou Dumbledore, balançando a cabeça, seus longos bigodes prateados tremendo. — Empalado com a própria espada, Gilderoy?
— Espada? — repetiu Lockhart confuso. — Não tenho espada. Mas esse menino tem. — E apontou para Harry. — Ele pode lhe emprestar uma.
— Importa-se de levar o Prof. Lockhart à enfermaria, também? — pediu Dumbledore a Rony. — Gostaria de dar mais uma palavrinha com Harry.
Lockhart saiu. Rony lançou um olhar curioso a Dumbledore e Harry ao fechar a porta.
O diretor caminhou até uma poltrona diante da lareira, do outro lado da sala.
— Sente-se, Harry — disse ele, e o garoto obedeceu, sentindo-se inexplicavelmente nervoso. — Antes de mais nada, Harry, eu quero lhe agradecer — disse Dumbledore com os olhos novamente cintilantes. — Você deve ter mostrado verdadeira lealdade a mim lá na Câmara. Nenhuma outra coisa teria levado Fawkes a você.
Ele alisou a fênix, que voara para o seu joelho. Harry sorriu, sem jeito, diante do olhar do diretor que o observava.
— Então você conheceu Tom Riddle.— disse Dumbledore, pensativo. — Imagino que ele estivesse interessadíssimo em você...
De repente, uma coisa que estava preocupando Harry, escapou de sua boca.
— Prof. Dumbledore... Riddle disse que eu sou igual a ele. “Uma estranha semelhança” foi o que me disse...
— Foi mesmo? — disse, olhando pensativo para o garoto por baixo das grossas sobrancelhas prateadas. — E o que você acha, Harry?
— Acho que não sou igual a ele! — exclamou ele, mais alto do que pretendia. — Quero dizer, pertenço... Pertenço a Grifinória, sou...
Mas se calou, uma dúvida furtiva surgia em sua mente.
— Professor — recomeçou após um momento. — O Chapéu Seletor me disse... Que eu teria sido bem-sucedido na Sonserina. Todo mundo achou que eu era o herdeiro de Slytherin por algum tempo... Porque falo a língua das cobras...
— Você fala a língua das cobras, Harry — disse Dumbledore, calmamente — porque Lord Voldemort, que é o último descendente de Salazar Slytherin, sabe falar a língua das cobras. A não ser que eu muito me engane, ele transferiu alguns dos seus poderes para você na noite em que lhe fez essa cicatriz. Não era uma coisa que tivesse intenção de fazer, com toda certeza...
— Voldemort deixou um pouco dele em mim? — disse Harry, estupefato.
— Parece que sim.
— Então eu deveria estar na Sonserina — disse, olhando desesperado para Dumbledore. — O Chapéu Seletor viu poderes de Slytherin em mim, e...
— Pôs você na Grifinória — completou Dumbledore, serenamente. — Ouça, Harry. Por acaso você tem muitas das qualidades que Salazar Slytherin prezava nos alunos que selecionava. O seu dom raro de falar a língua das cobras, criatividade, determinação, um certo desprezo pelas regras — acrescentou, os bigodes tremendo outra vez. — Contudo, o Chapéu Seletor colocou você na Grifinória. E você sabe o porquê. Pense.
— Ele só me pôs na Grifinória — disse Harry com voz de derrota — porque pedi para não ir para a Sonserina...
— Exatamente — disse Dumbledore, abrindo um grande sorriso. — O que o faz muito diferente de Tom Riddle. São as nossas escolhas, Harry que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades. — Harry ficou sentado na poltrona, atordoado. — Se quiser uma prova, Harry, de que pertence à Grifinória, sugiro que olhe para isto com maior atenção.
Dumbledore esticou o braço para a escrivaninha da Profª. McGonagall, apanhou a espada de prata suja de sangue e entregou-a a Harry. Embotado, Harry revirou-a, os rubis rutilaram à luz da lareira. E então viu o nome gravado logo abaixo da bainha. Godric Gryffindor.
— Somente um verdadeiro membro da Grifinória poderia ter tirado isto do chapéu, Harry — concluiu Dumbledore com simplicidade.
Durante um minuto, nenhum dos dois falou. Depois Dumbledore abriu uma gaveta da escrivaninha da Profª. McGonagall e tirou uma pena e um tinteiro.
— O que você precisa, Harry, é de comida e de um bom sono. Sugiro que desça para a festa enquanto escrevo a Azkaban, precisamos ter o nosso guarda-caça de volta. E preciso preparar o anúncio para o Profeta Diário, também — acrescentou pensativo. — Vamos ter que contratar um novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas... Ai, ai, parece que gastamos esses professores muito depressa, não é mesmo?
Harry se levantou e saiu em direção à porta. Tinha acabado de levar a mão à maçaneta, quando a porta se abriu com tanta violência que bateu na parede e voltou.
Lúcio Malfoy achava-se parado ali, com uma expressão furiosa no rosto. E encolhendo-se por trás de suas pernas, todo enfaixado, achava-se Dobby.
— Boa-noite, Lúcio — disse Dumbledore em tom agradável.
O Sr. Malfoy quase derrubou Harry ao entrar na sala. Dobby disparou atrás dele, agachando-se à barra de sua capa, um olhar de abjeto terror em seu rosto.
O elfo trazia nas mãos um trapo manchado com que tentava terminar de limpar os sapatos do Sr. Malfoy. Seu dono, aparentemente, saíra com muita pressa, porque não só trazia os sapatos engraxados pela metade como também os seus cabelos, em geral assentados, estavam despenteados. Sem dar atenção ao elfo que se sacudia aos seus tornozelos pedindo desculpas, ele fixou os olhos frios em Dumbledore.
— Então! — disse. — Você está de volta. Os conselheiros o suspenderam, mas mesmo assim você achou que devia voltar a Hogwarts.
— Bom, sabe, Lúcio — respondeu Dumbledore sorrindo serenamente — os outros onze conselheiros entraram em contato comigo hoje. Foi como se eu tivesse sido apanhado por uma tempestade de corujas, para lhe dizer a verdade. Eles tinham ouvido falar que a filha de Arthur Weasley fora morta e queriam que eu voltasse imediatamente. Parece que acharam que afinal eu era o melhor homem para enfrentar a situação. Contaram-me coisas muito estranhas... Vários deles pareciam pensar que você ameaçara enfeitiçar a família deles se não concordassem em me suspender.
O Sr. Malfoy ficou mais pálido do que costumava ser, mas seus olhos ainda pareciam fendas de fúria.
— Então, você já fez os ataques pararem? — zombou. — Já apanhou o culpado?
— Apanhamos — respondeu Dumbledore com um sorriso.
— E? — tornou o Sr. Malfoy, ríspido. — Quem é?
