terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Jogos Vorazes - Capítulo 12

Graças a Deus eu tive a perspicácia de me prender. Eu rolei para o lado do galho e encarei o chão, segura no lugar pelo cinto, por um lado, e meus pés na mochila dentro do meu saco de dormir, apoiados contra o tronco. Deve ter havido algum farfalho quando eu me inclinei de lado, mas os Carreiristas estavam muito concentrados em sua discussão para perceber.
— Vá em frente, então, Lover Boy  diz o garoto do Distrito 2. — Veja por si mesmo.
Eu só tenho um vislumbre de Peeta, iluminado pela tocha, voltando para a garota pelo fogo. Seu rosto está inchado dos machucados, há uma bandagem manchada de sangue em um braço, e pelo som de seu andar, está mancando. Lembro dele balançando sua cabeça, me dizendo para não entrar na briga pelos suprimentos, quando o tempo todo, o tempo todo ele planejava se atirar no centro das coisas. Justo o oposto do que Haymitch tinha dito para ele fazer.
Ok, eu posso engolir isso. Ver todos aqueles suprimentos foi tentador. Mas isso... isso é outra coisa. Essa parceria com a matilha de lobos Carreiristas para caçar o resto de nós. Ninguém do Distrito 12 pensaria em fazer uma coisa dessas! Carreiristas são excessivamente cruéis, arrogantes, melhor alimentados, mas só porque são os cãezinhos da Capital.
De modo universal, há um sólido ódio de todos menos aqueles de seus próprios distritos. Posso imaginar as coisas que eles estão dizendo sobre ele em casa agora. E Peeta teve a ousadia de conversar comigo sobre desonra?
Obviamente, o garoto nobre do telhado estava jogando apenas mais um jogo comigo. Mas esse será seu último. Eu assistirei avidamente o céu de noite por sinais de sua morte, se eu mesma não matá-lo primeiro.
Os Carreiristas estão silenciosos até que ele sai do campo auditivo, então usam vozes baixas.
— Por que nós apenas não o matamos logo agora e acabamos com isso?
— Deixe-o por enquanto. Qual é o dano? E ele é útil com aquela faca.
Ele é? Isso é novidade. Que monte de coisas interessantes eu estou aprendendo sobre meu amigo Peeta hoje.
— Além disso, ele é nossa melhor chance de encontrá-la.
Eu levo um momento para registrar que eles estão se referindo a mim.
— Por quê? Você acha que ela está mesmo naquela coisa romântica e sentimental?
— Ela deve. Parece muito simplória para mim. Toda vez que eu penso nela dando voltas naquele vestido, tenho vontade de vomitar.
— Gostaria de saber como ela conseguiu aquele onze.
— Aposto que o Lover Boy sabe.
O som de Peeta retornando os silencia.
— Ela estava morta? — pergunta o garoto do Distrito 2.
— Não. Mas agora está  diz Peeta. Justo então, o canhão dispara. — Prontos para ir adiante?
O grupo dos Carreiristas começa a correr justo enquanto a alvorada começa irromper, e as músicas dos pássaros preenchem o ar. Eu permaneço na minha posição estranha, os músculos tremendo com o esforço por um longo tempo, então me suspendo de volta ao meu galho.
Eu preciso descer, continuar, mas por um momento eu fico deitada ali, digerindo o que acabei de escutar. Não só Peeta está com os Carreiristas, mas está os ajudando a me encontrar. A garota simplória que tem que ser levada a sério por causa de seu onze. Porque ela pode usar seu arco e flecha. O que Peeta sabe melhor que qualquer um.
Mas ele não disse pra eles ainda. Ele está guardando essa informação porque sabe que é tudo que o mantém com vida? Ele ainda está fingindo me amar para a audiência? O que está se passando pela cabeça dele?
De repente, os pássaros ficam silenciosos. Então um pássaro dá uma chamada de alerta. Uma simples nota. Como aquela que Gale e eu escutamos quando a Avox de cabelos vermelhos foi pega. Alto, acima da fogueira morrendo, um aerobarco se materializa. Um enorme conjunto de dentes de metal cai. Devagar, gentilmente, a tributo morta é levada para dentro do aerobarco. Então ele some. Os pássaros retomam o canto.
— Mexa-se  sussurro para mim mesma.
Esquivo-me do saco de dormir e o coloco na mochila. Respiro fundo. Enquanto estava oculta na escuridão, no saco de dormir e nos ramos de salgueiro, é provável que tenha sido difícil para as câmeras conseguirem um bom close de mim. Sei que eles devem estar me rastreando agora mesmo. No minuto em que eu encosto no chão, tenho garantido meu close-up.
A audiência estará fora de si, sabendo que eu estava na árvore, que eu escutei a conversa dos Carreiristas, que descobri que Peeta estava com eles. Até que eu planeje exatamente como eu vou jogar, é melhor, ao menos, passar por cima das coisas. Não perplexa. Certamente não confusa ou assustada.
Não, eu preciso ver um passo à frente no jogo.