— A mesma pessoa da última vez, Lúcio. Mas agora Lord Voldemort agiu por intermédio de outra pessoa. Por intermédio do seu diário.
Dumbledore segurou o livrinho com o enorme buraco no centro, observando atentamente o Sr. Malfoy. Harry, porém, observava Dobby.
O elfo agia de maneira muito estranha. Seus olhos estavam fixos em Harry, cheios de significado, e ele apontava primeiro para o diário, depois para o Sr. Malfoy, e por fim dava murros na própria cabeça.
— Entendo... — disse o Sr. Malfoy lentamente para Dumbledore.
— Um plano engenhoso — disse Dumbledore com a voz inexpressiva, ainda encarando o Sr. Malfoy nos olhos. — Porque se Harry aqui — Malfoy lançou um olhar rápido e incisivo ao garoto — e seu amigo Rony não tivessem descoberto este livro, ora, Gina Weasley teria levado toda a culpa. Ninguém teria sido capaz de provar que ela não agira de livre e espontânea vontade...
O Sr. Malfoy ficou calado. Seu rosto de repente se transformara numa máscara.
— E imagine — continuou Dumbledore — o que teria acontecido então... Os Weasley são uma de nossas famílias puro sangue mais importantes. Imagine o efeito que isto teria em Arthur Weasley e na sua lei de proteção aos trouxas, se descobríssemos que sua própria filha andava atacando e matando alunos nascidos trouxas... Foi uma sorte o diário ter sido descoberto e as memórias de Riddle apagadas. Caso contrário, quem sabe quais seriam as consequências...
O Sr. Malfoy fez um esforço para falar.
— Teve muita sorte — disse secamente.
Mas ainda às suas costas, Dobby continuava a apontar, primeiro para o diário, depois para Lúcio Malfoy e por fim dava murros na própria cabeça.
E Harry subitamente entendeu. Fez sinal a Dobby e este recuou para um canto, agora torcendo as orelhas para se castigar.
— O senhor não quer saber como foi que Gina chegou a esse diário, Sr. Malfoy? — perguntou Harry.
Lúcio Malfoy voltou-se contra ele.
— Como vou saber como essa menininha burra chegou ao diário? — perguntou.
— Porque foi o senhor quem deu o diário a ela — disse Harry. — Na Floreios e Borrões. O senhor apanhou o velho exemplar de Transfiguração que ela levava e escorregou o diário para dentro dele, não foi?
Ele viu as mãos brancas do Sr. Malfoy se fecharem e se abrirem.
— Prove — sibilou.
— Ah, ninguém vai poder fazer isso — disse Dumbledore, sorrindo para Harry. — Não agora que Riddle desapareceu do livro. Por outro lado, eu aconselharia você, Lúcio, a não sair distribuindo o material escolar que pertenceu a Lord Voldemort. Se mais algum objeto chegar a mãos inocentes, acho que Arthur Weasley será um que vai providenciar para que seja rastreado até você...
Lúcio Malfoy ficou parado por um instante, e Harry viu distintamente sua mão direita fazer um gesto involuntário como se quisesse alcançar a varinha. Em vez disso, ele se virou para o elfo doméstico.
— Vamos embora, Dobby!
Abriu a porta com violência e quando o elfo veio correndo para alcançá-lo, ele o chutou porta afora. Eles ouviram Dobby guinchar de dor por todo o corredor.
Harry ficou parado um instante, pensando com todas as suas forças. Então lhe ocorreu...
— Prof. Dumbledore — disse apressado. — Por favor, posso devolver esse diário ao Sr. Malfoy?
— Claro, Harry — disse Dumbledore tranquilamente. — Mas se apresse. A festa, já se esqueceu?
Harry agarrou o diário e saiu correndo da sala. Ouvia os guinchos de dor de Dobby se afastando para além da curva do corredor. Rapidamente, duvidando que seu plano pudesse dar certo, descalçou um sapato, depois a meia pegajosa e imunda e meteu o diário dentro dela. Em seguida correu pelo corredor escuro.
Alcançou os dois no alto da escada.
— Sr. Malfoy — disse sem fôlego, derrapando até parar — Tenho uma coisa para o senhor...
E forçou a meia fedorenta na mão de Lúcio Malfoy.
— Que di...?
O Sr. Malfoy arrancou a meia do diário, atirou-a para o lado, depois olhou, furioso, do livro estragado para Harry.
— Você vai ter o mesmo fim sangrento dos seus pais um dia desses, Harry Potter — disse baixinho. — Eles também eram tolos e metidos.
E virou-se para ir embora.
— Venha, Dobby. Eu disse venha.
Mas Dobby não se mexeu. Segurava no alto a meia pegajosa e nojenta de Harry, admirando-a como se fosse um tesouro inestimável.
— O meu dono me deu uma meia — disse o elfo cheio de assombro. — O meu dono deu a Dobby.
— Que foi? — cuspiu o Sr. Malfoy. — Que foi que você disse?
— Ganhei uma meia — disse Dobby, incrédulo. — Meu dono atirou a meia e Dobby a apanhou, e Dobby... Dobby está livre.
Lúcio Malfoy ficou imóvel, encarando o elfo. Então, atirou-se contra Harry.
— Você me fez perder o criado, seu moleque!
Mas Dobby gritou:
— O senhor não fará mal a Harry Potter!
Ouviu-se um forte estampido, e o Sr. Malfoy foi lançado para trás. Rolou pelas escadas, três degraus de cada vez, e aterrissou como se fosse um monte disforme no patamar de baixo. Ele se levantou, o rosto lívido, e puxou a varinha, mas Dobby ergueu um dedo longo e ameaçador.
— O senhor irá embora agora — disse com ferocidade, apontando para o Sr. Malfoy. — O senhor não tocará em Harry Potter. O senhor irá embora agora.
Lúcio Malfoy não teve escolha. Com um último olhar rancoroso aos dois, puxou a capa para junto do corpo num rodopio e desapareceu depressa de vista.
— Harry Potter libertou Dobby! — disse o elfo com voz aguda, erguendo a cabeça para Harry, seus olhos redondos refletindo o luar que entrava pela janela mais próxima. — Harry Potter deu liberdade a Dobby!
— Foi o mínimo que pude fazer, Dobby — disse Harry sorridente. — Só me prometa que nunca mais vai tentar salvar a minha vida.
A cara feia e escura do elfo se abriu de repente num sorriso largo e cheio de dentes.
— Eu só tenho uma pergunta, Dobby — disse Harry enquanto o elfo puxava a meia com as mãos trêmulas. — Você me disse que toda essa história não estava ligada a Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, lembra-se? Bem...
— Foi uma pista, meu senhor — disse Dobby arregalando os olhos. — Estava lhe dando uma pista. O Lord das Trevas, antes de mudar de nome, podia ser nomeado livremente, entende?