Então enquanto deslizo para fora das folhagens e dentro da luz do amanhecer, paro por um segundo, dando às câmeras tempo para focarem em mim. Então inclino minha cabeça levemente para o lado e dou um sorriso. Vejam! Deixem-nos imaginarem o que isso significa!
Eu estou para abandonar o lugar quando penso nas armadilhas. Talvez seja imprudente checá-las com os outros tão perto. Mas eu tenho. Muitos anos de caçada, acho. E a isca de uma possível comida.
Sou recompensada com um ótimo coelho. Num piscar de olhos, limpei e retirei as tripas do animal, deixando a cabeça, os pés, rabo, pele e vísceras sob uma pilha de folhas. Gostaria de ter fogo – comer coelho cru pode te dar febre, uma lição que aprendi da pior forma – quando penso no tributo morto.
Corro de volta ao seu campo, certa de que o carvão do fogo de sua morte ainda está quente. Eu corto o coelho, ponho num galho em forma de espeto e coloco-o sobre as brasas.
Estou satisfeita com as câmeras agora. Quero que os patrocinadores vejam que eu posso caçar, que sou uma boa aposta porque não cairei em armadilhas tão facilmente quanto os outros irão pela fome. Enquanto o coelho assa, eu moo parte dos ramos carbonizados e passo-o sobre minha mochila laranja. O tom a escurece, mas sinto que uma camada de lama iria ajudar definitivamente. É claro, para ter lama, precisaria de água...
Puxo meus utensílios, seguro minha saliva, chuto alguma sujeira sobre as brasas e tomo a direção oposta da que os Carreiristas foram. Como metade do coelho enquanto ando, então embrulho as sobras em um plástico para mais tarde. A carne para o rugido no meu estômago, mas faz pouco para sossegar minha sede. Água é minha maior prioridade agora.
Enquanto marcho, tenho certeza que ainda estou prendendo as telas na Capital, então tenho o cuidado de continuar a esconder minhas emoções. Mas que diversão Claudius Templesmith deve estar tendo com seus comentaristas convidados, dissecando o comportamento de Peeta, minha reação.
O que fazer de tudo? Peeta tem revelado suas verdadeiras cores? O que isso afeta nas chances de aposta? Nós perderemos patrocínios? Nós ao menos temos patrocínio? Sim, tenho certeza que temos, ou pelo menos tínhamos.
Certamente Peeta acabou nossa dinâmica de namorados celebridades. Ou não? Talvez, uma vez que ele não fale muito sobre mim, nós ainda possamos conseguir algo disso. Talvez as pessoas pensem que é algo que nós planejamos juntos se eu parecer que estou divertida agora.
O sol se eleva no céu e mesmo através da cobertura parece excessivamente iluminado. Cubro os meus lábios com a gordura do coelho e tento não arquejar, mas é inútil. Só se passou apenas um dia e eu estou desidratando rápido. Tento pensar em tudo que sei sobre achar água. Corro morro abaixo, então, de fato, continuar a descer nesse vale não é uma má ideia. Se eu pudesse apenas localizar uma trilha ou um ponto particularmente verde na vegetação, podia me ajudar bastante, mas nada parece mudar. Há apenas um leve declive gradual, os pássaros, a mesmice nas árvores.
Enquanto o dia passa, sei que estou com problemas. O pouco que eu pude urinar era castanho escuro, minha cabeça está doendo e há uma mancha seca na minha língua que se recusa a umedecer. O sol machuca meus olhos, então pego meus óculos escuros, mas quando os coloco, eles fazem algo suspeito com a minha visão, então apenas os coloco de volta na minha mochila.
É fim de tarde quando acho que encontrei ajuda. Identifico um grupo de arbustos de amoras e me apresso em tirar as frutas, sugando o doce suco de suas peles. Mas justo quando estou segurando-os perto dos meus lábios, realmente olho para eles.
O que eu pensei que fosse tinha o formato levemente diferente, e quando abro um, o interior é vermelho vivo. Eu não reconheço essas bagas, talvez elas fossem comestíveis, mas eu estou achando que essa é uma vil armadilha da parte dos Gamemakers. Até o instrutor de plantas no Centro de Treinamento nos disse para fugir de bagas a menos que você esteja 100 por cento certa de que elas não sejam tóxicas. Algo que eu já sabia, mas estou com tanta sede que preciso de tempo para ter a força de jogá-las fora.
A fadiga está começando a me envolver, mas não o cansaço usual que segue uma longa caminhada. Tenho que parar e descansar frequentemente, embora eu saiba que a única cura para o que me aflige requer procura contínua.
Experimento uma nova tática – subir nas árvores tão alto que ouso no meu instável estado para procurar algum sinal de água. Mas tão longe quanto eu consigo ver em qualquer direção, há o mesmo implacável trecho de floresta.
Determinada a continuar até o cair da noite, caminho até estar tropeçando sobre meus pés.
Exausta, eu me lanço em cima de uma árvore e me prendo lá. Não tenho apetite, mas chupo os ossos do coelho para dar a minha boca algo para fazer. A noite cai, o hino toca e no alto do céu vejo a figura de agora, que aparentemente era do Distrito 8. A qual o Peeta voltou para acabar.
Meu medo do grupo de Carreiristas é mínimo comparado à minha sede ardente. Além disso, eles estão seguindo para longe de mim e por enquanto eles também terão de descansar. Com a escassez de água, eles podem ter que retornar para o lago para encher as garrafas.
Talvez, esse seja o único curso para mim também.
A manhã traz agonia. Minha cabeça palpita a cada batida do coração. Movimentos simples mandam punhaladas de dor através das minhas juntas. Eu caio mais do que pulo da árvore. Toma alguns minutos para eu juntar meus utensílios. Em algum lugar dentro de mim, sei que isso é errado. Eu deveria estar agindo mais cuidadosamente, movendo-me com mais urgência. Mas minha mente parece enevoada e formar um plano é difícil. Inclino-me para trás contra o tronco da árvore, um dedo delicadamente alisando a superfície de lixa da minha língua, enquanto avalio minhas opções. Como eu consigo água?
Retornar ao lago. Nada bom. Eu nunca faria isso.
Esperar por chuva. Não há nem uma nuvem no céu.
Continuar procurando. Sim, essa é minha única chance. Mas então, outro pensamento me bate, e a explosão de raiva que se segue traz meu senso de volta.
Haymitch! Ele podia me mandar água! Aperte um botão e a envie para mim em um paraquedas de prata em minutos. Sei que devo ter patrocinadores, no mínimo um ou dois que podem bancar meio litro de água para mim. Sim, é caro, mas essas pessoas, elas são feitas de dinheiro. E eles estarão apostando em mim também. Talvez Haymitch não perceba o quão profunda é minha necessidade.
Digo numa voz tão alta quanto ouso.
— Água.
Espero, esperançosa, por um paraquedas descer do céu. Mas nada está vindo.
Algo está errado. Eu estava enganada sobre ter patrocinadores? Ou o comportamento de Peeta fez com que eles todos recuassem? Não, não acredito. Há alguém aí fora que quer me comprar água, só Haymitch está recusando em deixá-la passar para cá. Como meu mentor, ele tem o controle do fluxo de presentes dos patrocinadores. Sei que ele me odeia. Ele deixou isso bem claro. Mas o bastante para me deixar morrer? Disso? Ele não pode fazer isso, pode? Se um mentor maltrata seus tributos, será responsabilizado pelos telespectadores, pelas pessoas do Distrito 12. Mesmo Haymitch não se arriscaria, arriscaria? Diga o que quiser sobre meus companheiros negociantes do Prego, mas não acho que eles dariam boas-vindas a ele lá se me deixasse morrer dessa forma. E então onde ele iria conseguir a sua bebida?
Então... o quê? Ele está tentando me fazendo sofrer por desafiá-lo? Ele está direcionando todo o patrocínio para Peeta? Ele está tão bêbado até para notar o que está acontecendo nesse momento?
De alguma forma não acredito nisso e não acredito que ele está tentando me matar por negligência, também. Ele tem, na verdade, no seu próprio modo desagradável, genuinamente tentado me preparar para isso. Então, o que está acontecendo?
Enterro meu rosto em minhas mãos. Não há perigo de lágrimas agora, eu não poderia produzir uma nem para salvar a minha vida.
O que Haymitch está fazendo? Apesar da minha raiva, ódio e suspeitas, uma pequena voz atrás da minha cabeça sussurra uma resposta.
Talvez ele esteja te mandando uma mensagem, ela diz. Uma mensagem. Dizendo o quê? Então eu sei. Só há uma boa razão para Haymitch estar segurando a água de mim. Porque ele sabe que eu quase estou encontrando-a.
Eu cerro meus dentes e me coloco de pé. Minha mochila parece ter triplicado o peso. Encontro um galho quebrado que vai servir como uma bengala e começo a caminhada.
O sol está forte, ainda mais abrasador que os primeiros dois dias. Sinto-me como um velho pedaço de couro, secando e chicoteando no calor. Todo passo é um esforço, mas me recuso a parar. Me recuso a sentar. Se eu sentar, há uma boa chance de não ser capaz de me levantar de novo, de que eu nem lembre minha tarefa.
Que presa fácil eu sou! Qualquer tributo, até a pequena Rue, poderia me pegar agora, meramente pulando sobre mim e me matando com minha própria faca e eu teria pouca força para resistir. Mas se alguém está na minha parte da floresta, ignora-me. A verdade é, eu sinto como se estivesse a milhões de quilômetros de outra alma viva.
Não sozinha, porém. Não, eles com certeza têm as câmeras me seguindo agora. Penso nos anos assistindo tributos morrendo de fome, congelando, sangrando ou desidratando até a morte. A menos que haja uma briga muito boa acontecendo em algum lugar, eu estou sendo a atração.
Meus pensamentos voltam a Prim. É provável que ela não esteja me assistindo ao vivo, mas eles mostram as gravações na escola durante o almoço. Por ela, tenho que parecer o menos desesperada possível.
Mas pela tarde, sei que o final está chegando. Minhas pernas estão tremendo e meu coração acelerado. Eu continuo esquecendo exatamente o que estou fazendo. Tropeço repetidamente e consigo recuperar meus pés, mas quando a vara escorrega por debaixo de mim, eu finalmente caio no chão incapaz de me levantar. Deixo meus olhos se fecharem.