— Certo — disse Harry sem muita convicção. — Bom, é melhor irmos andando. Vai haver uma festa e minha amiga Mione já deve estar acordada a essas horas...
Dobby atirou os braços em torno da cintura de Harry e apertou-o.
— Harry Potter é muito maior do que Dobby pensou! — soluçou. — Adeus, Harry Potter!
E com um estampido final, desapareceu.


Harry estivera em muitas festas de Hogwarts, mas nenhuma igual a esta. Todos estavam de pijamas, e a comemoração durou a noite inteira. Harry não sabia se a melhor parte fora Hermione correndo para ele aos gritos de “Você solucionou o mistério! Você solucionou o mistério!” ou se fora Justino saindo às pressas da mesa da Lufa-Lufa para apertar sua mão com força e pedir desculpas infindáveis por ter suspeitado dele, ou se fora Hagrid aparecendo às três e meia, dando socos tão fortes nos ombros de Harry e Rony que os garotos quase foram parar em cima dos pratos de gelatina caramelada, ou se foram os quatrocentos pontos que ele e Rony tinham ganhado para a Grifinória, garantindo assim a posse da Taça das Casas pelo segundo ano consecutivo, ou se fora a Profª. McGonagall se levantando para anunciar que todos os exames tinham sido cancelados como um presente da escola (“Ah, não!” exclamou Mione), ou se fora Dumbledore anunciando que, infelizmente, o Prof. Lockhart não poderia voltar no próximo ano, porque precisava se afastar para recuperar a memória. Muitos professores participaram dos aplausos que saudaram esta última notícia.
— Que pena! — disse Rony, servindo-se de uma rosquinha com geleia. — Eu estava começando a gostar dele.
O restante do trimestre final passou numa névoa resplandecente de sol.
Hogwarts voltou ao normal com apenas algumas diferenças – as aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas foram canceladas (“mas tivemos bastante treinamento nisso”, disse Rony a uma Hermione irritada), e Lúcio Malfoy foi dispensado do cargo de conselheiro. Draco parou de se exibir pela escola como se fosse dono do lugar. Pelo contrário, parecia cheio de rancor e mágoa. Por outro lado, Gina Weasley voltou a ser absolutamente feliz.
Demasiado cedo, chegou a hora de voltar para casa no Expresso de Hogwarts. Harry, Rony, Mione, Fred, Jorge e Gina conseguiram uma cabine só para eles. Aproveitaram ao máximo as últimas horas em que tinham permissão para fazer mágicas antes das férias.
Brincaram de snap explosivo, queimaram os últimos fogos Filibusteiro de Fred e Jorge e treinaram como desarmar uns aos outros com feitiços. Harry estava ficando muito bom nisso.
Estavam quase chegando a King’s Cross quando Harry se lembrou de uma coisa.
— Gina... Que foi que você viu Percy fazendo, que ele não queria que contasse a todo mundo?
— Ah, aquilo — disse Gina entre risinhos. — Bom... Percy tem uma namorada.
Fred deixou cair uma pilha de livros na cabeça de Jorge.
— É aquela monitora da Corvinal, Penelope Clearwater. Foi para ela que esteve escrevendo o verão todo. Eles têm se encontrado escondido por toda a escola. Um dia eu peguei os dois se beijando numa sala vazia. Ele ficou tão perturbado quando ela foi... Sabe, atacada. Vocês não vão caçoar dele, vão? — acrescentou ansiosa.
— Eu nem sonharia — respondeu Fred, que parecia um menino cujo aniversário tivesse chegado mais cedo.
— De jeito nenhum — disse Jorge, abafando o riso.
O Expresso de Hogwarts reduziu a velocidade e finalmente parou.
Harry tirou uma pena e um pedaço de pergaminho e se virou para Rony e Hermione.
— Isto se chama um número de telefone — disse a Rony, escrevendo duas vezes, rasgando o pergaminho em dois e entregando um pedaço a cada um. — No verão passado, contei ao seu pai como se usa um telefone, ele vai saber. Me liguem na casa dos Dursley, está bem? Não vou suportar outros dois meses tendo só o Duda para conversar...
— Mas os seus tios vão se sentir orgulhosos, não vão? — perguntou Mione quando desembarcaram do trem e se juntaram à multidão de alunos que se dirigia à barreira encantada. — Quando você contar o que fez este ano?
— Orgulhosos? — falou Harry. — Você enlouqueceu? Depois de todas aquelas vezes que eu podia ter morrido e não morri? Eles vão ficar furiosos...
E juntos eles atravessaram a barreira para o mundo dos trouxas.

HP2 - Capítulo 17

O herdeiro de Slytherin

Harry se viu parado no fim de uma câmara muito comprida e mal iluminada. Altas colunas de pedra entrelaçadas com cobras em relevo sustentavam um teto que se perdia na escuridão, projetando longas sombras negras na luz estranha e esverdeada que iluminava o lugar.
O coração batendo muito depressa, Harry ficou escutando o silêncio hostil. Será que o basilisco estaria à espreita num canto sombrio, atrás de uma coluna? E onde estaria Gina?
Ele puxou a varinha e avançou por entre as colunas serpentinas. Cada passo cauteloso ecoava alto nas paredes sombreadas. Manteve os olhos semicerrados, pronto para fechá-los depressa ao menor sinal de movimento. As órbitas ocas das cobras de pedra pareciam segui-lo. Mais de uma vez, com um aperto no estômago, ele pensou ter surpreendido uma delas se mexendo.
Então, quando emparelhou com o último par de colunas, uma estátua alta como a própria Câmara apareceu contra a parede do fundo.
Harry teve que esticar o pescoço para ver o rosto gigantesco lá no alto. Era antigo e simiesco, com uma barba longa e rala que caía quase até a barra das vestes esvoaçantes de um bruxo de pedra, onde havia dois pés cinzentos enormes apoiados no chão liso da Câmara. E entre os pés, de bruços, jazia um pequeno vulto de cabelos flamejantes vestido de negro.
— Gina! — murmurou Harry, correndo para ela e se ajoelhando. — Gina... Não esteja morta... Por favor, não esteja morta...
Ele largou a varinha de lado, segurou Gina pelos ombros e virou-a. Seu rosto estava branco e frio como o mármore, mas tinha os olhos fechados, portanto não estava petrificada. Então devia estar...
— Gina, por favor, acorde — murmurou Harry desesperado, sacudindo-a.
A cabeça de Gina balançou desamparada de um lado para o outro.
— Ela não vai acordar — disse uma voz indulgente.
Harry se sobressaltou e se virou ainda de joelhos.
Um garoto alto, de cabelos negros, o observava encostado à coluna mais próxima. Tinha os contornos estranhamente borrados, como se Harry o estivesse vendo através de uma janela embaçada. Mas não havia como se enganar...