Eu me enganei quanto a Haymitch. Ele não tem nenhuma intenção de me ajudar.
Está tudo certo, penso. Não é tão ruim aqui. O ar é menos quente, significando que a noite se aproxima. Há um suave, doce cheiro que me lembra lírios. Meus dedos batem no chão macio, deslizando facilmente sobre ele. Esse é um bom lugar para morrer, penso.
Minhas pontas dos dedos fazem pequenos padrões de giros na terra fria e escorregadia. Eu adoro lama, penso. Quantas vezes eu segui as caças com a ajuda dessa macia e legível superfície. Bom para picadas de abelha, também. Lama. Lama. Lama! Meus olhos se abrem e eu envio meus dedos na terra. É lama! Meu nariz se ergue no ar. E aqueles são lírios! Aguapés!
Eu rastejo agora, sobre a lama, arrastando-me em direção ao cheiro. A cinco metros de onde eu caí, rastejo pela confusão de plantas até a poça. Flutuando na superfície, flores amarelas no florescer, estão meus belos lírios.
É tudo o que posso fazer para não mergulhar o meu rosto na água e engolir tudo o que posso. Mas tenho juízo o bastante para me abster. Com as mãos tremendo, pego minha garrafa térmica e a encho com água. Acrescento o que lembro ser o número certo de gotas de iodo para purificá-la. A meia hora de espera é uma agonia, mas eu consigo. Ao menos, penso que é meia hora, mas é certamente o tempo que posso suportar.
Devagar, calma agora, digo para mim mesma.
Tomo um gole e me obrigo a esperar. Então outro. Durante o próximo par de horas, eu tomo metade da garrafa. Então um segundo. Preparo outra antes de me retirar para uma árvore onde eu continuo bebericando, comendo coelho e até mesmo um dos meus preciosos biscoitos.
No momento que o hino toca, sinto-me consideravelmente melhor. Não há rostos essa noite, nenhum tributo morreu hoje. Amanhã eu ficarei aqui, descansando, camuflando minha mochila com lama, pegando alguns daqueles pequenos peixes que vi enquanto bebia, desenterrando as raízes do aguapé para fazer uma boa refeição. Eu me aconchego debaixo do meu saco de dormir, segurando minha garrafa de água como se fosse minha própria vida, que, é claro, é.
Umas poucas horas depois, um barulho de pés me balança do meu sono. Eu olho ao redor em confusão. Ainda não amanheceu, mas meus doloridos olhos podem ver.
Seria difícil não perceber a parede de fogo descendo sobre mim.

Jogos Vorazes - Capítulo 11

Sessenta segundos. É esse o tempo que devemos permanecer nos nossos círculos de metal antes do som de um gongo nos liberar. Pise para fora antes de dar um minuto, e minas terrestres arrancarão suas pernas  Sessenta segundos para absorver o círculo de tributos, todos equidistantes da Cornucópia, uma gigante trombeta de corno dourada na forma de um cone com uma ponta curva, a boca com pelo menos seis metros de diâmetro e dez centímetros de altura, derramando as coisas que nos darão vida aqui na arena. Comida, recipientes de água, armas, remédios, vestimentas, iniciadores de fogo.
Espalhados pelo campo estão outros suprimentos, seu valor diminuindo quanto mais distante estejam da Cornucópia. Por exemplo, a apenas três passos dos meus pés está um plástico de noventa centímetros quadrados. Certamente seria de alguma utilidade em um aguaceiro. Mas ali na boca, eu consigo ver uma barraca de acampar que protegeria de quase qualquer tipo de tempo. Se eu tivesse coragem de ir brigar por ela contra os outros vinte e três tributos. O que eu fui instruída a não fazer.
Nós estamos em um pedaço aberto de chão terreno. Uma planície de terra de chão. Atrás dos tributos na minha frente, eu não consigo ver nada, indicando ou uma ladeira excessiva ou até mesmo um precipício. À minha direita tem um lago. À minha esquerda e às minhas costas, um mastro de floresta de pinheiro. É ali que Haymitch iria querer que eu fosse. Imediatamente.
Ouço as instruções dele na minha cabeça. “Só para deixar claro, ponha o máximo de distância possível entre vocês e os outros, e encontrem uma fonte de água.”
Mas é tentador, tão tentador, quando eu vejo os prêmios esperando lá perante mim. E eu sei que se eu não pegá-los, alguma outra pessoa pegará. Que os Carreiristas que sobrevivem ao banho de sangue dividirão a maioria dessa pilhagem vital.
Algo captura a minha atenção. Lá, descansando em um amontoado de cobertores, está um estojo prateado de flechas e um arco, já montado, só esperando ser pego. Esse é meu, eu penso. É para mim.
Eu sou rápida. Consigo correr a toda velocidade mais rápido do que qualquer uma das garotas na nossa escola, apesar de algumas conseguirem me vencer em corridas de distância. Mas esse comprimento de trinta e seis metros, é para isso que fui feita. Eu sei que posso pegá-los, sei que consigo alcançá-los primeiro, mas então a pergunta é: quão rápido eu consigo sair dali? Depois que eu tiver afastado os pacotes e pegado as armas, outros terão chegado à Cornucópia, e um ou dois eu talvez seja capaz de alvejar, mais digamos que há uma dúzia, a queima-roupa, eles poderiam me abater com as lanças e clavas. Ou seus próprios punhos poderosos.
Ainda assim, eu não serei o único alvo. Aposto que muitos dos outros tributos rejeitariam uma garota menor, mesmo uma que tirou onze em seu treinamento, para abater seus adversários mais ferozes.
Haymitch nunca me viu correr. Talvez se ele tivesse visto, teria me dito para ir adiante. Pegar a arma. Já que é essa a arma que pode ser a minha salvação. E eu só vejo um arco na pilha inteira. Eu sei que o minuto deve estar quase acabando e terei que decidir qual a minha estratégia será e eu me encontro posicionando meu pé para correr, não para longe, para a proteção da floresta circundante, mas na direção da pilha, na direção do arco. Quando de repente eu noto Peeta, ele está a cerca de cinco tributos à minha direita, uma distância bem boa, ainda assim, consigo afirmar que ele está olhando para mim e acho que ele pode estar balançando sua cabeça. Mas o sol está nos meus olhos, e enquanto eu estou quebrando minha cabeça sobre isso, o gongo soa.
E eu perdi! Perdi minha chance! Porque esses poucos segundos extras que perdi por não estar pronta são o bastante para mudar de ideia sobre ir. Meus pés se arrastaram por um momento, confusos com a direção que o meu cérebro queria tomar e então eu me arremessei para frente, peguei a placa de plástico e um pão de forma. As escolhas são tão pequenas e eu estou tão brava com Peeta por me distrair que eu corri a toda velocidade por dezoito metros para pegar uma mochila laranja brilhante que poderia carregar qualquer coisa, porque não consigo suportar partir com literalmente nada.
Um garoto, eu acho que do Distrito 9, pega a mochila ao mesmo tempo que eu e por um breve instante nós lutamos por ela, e então ele tosse, respingando sangue no meu rosto. Eu recuo, enojada pelo respingo quente e grudento. Então o garoto desliza para o chão. É quando eu vejo a faca nas suas costas. Outros tributos já alcançaram a Cornucópia e estão se espalhando para atacar.
Sim, a garota do Distrito 2, há nove metros, correndo na minha direção, uma mão apertando meia dúzia de facas. Eu a vi jogá-las no treinamento. Ela nunca erra. E eu sou seu próximo alvo.
Todo o medo geral que eu estive sentindo se condensa em um medo imediato dessa garota, dessa predadora que pode me matar em segundos. Adrenalina é atirada através de mim e eu atiro a mochila por sobre um ombro e corro a toda velocidade para a floresta. Eu consigo ouvir a lâmina assobiando na minha direção e eu levanto a mochila reflexivamente para proteger a minha cabeça. A lâmina se aloja na mochila. Com ambas as alças nos meus ombros agora, corro para as árvores. De algum modo eu sei que a garota não me perseguirá. Que ela será atraída de volta para a Cornucópia antes que todas as coisas boas acabem. Um sorriso irônico cruza o meu rosto. Obrigada pela faca, penso.
Na beira da floresta eu me viro por um instante para analisar o campo. Cerca de mais ou menos uma dúzia de tributos estão depenando a Cornucópia. Vários já estão caídos mortos no chão. Aqueles que fugiram estão desaparecendo nas árvores ou no vazio oposto a mim.
Eu continuo correndo até que a floresta tenha me escondido dos outros tributos, então diminuo para uma corrida leve uniforme que acho que consigo manter por algum tempo. Pelas próximas horas, alterno entre correr de leve e andar, colocando o máximo de distância quanto consigo entre eu e meus competidores.
Eu perdi meu pão durante a luta com o garoto do Distrito 9, mas consegui enfiar o plástico na minha manga então enquanto eu ando eu dobro-o organizadamente e enfio-o em um bolso. Eu também solto a faca – é fina com uma lâmina longa e afiada, serrada próxima ao cabo, o que será útil para serrar coisas – e deslizo-a no meu cinto. Não ouso parar para examinar o conteúdo da mochila ainda. Eu simplesmente continuo, pausando apenas para checar perseguidores.
Eu posso continuar por um longo tempo. Sei disso pelos dias na floresta. Mas eu precisarei de água. Essa foi a segunda instrução do Haymitch, e já que eu meio que estraguei a primeira, fico de olho por qualquer sinal dela. Sem sorte.
A floresta começa a desenvolver-se, e os pinheiros estão mesclados com uma variedade de árvores, algumas eu reconheço, algumas são completamente estrangeiras para mim. Uma hora, eu ouço um barulho e puxo minha faca, pensando que talvez eu tenha que me defender, mas só assustei um coelho.
— Bom te ver  sussurro.
Se há um coelho, pode haver centenas simplesmente esperando para serem capturados.