— Tom, Tom Riddle?
Riddle confirmou com a cabeça, sem tirar os olhos do rosto de Harry.
— Que é que você quer dizer com “ela não vai acordar”? — perguntou desesperado. — Ela não está... Não está...?
— Ainda está viva — disse Riddle. — Mas por um fio.
Harry arregalou os olhos para ele. Tom Riddle estivera em Hogwarts cinquenta anos atrás, contudo achava-se ali parado, envolto por uma luz estranha e enevoada, com os seus exatos dezesseis anos.
— Você é um fantasma? — perguntou Harry incerto.
— Uma lembrança — disse Riddle com suavidade. — Conservada em um diário durante cinquenta anos.
E apontou para o chão perto dos enormes pés da estátua.
Caído ali encontrava-se o pequeno livro preto que Harry encontrara no banheiro da Murta Que Geme. Por um segundo, ele se perguntou como aquilo chegara ali – mas havia assuntos mais urgentes a tratar.
— Você tem que me ajudar, Tom — disse Harry, levantando a cabeça de Gina outra vez. — Temos que tirá-la daqui. Tem um basilisco... Não sei onde está, mas pode chegar a qualquer momento... Por favor, me ajude...
Riddle não se mexeu. Harry, suando, conseguiu levantar metade do corpo de Gina do chão e se curvou para apanhar de novo sua varinha.
Mas a varinha desaparecera.
— Você viu?
Ele ergueu a cabeça. Riddle continuava a observá-lo – girava a varinha de Harry entre os dedos compridos.
— Obrigado — disse Harry, estendendo a mão para a varinha.
Um sorriso encrespou os cantos da boca de Riddle. Continuava a encarar Harry, girando distraidamente a varinha.
— Escute aqui — disse Harry com urgência, seus joelhos cedendo sob o peso morto de Gina. — Temos que ir embora! Se o basilisco chegar...
— Ele não virá até ser chamado — disse Riddle calmamente.
Harry depositou Gina outra vez no chão, incapaz de continuar a sustentá-la.
— Que quer dizer? Olhe me dê a minha varinha, posso precisar dela...
O sorriso de Riddle se alargou.
— Você não vai precisar dela.
Harry encarou-o.
— Que é que você quer dizer, não vou...?
— Esperei muito tempo por isto, Harry Potter. Por uma chance de vê-lo. De lhe falar.
— Olhe — disse Harry perdendo a paciência. — Acho que você não está entendendo. Estamos na Câmara Secreta. Podemos conversar depois...
— Vamos conversar agora — disse Riddle, ainda sorrindo, e guardando a varinha no bolso.
Harry encarou-o. Havia alguma coisa muito estranha acontecendo ali...
— Como foi que Gina ficou assim? — perguntou com a voz lenta.
— Bom, essa é uma pergunta interessante — disse Riddle em tom agradável. — É uma história bastante comprida. Suponho que a razão de Gina Weasley estar assim é porque abriu o coração e contou todos os seus segredos para um estranho invisível.
— Do que é que você está falando?
— Do diário. Do meu diário. A pequena Gina anda escrevendo nele há meses, me contou suas tristes preocupações e mágoas, como os irmãos implicavam com ela, como teve que vir para a escola com vestes e livros de segunda mão, como... — os olhos de Riddle brilharam — como achava que o bom, o famoso, o importante Harry Potter jamais iria gostar dela...
Todo o tempo que falava, os olhos de Riddle não desgrudavam do rosto de Harry. Havia neles uma expressão quase faminta.
— É muito chato ter que ouvir os probleminhas bobos de uma garota de onze anos. Mas fui paciente. Respondi. Fui simpático, gentil. Gina simplesmente me adorou. “Ninguém nunca me compreendeu como você; Tom... É uma alegria ter este diário para fazer confidências... É como ter um amigo portátil que se leva para todo lado no bolso...”
Riddle deu uma risada aguda e fria que não combinava com ele. Fez os cabelos na nuca de Harry se arrepiarem.
— Ainda que seja eu a dizer, Harry, sempre fui capaz de encantar as pessoas de quem precisei. Então Gina me revelou sua alma, e por acaso essa alma era exatamente o que eu queria... Fui ficando cada vez mais forte com a dieta dos seus medos mais arraigados e segredos mais íntimos. Fiquei poderoso, muito mais poderoso do que a pequena Srta. Weasley. Suficientemente poderoso para começar a alimentá-la com alguns dos meus segredos, e começar a instilar nela um pouco da minha alma...
— Do que é que você está falando? — perguntou Harry, que sentia boca muito seca.
— Você ainda não adivinhou, Harry Potter? — disse Riddle baixinho. — Gina Weasley abriu a Câmara Secreta. Ela estrangulou os galos da escola e escreveu mensagens ameaçadoras nas paredes. Ela açulou a serpente de Slytherin contra quatro sangues-ruins e a gata daquela aberração do Filch.
— Não — sussurrou Harry.
— Sim — confirmou Riddle calmamente. — É claro que ela não sabia o que estava fazendo no início. Era muito divertido. Eu gostaria que você tivesse visto as anotações que a garota fez no diário depois... Ficaram muito mais interessantes... “Querido Tom” — recitou ele, observando a expressão horrorizada de Harry — “Acho que estou perdendo a memória. Tem penas de galos nas minhas vestes e não sei como foram parar lá. Querido Tom, não me lembro do que fiz na noite das Bruxas, mas um gato foi atacado e a frente da minha roupa está suja de tinta. Querido Tom, Percy me diz o tempo todo que estou pálida e que estou diferente do que era. Acho que ele suspeita de mim... Houve outro ataque hoje e não sei onde é que eu estava. Tom, que é que eu vou fazer? Acho que estou ficando maluca... Acho que sou a pessoa que está atacando todo mundo, Tom!”
Os punhos de Harry se fecharam, as unhas se enterraram nas palmas das mãos.
— Levou muito tempo para a burrinha da Gina parar de confiar no diário — continuou Riddle. — Mas ela finalmente desconfiou e tentou jogá-lo fora. E foi aí que você entrou, Harry. Você o encontrou e eu não poderia ter me sentido mais satisfeito. De todas as pessoas que podiam tê-lo apanhado, foi você, exatamente a pessoa que eu estava mais ansioso para conhecer...
— E para que você queria me conhecer? — perguntou Harry. A raiva corria pelas veias dele, e precisou de muito esforço para manter a voz firme.
— Bem, veja, Gina me contou tudo sobre você, Harry. Toda a sua história fascinante. — Os olhos de Riddle percorreram a cicatriz em forma de raio na testa de Harry e sua expressão se tornou mais voraz. — Senti que precisava descobrir mais a seu respeito, conversar com você, conhecer você, se pudesse. Então, decidi lhe mostrar a minha famosa captura daquele bobalhão do Hagrid para ganhar sua confiança...