O chão se inclina. Eu não gosto disso particularmente. Vales me fazem sentir aprisionada. Eu quero ficar no alto, como nas colinas ao redor do Distrito 12, onde consigo ver meus inimigos se aproximando. Mas eu não tenho escolha a não ser continuar indo.
Estranho, mas não me sinto muito mal. Os dias me empanturrando se provaram válidos. Eu tenho capacidade de resistência mesmo tendo dormido pouco. Estar na floresta é rejuvenescedor. Estou feliz pela solidão, apesar de ser uma ilusão, porque eu provavelmente estou na tela agora. Não constantemente, mas em intervalos. Há tantas mortes para se mostrar no primeiro dia que um tributo viajando pela floresta não é muito que se ver. Mas eles mostrarão o bastante de mim para informar às pessoas que eu estou viva, intacta e me movendo.
Um dos dias mais pesados de aposta é a abertura, quando as casualidades iniciais aparecem. Mas isso não se compara ao que acontece quando o campo se espreme em um punhado de jogadores.
É final da tarde quando começo a escutar os canhões. Cada tiro representa um tributo morto. A luta deve ter finalmente acabado na Cornucópia. Eles nunca coletam os corpos do banho de sangue até que os assassinos tenham se dispersado.
No dia da abertura, eles nem ao menos disparam os canhões até a luta inicial acabar, porque é difícil demais ter uma noção das fatalidades. Eu me permito pausar, ofegando, enquanto conto os tiros. Um... dois… três… continuamente até que se chegue a onze. Onze mortos no total. Treze restantes para jogar.
Minhas unhas arranham o sangue seco do garoto do Distrito 9 que tossiu no meu rosto. Ele se foi, certamente. Eu me pergunto sobre Peeta. Ele durou o dia? Eu saberei em algumas horas. Quando eles projetarem as imagens dos mortos no céu para o resto de nós vermos.
Repentinamente, eu sou sobrecarregada pelo pensamento que Peeta possa já estar perdido, drenado de sangue, coletado, e em processo de ser transportado de volta para a Capital para ser limpo, vestido novamente e mandado em uma caixa de madeira simples de volta para o Distrito 12. Não mais aqui. Se dirigindo para casa.
Tentei arduamente me lembrar se eu o tinha visto uma vez que a ação começara. Mas a última imagem que consigo invocar é o Peeta balançando sua cabeça enquanto o gongo soa.
Talvez seja melhor se ele já tiver partido. Ele não tinha confiança alguma de que poderia vencer. E não acabarei com a tarefa desagradável de matá-lo. Talvez seja melhor se ele tiver saído dessa de vez.
Eu desmorono próxima a minha mochila, exausta. Preciso vasculhar o que tem nela de qualquer jeito antes que a noite caia. Ver o que eu tenho para trabalhar. Enquanto desengancho as alças, consigo sentir que tem uma estrutura forte, apesar de ser de uma cor infeliz. Esse laranja praticamente brilhará no escuro. Eu faço uma nota mental para camuflá-la cedo amanhã.
Eu abro rapidamente o zíper. O que eu mais quero, bem nesse momento, é água. A diretriz do Haymitch para achar água imediatamente não era arbitrária. Eu não durarei muito sem ela. Por alguns dias, serei capaz de funcionar com os sintomas desagradáveis da desidratação, mas após isso eu deteriorarei para um desamparo e estarei morta em uma semana, no máximo.
Cuidadosamente coloco a vista os suprimentos. Um fino saco de dormir preto que reflete o calor corporal. Um pacote de bolachas. Um pacote de tiras de carne seca. Uma garrafa de iodo. Uma caixa de fósforos de madeira. Um rolo pequeno de arame. Um par de óculos de sol. E uma garrafa de plástico de dois litros com uma tampa para levar água que está totalmente seca.
Nada de água. Seria tão difícil assim para eles encherem a garrafa? Eu me torno consciente da secura na minha garganta e boca, das rachaduras nos meus lábios. Eu estivera me movendo o dia todo. Estava quente e eu tinha suado muito. Eu faço isso em casa, mas sempre houve riachos para se beber, ou neve para derreter se chegasse a esse ponto.
Enquanto eu tornava a encher minha mochila, tive um péssimo pensamento. O lago. Aquele que eu vi enquanto estava esperando pelo gongo soar. E se aquela fosse a única fonte de água na arena? Desse jeito eles garantiriam nos atrair para uma briga. O lago é uma jornada de dia todo de onde eu me sento agora, uma jornada muito mais árdua com nada para beber. E então, mesmo que o alcance, com certeza deverá estar pesadamente segura por alguns dos Carreiristas. Eu estou prestes a entrar em pânico quando me lembro do coelho que assustei hoje mais cedo. Ele tem que beber, também. Eu só tenho que achar onde.
O crepúsculo está chegando e eu estou facilmente cansada. As árvores são finas demais para oferecer muito esconderijo. A camada de folhas de pinheiro que abafa os meus passos tanto dificulta localizar animais quando eu preciso das trilhas deles para achar água. E ainda estou me dirigindo colina abaixo, cada vez mais profundamente para um vale que parece interminável.
Estou com fome, também, mas ainda não ouso assaltar meu estoque precioso de bolachas e carne. Ao invés, uso a minha faca e vou trabalhar em um pinheiro, cortando a casca de árvore e raspando um grande punhado de cortiça macia. Eu lentamente mastigo o negócio enquanto ando. Após uma semana da comida mais chique do mundo, é um pouco difícil engolir. Mas eu já comi muitos pinheiros na minha vida. Eu me ajustarei rapidamente.
Mais uma hora e fica claro que eu tenho que achar um lugar para acampar. Criaturas da noite estão saindo. Eu consigo ouvir o pio de uma coruja ou o uivo ocasional, minha primeira pista de que estarei competindo com predadores pelos coelhos. Se serei vista como uma fonte de alimento, é cedo demais para afirmar. Pode haver qualquer quantidade de animais me perseguindo nesse momento.
Mas nesse instante, eu decido tornar meus companheiros tributos uma prioridade. Tenho certeza de que muitos continuarão caçando pela noite. Aqueles que venceram na Cornucópia terão comida, uma abundância da água do lago, tochas ou lanternas, e armas que estão se coçando para usar. Eu só posso esperar que eu tenha viajado longe e rápido o bastante para estar fora de alcance.
Antes de me assentar, pego meu arame e armo duas armadilhas de movimento nos galhos cortados. Eu sei que é arriscado armar emboscadas, mas a comida acabará logo aqui. E eu não posso fazer armadilhas quando estiver fugindo. Ainda assim, ando mais cinco minutos antes de acampar.
Eu escolho a minha árvore cuidadosamente. Um salgueiro, não terrivelmente alto, mas alojado em um grupo de outros salgueiros, oferecendo esconderijo nesses galhos longos e fluidos. Eu subo, ficando com os galhos mais fortes perto do tronco, e acho uma forquilha vigorosa como minha cama. Leva algum tempo, mas eu arranjo o saco de dormir de uma maneira relativamente confortável. Coloco minha mochila no fundo do saco, então me deslizo para dentro.
Como precaução, eu removo meu cinto, enrolo-o todo ao redor do galho e do meu saco de dormir, e o recoloco na minha cintura. Agora se eu rolar no meu sono, não irei cair no chão. Eu sou pequena o bastante para enfiar o topo do saco por sobre a minha cabeça, mas coloco meu capuz também.
À medida em que a noite cai, o ar esfria rapidamente. Apesar do risco que eu corri em pegar a mochila, sei agora que foi a escolha certa. Esse saco de dormir, irradiando e preservando o meu calor corporal, será inestimável. Tenho certeza de que há diversos tributos cuja maior preocupação agora é como se manter quente, enquanto eu na verdade serei capaz de ter algumas horas de sono. Se eu apenas não estivesse com tanta sede...
A noite acaba de chegar quando eu ouço o hino que precede o recapitulamento das mortes. Através dos galhos, consigo ver o brasão da Capital, que parece estar flutuando no céu. Eu na verdade estou vendo outra tela, uma enorme que é transportada por um de seus aerobarcos ausentes. O hino dissipa-se e o céu fica escuro por um momento.
Em casa, estaríamos assistindo a cobertura total de cada uma das mortes, mas isso dá uma vantagem injusta para os tributos vivos. Por exemplo, se eu coloco minhas mãos num arco e acerto alguém, meu segredo seria revelado a todos. Não, aqui na arena, tudo que vemos são as mesmas fotografias que mostraram quando televisionaram nossas notas do treinamento. Fotos de rosto simples.
Mas agora, invés de notas, eles postam apenas números de distritos. Eu tomo um longo fôlego à medida que os rostos dos onze tributos mortos começam e marca-os um por um nos meus dedos.
A primeira a aparecer é a garota do Distrito 3. Isso quer dizer que todos os Carreiristas do 1 e do 2 sobreviveram. Nenhuma surpresa aqui. Então o garoto do 4. Eu não esperava essa, geralmente todos os Carreiristas sobrevivem ao primeiro dia. O garoto do Distrito 5... eu acho que a garota de rosto de raposa – Foxface - o matou. Ambos os tributos do 6 e do 7. O garoto do 8. Ambos do 9. Sim, ali está o garoto por quem eu briguei pela mochila. Eu conto nos meus dedos, só mais um tributo morto faltando. É o Peeta? Não, lá está a garota do Distrito 10. É isso. O brasão da Capital está de volta com um floreio musical final. Então a escuridão e os sons da floresta retornam.
Estou aliviada por Peeta estar vivo. Eu digo a mim mesma novamente que se eu for morta, a vitória dele beneficiará mais a minha mãe e a Prim. É isso o que eu digo a mim mesma para explicar as emoções conflitantes que surgem quando eu penso em Peeta.
A gratidão por ele ter me dado uma vantagem ao confessar seu amor por mim na entrevista. A raiva por sua superioridade no telhado. O temor que possamos ficar cara a cara a qualquer momento nessa arena.