— Hagrid é meu amigo — disse Harry, a voz trêmula. — E foi você que o incriminou, não foi? Pensei que você tivesse se enganado, mas...
Riddle deu aquela risada aguda outra vez.
— Foi a minha palavra contra a de Hagrid, Harry. Bem, você pode imaginar o que pareceu ao velho Armando Dippet. De um lado, Tom Riddle, pobre, mas brilhante, órfão, mas muito corajoso, monitor, aluno modelo... Do outro lado, o trapalhão do Hagrid, que vivia se metendo em encrencas, tentava criar filhotes de lobisomens debaixo da cama, fugia para a Floresta Proibida para brigar com trasgos... Mas admito que até eu mesmo fiquei surpreso que o plano tivesse funcionado tão bem. Achei que alguém devia perceber que Hagrid não poderia ser o herdeiro de Slytherin. Eu gastara cinco anos inteiros para descobrir tudo que podia sobre a Câmara Secreta e encontrar a entrada... Como se Hagrid tivesse cabeça, ou poder para tanto! Só o professor de Transfiguração, Dumbledore, pareceu pensar que Hagrid era inocente. E convenceu Dippet a conservar Hagrid aqui e treiná-lo para guarda-caça. E, acho que ele talvez tivesse adivinhado... Dumbledore nunca pareceu gostar de mim tanto quanto os outros professores...
— Aposto que Dumbledore não se deixou enganar por você — disse Harry com os dentes cerrados.
— Bem, não há dúvida de que ele ficou me vigiando de maneira incômoda depois que Hagrid foi expulso — disse Riddle, indiferente. — Percebi que não seria seguro tornar a abrir a Câmara enquanto ainda estivesse na escola. Mas não ia desperdiçar os longos anos que passei procurando por ela. Resolvi deixar aqui um diário, preservando o meu eu de dezesseis anos em suas páginas, de modo que um dia, com sorte, eu pudesse conduzir alguém pelas minhas pegadas e terminar a nobre tarefa de Salazar Slytherin.
— Bem, você não a terminou — disse Harry em tom de vitória. — Desta vez ninguém morreu, nem mesmo a gata. Dentro de algumas horas a Poção de Mandrágoras estará pronta e todos que foram petrificados voltarão à normalidade outra vez...
— Acho que ainda não lhe disse — falou Riddle em voz baixa — que matar sangues ruins não me interessa mais. Há muitos meses agora, meu novo alvo tem sido... Você.
Harry encarou-o.
— Imagine a raiva que tive quando na vez seguinte que alguém abriu o meu diário, era a Gina que estava me escrevendo e não você. Ela o viu com o diário, sabe, e entrou em pânico. E se você descobrisse como usá-lo, e eu repetisse todos os segredos dela para você? E se, o que seria pior, eu contasse a você quem tinha andado estrangulando os galos? Então a boba da pirralha esperou o seu dormitório ficar deserto e roubou o diário. Mas eu sabia o que precisava fazer. Tinha ficado claro para mim que você estava na pista do herdeiro de Slytherin. Por tudo que Gina tinha me contado, eu sabia que você não mediria esforços para solucionar o mistério, principalmente se um dos seus melhores amigos fosse atacado. E Gina tinha me contado que a escola inteira estava alvoroçada porque você sabia falar a língua das cobras... Enfim, fiz Gina escrever o bilhete de adeus na parede e descer aqui para esperar. Ela resistiu, chorou e ficou muito chateada. Mas não resta nela muita vida... Ela transferiu muita força para o diário, para mim. O suficiente para eu poder finalmente deixar aquelas páginas... Estive esperando você aparecer desde que chegamos aqui. Sabia que você viria. Tenho muitas perguntas a lhe fazer, Harry Potter.
— Por exemplo? — disse Harry com rispidez, os punhos ainda fechados.
— Bem — disse Riddle, dando um sorriso agradável — como foi que você um garoto magricela, sem nenhum talento mágico excepcional, conseguiu derrotar o maior bruxo de todos os tempos? Como foi que você escapou apenas com uma cicatriz, enquanto os poderes do Lord Voldemort foram destruídos?
Surgia agora em seus olhos vorazes um brilho estranho e avermelhado.
— O que lhe interessa como escapei? — perguntou Harry lentamente. — Voldemort foi depois do seu tempo...
— Voldemort — disse Riddle com indulgência — é o meu passado, presente e futuro, Harry Potter...
E, tirando a varinha de Harry do bolso, ele escreveu no ar três palavras cintilantes:

TOM SERVOLO RIDDLE

Em seguida, agitou a varinha uma vez e as letras do seu nome se rearrumaram:

EIS LORD VOLDEMORT

— Entendeu? Era um nome que eu já estava usando em Hogwarts, só para os meus amigos mais íntimos, é claro. Você acha que eu ia usar o nome nojento do meu pai trouxa para sempre? Eu, em cujas veias corre o sangue do próprio Salazar Slytherin, pelo lado de minha mãe? Eu, conservar o nome de um trouxa sujo e comum, que me abandonou mesmo antes de eu nascer, só porque descobriu que minha mãe era bruxa? Não, Harry, criei para mim um nome novo, um nome que eu sabia que os bruxos de todo o mundo um dia teriam medo de pronunciar, quando eu me tornasse o maior bruxo do mundo.
O cérebro de Harry parecia ter enguiçado. Chocado, ele fixava Riddle, o garoto órfão que crescera para assassinar seus pais e tantos outros... Finalmente forçou-se a falar.
— Não é — sua voz baixa cheia de ódio.
— Não é o quê? — perguntou Riddle com rispidez.
— Não é o maior bruxo do mundo — disse Harry, respirando depressa. — Desculpe desapontá-lo, e tudo o mais, mas o maior bruxo do mundo é Alvo Dumbledore. Todos dizem isso. Mesmo quando você era poderoso, você não se atreveu a tentar dominar Hogwarts. Dumbledore viu através de você quando frequentou a escola e ainda o amedronta hoje, onde quer que você se esconda...
O sorriso desaparecera da cara de Riddle, substituído por um olhar muito sinistro.
— Dumbledore foi afastado do castelo meramente pela minha lembrança — sibilou.
— Ele não está tão afastado quanto você poderia pensar! — retorquiu Harry.
Falava sem pensar, querendo apavorar Riddle, desejando mais, do que acreditando que o que dizia fosse verdade...
Riddle abriu a boca, mas congelou.
Ouviram uma música vinda de algum lugar. Riddle se virou para percorrer com os olhos a câmara vazia. A música se tornava cada vez mais alta.
Era misteriosa, de dar arrepios, sobrenatural; fez os cabelos de Harry ficarem em pé e o seu coração parecer inchar até dobrar de tamanho. Então a música atingiu tal volume que Harry a sentiu vibrar dentro do peito, e chamas irromperam no alto da coluna mais próxima.
Um pássaro vermelho do tamanho de um cisne apareceu, cantando aquela música esquisita para a abóbada do teto. Tinha uma cauda dourada e faiscante, comprida como a de um pavio e garras douradas e reluzentes que seguravam um embrulho esfarrapado.
Um segundo depois, o pássaro voava direto para Harry. Deixou cair a seus pés o embrulho que carregava, depois pousou pesadamente em seu ombro. Quando fechou as asas enormes, Harry ergueu os olhos e viu que tinha um bico dourado, longo e afiado e olhos redondos e escuros.
O pássaro parou de cantar. Sentou-se imóvel e cálido junto à bochecha de Harry, olhando com firmeza para Riddle.
— É uma fênix... — disse Riddle, encarando-o de volta com um olhar astuto.
— Fawkes? — sussurrou Harry, e sentiu as garras douradas do pássaro apertarem gentilmente seu ombro.
— E isso — disse Riddle, agora examinando o embrulho esfarrapado que Fawkes deixara cair — seria o velho Chapéu Seletor...
E era. Remendado, esfiapado, sujo, o chapéu jazia imóvel aos pés de Harry.
Riddle começou a rir outra vez. Riu tanto que a Câmara ecoou com o seu riso, como se dez Riddles estivessem rindo ao mesmo tempo...
— Isto é o que Dumbledore manda ao seu defensor! Um pássaro canoro e um velho chapéu! Você se sente cheio de coragem, Harry Potter? Sente-se seguro agora?
Harry não respondeu. Talvez não entendesse qual era a utilidade de Fawkes ou do Chapéu Seletor, mas já não estava sozinho e esperou com crescente coragem Riddle parar de rir.
— Aos negócios, Harry — falou Riddle, ainda com um largo sorriso. — Duas vezes, no seu passado, ou no meu futuro, nós nos encontramos. E duas vezes não consegui matá-lo. Como foi que você sobreviveu? Conte-me tudo. Quanto mais tempo falar — acrescentou brandamente — mais tempo continuará vivo.
Harry começou a pensar depressa, avaliando suas chances. Riddle tinha a varinha. Ele, Harry, tinha Fawkes e o Chapéu Seletor, nenhum dos quais adiantaria muito em um duelo. A situação parecia ruim, não havia dúvida... Mas quanto mais tempo Riddle ficasse ali, mais depressa a vida de Gina se esgotava... Entrementes, Harry reparou de repente que os contornos de Riddle estavam ficando mais nítidos, mais sólidos... Se tinha que haver uma luta entre ele e Riddle, quanto mais cedo melhor.
— Ninguém sabe por que você perdeu seus poderes ao me atacar — disse Harry abruptamente. — Nem mesmo eu sei. Mas sei por que você não pôde me matar. Foi porque minha mãe morreu para me salvar. Minha mãe nascida trouxa e comum — acrescentou, sacudindo-se de raiva reprimida. — Ela impediu você de me matar. E eu vi o seu eu verdadeiro. Vi no ano passado. Você está uma ruína. Mal se mantém vivo. Foi isso que você ganhou com todo o seu poder. Você vive escondido. Você é feio, você é nojento...
O rosto de Riddle se contorceu. Então ele deu um horrível sorriso amarelo.
— Então, sua mãe morreu para salvar você. É, isso é um contrafeitiço poderoso. Estou entendendo agora... Afinal de contas você não tem nada especial. Há uma estranha semelhança entre nós. Até você deve ter notado. Nós dois somos órfãos, criados por trouxas. Provavelmente, desde o grande Slytherin, somos os dois falantes da língua das cobras a frequentar Hogwarts. E até nos parecemos fisicamente... Mas no final, foi um simples acaso que salvou você de mim. Era só o que eu queria saber.
Harry esperou tenso que Riddle erguesse a varinha. Mas o sorriso enviesado de Riddle voltou a se alargar.
— Agora, Harry, vou lhe dar uma liçãozinha. Vamos medir os poderes do Lord Voldemort, herdeiro de Slytherin, com os do famoso Harry Potter, e as melhores armas que Dumbledore pôde lhe dar...
Ele lançou um olhar divertido a Fawkes e ao Chapéu Seletor, em seguida se afastou.
Harry, o medo se espalhando pelas pernas dormentes, observou Riddle parar entre as altas colunas e olhar para o rosto de pedra de Slytherin, muito acima dele na obscuridade.
Riddle abriu bem a boca e sibilou – mas Harry entendeu o que ele estava dizendo...
— Fale comigo, Slytherin, o maior dos Quatro de Hogwarts.
Harry se virou para olhar a estátua, Fawkes balançava em seu ombro.
O gigantesco rosto de pedra de Slytherin se mexeu. Aterrorizado, Harry viu sua boca abrir, cada vez mais, e formar um enorme buraco negro.
E alguma coisa estava se mexendo dentro da boca da estátua. Alguma coisa começava a escorregar para fora de suas profundezas.
Harry recuou até bater na escura parede da Câmara e, ao fechar os olhos com força, sentiu a asa de Fawkes roçar sua bochecha quando o pássaro levantou voo. Harry queria gritar “Não me deixe!”, mas que chance tinha uma fênix contra o rei das serpentes?
Algo descomunal bateu no piso de pedra da Câmara. Harry sentiu-o trepidar, ele sabia o que estava acontecendo, sentia, podia quase ver a cobra gigantesca se desenrolar para fora da boca de Slytherin. Então ouviu a voz sibilante de Riddle:
— Mate-o.
O basilisco estava vindo em sua direção; ele ouviu aquele corpo gigantesco deslizar pesadamente pelo chão empoeirado.
Com os olhos ainda fechados, Harry começou a correr as cegas para os lados, as mãos estendidas à frente, tateando o caminho, Voldemort dava risadas...
Harry tropeçou. Caiu com força no chão e sentiu gosto de sangue – a cobra estava a uma pequena distância, ele a ouviu se aproximar...
Logo acima dele houve um som alto, explosivo e aquoso e então alguma coisa pesada bateu em Harry com tanto ímpeto que o esmagou contra a parede. Esperando ter o corpo atravessado por presas, ele ouviu mais sibilos raivosos, alguma coisa irrompendo por entre os pilares...
Ele não aguentou – abriu os olhos o suficiente para espreitar o que estava acontecendo.
A enorme cobra, de um verde luzidio e venenoso, grossa como um tronco de carvalho, erguia-se no ar e sua enorme cabeça chanfrada balançava bêbeda entre as colunas. Trêmulo e pronto a fechar os olhos se a cobra se virasse, Harry viu o que distraíra a cobra.
Fawkes sobrevoava sua cabeça e o basilisco tentava abocanhá-la, furioso, com as presas finas como sabres...
Fawkes mergulhou. Seu longo bico dourado desapareceu de vista e uma chuva repentina de sangue escuro salpicou o chão. O rabo da cobra chicoteou, errando Harry por pouco e, antes que o garoto pudesse fechar os olhos, ela se virou – o garoto olhou direto para a sua cara e viu que os olhos, os dois olhos bulbosos e amarelos, tinham sido furados pela fênix; o sangue escorria no chão e a cobra espumava de dor.
— NÃO! — Harry ouviu Riddle gritar. — DEIXE O PÁSSARO! DEIXE O PÁSSARO! O GAROTO ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ! VOCÊ AINDA PODE FAREJÁ-LO! MATE-O!
A cobra cega balançou, confusa, ainda letal. Fawkes descrevia círculos em volta de sua cabeça, cantando aquela música estranha, atacando aqui e ali o nariz escamoso da cobra, enquanto o sangue jorrava dos seus olhos destruídos.
— Me ajudem, me ajudem — murmurou Harry — alguém, qualquer um...
O rabo da cobra voltou a chicotear o chão. Harry se abaixou. Uma coisa macia bateu em seu rosto.
O basilisco varrera o Chapéu Seletor para os braços de Harry. O garoto agarrou-o. Era só o que lhe restava, sua única chance. Enfiou-o na cabeça e se atirou de barriga no chão quando o rabo do basilisco tornou a golpear passando por cima dele.
“Me ajudem, me ajudem” – pensou Harry, os olhos bem fechados sob o chapéu. – “Por favor me ajudem...”
Nenhuma voz lhe respondeu. Em lugar disso, o chapéu encolheu, como se uma mão invisível o apertasse com força.
Uma coisa dura e pesada bateu na cabeça de Harry com força, deixando-o quase desacordado. Com estrelas piscando diante dos seus olhos, ele agarrou a ponta do chapéu com firmeza para tirá-lo e sentiu uma coisa comprida e dura em seu interior.
Uma refulgente espada de prata aparecera dentro do chapéu, o punho cravejado de rubis rutilantes do tamanho de ovos.
— MATE O GAROTO! DEIXE O PÁSSARO! O GAROTO ESTÁ A TRÁS DE VOCÊ!FAREJE, FAREJE!
Harry estava de pé, pronto. A cabeça do basilisco foi baixando, o corpo se enroscando, batendo nas colunas ao se torcer para atacá-lo de frente. Harry viu o corpo imenso, as órbitas ensanguentadas, a boca escancarada, grande suficiente para engoli-lo inteiro, cheia de dentes compridos como a sua espada, pontiagudos, faiscantes, venenosos...
A cobra atacou às cegas... Harry evitou-a e bateu na parede da Câmara. Ela atacou de novo, e sua língua bifurcada golpeou o lado de Harry. Ele ergueu a espada com as duas mãos...
O basilisco tornou a atacar, e desta vez na direção certa... Harry pôs todo o seu peso na espada e enfiou-a até a guarda no céu da boca da cobra...
Mas quando o sangue quente encharcou os braços de Harry, ele sentiu uma dor excruciante logo acima do cotovelo. Uma presa comprida e venenosa estava se enterrando cada vez mais fundo em seu braço e se partiu quando o basilisco tombou para o lado e caiu, estrebuchando no chão.
Harry escorregou pela parede. Agarrou a presa que espalhava veneno pelo seu corpo e arrancou-a do braço. Mas percebeu que era tarde demais. Uma dor terrível se irradiava do ferimento de modo lento e contínuo. Na hora em que deixou cair a presa e viu o próprio sangue empapar suas vestes, sua visão se embaçou. A Câmara se dissolveu num rodamoinho de cores opacas.
Uma nesga de vermelho passou por ele, e Harry ouviu unhas baterem ao seu lado suavemente.
— Fawkes — disse com a voz enrolada. — Você foi fantástica, Fawkes... — Ele sentiu o pássaro deitar a bela cabeça no lugar em que a presa da serpente o furara. Ouviu ecoarem passos e depois uma sombra escura passar à sua frente.
— Você está morto, Harry Potter — disse a voz de Riddle do alto. — Morto. Até o pássaro de Dumbledore sabe disso. Você está vendo o que ele está fazendo, Potter? Está chorando.
Harry piscou os olhos. A cabeça de Fawkes entrava e saía de foco. Lágrimas grossas e peroladas escorriam por suas penas de cetim.
— Vou me sentar aqui e apreciar você morrer, Harry Potter. Pode demorar à vontade. Não tenho pressa.
Harry se sentiu sonolento. Tudo à sua volta parecia estar girando.
— Assim termina o famoso Harry Potter — disse a voz distante de Riddle — Sozinho na Câmara Secreta, abandonado pelos amigos, finalmente derrotado pelo Lord das Trevas que ele tão insensatamente desafiou. Você vai voltar para a sua querida mãe de sangue ruim em breve, Harry... Ela comprou para você mais doze anos de vida... Mas Lord Voldemort acabou por vencê-lo, como você sabia que ele faria...
Se isto for morrer, pensou Harry, não é tão mau assim.
Até mesmo a dor abandonou-o aos poucos...
Mas será que isto era morrer? Em vez de escurecer, a Câmara parecia estar voltando a entrar em foco. Harry fez um pequeno movimento com a cabeça e lá estava Fawkes, ainda descansando a cabeça em seu braço. Uma pocinha de lágrimas peroladas brilhava em torno do ferimento – só que não havia ferimento...
— Afaste-se dele, pássaro — disse a voz de Riddle inesperadamente. — Afaste-se dele, eu falei, afaste-se...
Harry levantou a cabeça. Riddle estava apontando a varinha de Harry para Fawkes; ouviu-se um estampido como o de um revólver e Fawkes levantou voo outra vez num redemoinho dourado e vermelho.
— Lágrimas de fênix... — disse Riddle baixinho, olhando o braço de Harry. — É claro... Poderes curativos... Me esqueci...
Ele olhou para o rosto de Harry.
— Mas não faz diferença. Na realidade, prefiro assim. Só você e eu, Harry Potter... Você e eu...
E ergueu a varinha...
Então num farfalhar de penas, Fawkes sobrevoou os dois e uma coisa caiu no colo de Harry – o diário.
Por uma fração de segundo, Harry e Riddle, a varinha ainda erguida, olharam para o diário. Então, sem pensar, sem raciocinar, como se tivesse pretendido fazer isso o tempo todo, Harry agarrou a presa do basilisco no chão ao lado dele e enterrou-a direto no centro do livro.
Ouviu-se um grito longo e cortante. Um rio de tinta jorrou do diário, escorreu pelas mãos de Harry, inundou o chão. Riddle estrebuchava e se contorcia, gritando e se debatendo e então...
Desapareceu. A varinha de Harry caiu no chão com estrépito e em seguida fez-se silêncio. Silêncio, exceto pelo pinga-pinga da tinta que ainda escorria do diário. O veneno do basilisco abrira a fogo um buraco no livro.
O corpo inteiro tremendo, Harry se levantou. Sua cabeça rodava como se tivesse acabado de viajar quilômetros com o Pó de Flu. Lentamente, recolheu a varinha e o Chapéu Seletor e, com um violento puxão, retirou a espada faiscante do céu da boca do basilisco.
Então chegou aos seus ouvidos um gemido fraco lá do fundo da Câmara. Gina estava se mexendo. Enquanto Harry corria para a garota, ela se sentou. Seus olhos espantados ziguezaguearam do enorme vulto do basilisco morto para Harry, com as vestes encharcadas de sangue, e daí para o diário em sua mão. Ela inspirou profundamente, estremecendo, e as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto.
— Harry, ah, Harry, eu tentei lhe contar no café, mas não pude contar na frente do Percy... Fui eu, Harry... Mas... j-juro que não tive intenção... Riddle me obrigou, ele me levou até lá... E... Como foi que você matou aquele... Aquela coisa? Onde está Riddle? A última coisa que me lembro é dele saindo do diário.
— Tudo bem — disse Harry, levantando o diário e mostrando à Gina o furo feito pela presa — o Riddle acabou. Olhe! Ele e o basilisco. Anda Gina, vamos dar o fora daqui!
— Vou ser expulsa! — choramingou Gina enquanto Harry a ajudava, desajeitado, a ficar em pé. — Sonhei em vir para Hogwarts desde que G-Gui veio e ag-gora vou ter que sair e... q-que-que papai e mamãe vão dizer?
Fawkes estava à espera deles, sobrevoando a entrada da Câmara. Harry instava Gina a avançar; os dois saltaram por cima das voltas inertes do basilisco morto, atravessando a penumbra cheia de ecos e voltaram ao túnel. Harry ouviu as portas de pedra se fecharem às suas costas com um silvo fraco.
Depois de caminharem alguns minutos pelo túnel escuro, Harry ouviu o som distante de pedras que se deslocavam lentamente.
— Rony! — berrou, se apressando. — Gina está bem! Está comigo!
Ouviram Rony soltar um viva sufocado e, ao virarem a curva seguinte, divisaram a sua carinha ansiosa espiando por uma brecha de bom tamanho, que ele conseguira abrir entre as pedras desmoronadas.
— Gina! — Rony enfiou um braço pelo buraco para puxá-la primeiro. — Você está viva! Não acredito! Que aconteceu! Como... Que... De onde veio o pássaro?
Fawkes mergulhou no buraco atrás de Gina.
— É do Dumbledore — respondeu Harry, espremendo-se para passar.
— Onde arranjou uma espada? — disse Rony, boquiabrindo-se ao ver a arma na mão de Harry.
— Explico quando sairmos daqui — disse Harry com um olhar de esguelha para Gina, que agora chorava mais do que antes.
— Mas...
— Mais tarde — disse Harry concisamente. Não achou uma boa idéia naquele momento contar a Rony quem andara abrindo a Câmara, pelo menos não na frente de Gina. — Onde anda Lockhart?
— Lá atrás — disse Rony, ainda com uma expressão intrigada, mas indicando com a cabeça o túnel na direção do cano de entrada. — Está bem ruinzinho. Venha ver.
Guiados por Fawkes, cujas penas vermelhas produziam uma luminosidade dourada no escuro, eles caminharam de volta à boca do cano.
Gilderoy Lockhart estava sentado, cantarolando tranquilamente para si mesmo.
— A memória dele desapareceu — disse Rony. — O Feitiço da Memória saiu pela culatra. Atingiu a ele em vez de nós. Ele não tem a menor ideia de quem é, onde está ou de quem somos. Eu o mandei vir esperar aqui. É um perigo para ele mesmo.
Lockhart mirou os garotos, bem-humorado.
— Alô — disse ele. — Lugar esquisito, esse, não acham? Vocês moram aqui?
— Não — respondeu Rony, erguendo as sobrancelhas para Harry.
Harry se abaixou e espiou para dentro do cano longo e escuro.
— Você já pensou como é que vamos subir por isso para voltar? — perguntou a Rony.
Rony sacudiu a cabeça, mas Fawkes, a fênix, passara por Harry e agora esvoaçava à sua frente, seus olhos de contas brilhando no escuro. Ela acenava com as compridas penas douradas da cauda. Harry olhou-a hesitante.
— Parece que ela quer que você a agarre... — disse Rony, com um olhar perplexo. — Mas você é pesado demais para um pássaro arrastá-lo por ali...
— Fawkes não é um pássaro comum — Harry se virou depressa para os outros. — Temos que nos segurar uns nos outros. Gina, agarre a mão de Rony. Prof. Lockhart...
— Ele está se referindo ao senhor — disse Rony rispidamente. — Lockhart.
— Segure a outra mão de Gina...
Harry prendeu a espada e o Chapéu Seletor no cinto, Rony segurou as costas das vestes de Harry e este esticou a mão e agarrou a cauda estranhamente quente de Fawkes.
Uma leveza extraordinária pareceu se espalhar por todo o seu corpo e, no segundo seguinte, o grupo voava pelo cano em meio a um farfalhar de asas. Harry ouviu Lockhart, pendurado atrás dele, exclamar: “Espantoso! Espantoso! Isso parece mágica!” O ar frio fustigava os cabelos de Harry e, antes que ele tivesse enjoado da viagem, ela terminou. Os quatro bateram no chão molhado do banheiro da Murta Que Geme, e enquanto Lockhart endireitava o chapéu, a pia que escondera o cano voltou a se encaixar suavemente no lugar.
Murta arregalou os olhos para Harry.
— Você está vivo! — exclamou desconcertada.
— Não precisa parecer tão desapontada — disse o garoto, sério, limpando os salpicos de sangue e o limo dos óculos.
— Ah, bem... Andei pensando... Se você tivesse morrido, seria bem-vindo a dividir o meu boxe — disse Murta, com o rosto tingindo-se de prateado.
— Arre! — exclamou Rony ao saírem do banheiro para o corredor escuro e deserto. — Harry! Acho que Murta está gostando de você! Gina, você ganhou uma concorrente!
Mas as lágrimas continuavam a escorrer silenciosamente pelo rosto de Gina.
— Onde agora? — perguntou Rony, lançando um olhar ansioso a Gina.
Harry apontou.
Fawkes tomou a frente, refulgindo ouro pelo corredor. Eles o seguiram e momentos depois se encontravam à porta da sala da Profª. McGonagall. Harry bateu e empurrou a porta, abrindo-a.