Onze mortos, mas nenhum do Distrito 12. Eu tento perceber quem sobrou. Cinco Carreiristas. A Foxface. Thresh e Rue. Rue... então ela sobreviveu ao primeiro dia afinal. Eu não posso evitar me sentir feliz. Isso dá dez de nós. Os outros três eu descobrirei amanhã. Agora que está escuro, e que eu viajei muito, e eu estou aconchegada altamente nessa árvore, agora eu devo tentar descansar.
Eu não durmo realmente há dois dias, e então houve o longo dia de jornada até a arena. Lentamente, eu permito que meus músculos relaxem. Que meus olhos fechem. A última coisa que eu penso é que é sorte eu não roncar...
Snap! O som de um galho quebrando me acorda. Por quanto tempo eu dormi? Quatro horas? Cinco? A ponta do meu nariz está congelada.
Snap! Snap! O que está havendo? Esse não é o som de um galho sob o pé de alguém, mas a explosão aguda de alguém vindo de uma árvore.
Snap! Snap! Eu julgo ser há centenas de metros a minha direita. Lentamente, silenciosamente, eu me viro naquela direção. Por alguns minutos, não há nada além de escuridão e um pouco de arrastamento de pés. Então eu vejo uma faísca e um fogo pequeno começa a florescer. Um par de mãos se aquece nas chamas, mas eu não consigo distinguir mais que isso.
Tenho que morder o meu lábio para não gritar cada nome imundo que conheço para o iniciador do fogo. O que está pensando? Um fogo logo ao anoitecer teria sido uma coisa. Aqueles que batalharam na Cornucópia, com sua força superior e excedente de fornecimentos, não seria possível para eles estarem perto o bastante para avistar chamas então. Mas agora, quando eles provavelmente estiveram passando um pente fino na floresta por horas procurando as vítimas. Tanto faz se você também estivesse acenando uma bandeira e gritando, “Venha e me pegue!”
E aqui estou eu, a uma distância curta do maior idiota dos Jogos. Presa em uma árvore. Não ousando fugir, já que minha localização em geral acabou de ser anunciada para qualquer assassino que se importa. Quero dizer, eu sei que está frio aí e nem todo mundo tem um saco de dormir. Mas então você cerra seus dentes e aguenta até o amanhecer!
Eu me deito nervosa no meu saco pelas próximas horas, na verdade pensando que se eu conseguir sair dessa árvore, não terei o menor problema em dizimar meu vizinho próximo. Meu instinto tem sido de fugir, não lutar. Mas obviamente essa pessoa é um perigo. Pessoas estúpidas são perigosas. E essa provavelmente não tem muita arma, enquanto eu tenho essa faca excelente.
O céu ainda está escuro, mas eu consigo sentir os primeiros sinais do amanhecer se aproximando. Estou começando a achar que nós – quero dizer, a pessoa cuja morte estou planejando agora e eu –podemos realmente ter passado despercebidos.
Então eu ouço. Diversos pares de pés correndo. O iniciador do fogo deve ter cochilado. Eles estão em cima dela antes que ela possa escapar. Eu sei que é uma garota agora, consigo afirmar pela súplica, pelo grito agonizante que se segue. Então há uma risada e parabenizações de diversas vozes. Alguém grita, “Doze já foram, faltam onze!” o que consegue uma rodada de assovios de apreciação.
Então eles estão lutando em bando. Não estou realmente surpresa. Regularmente, alianças são formadas nos estágios primários dos Jogos. Os fortes se juntam para caçar os fracos, então, quando a tensão começa a se tornar grande demais, começam a se virar uns contra os outros. Eu não tenho que pensar muito em quem formou essa aliança. Serão os Carreiristas restantes dos Distritos 1, 2 e 4. Dois garotos e três garotas. Aqueles que almoçavam juntos.
Por um momento, ouço-os checando os suprimentos da garota. Eu posso afirmar por seus comentários que eles não acharam nada de bom. Eu me pergunto se a vítima é a Rue, mas rapidamente descarto esse pensamento. Ela é brilhante demais para estar preparando uma fogueira como essa.
— É melhor nos afastarmos para que eles possam pegar o corpo antes que ele comece a feder.
Estou quase certa que esse é o garoto bruto do Distrito 2. Há murmúrios de assentimento e então, para meu horror, eu escuto o bando se dirigindo na minha direção.
Eles não sabem que eu estou aqui. Como poderiam? E eu estou bem escondida no grupo de árvores. Pelo menos enquanto o sol permanece abaixado. Então meu saco de dormir preto se transformará de camuflagem em encrenca. Se eles simplesmente continuarem se movendo, passarão por mim e terão ido embora em um minuto.
Mas os Carreiristas param na clareira a cerca de nove metros da minha árvore. Eles têm lanternas, tochas. Eu consigo ver um braço aqui, uma bota ali, através dos intervalos nos galhos. Eu viro pedra, nem mesmo ousando respirar. Eles me avistaram? Não, ainda não. Eu consigo afirmar pelas palavras deles que suas mentes estão em outro lugar.
— Não deveríamos ter ouvido já um canhão?
— Eu diria que sim. Nada para impedir que eles entrem imediatamente.
— A não ser que ela não esteja morta.
— Ela está morta. Eu mesmo a imobilizei.
— Então onde está o canhão?
— Alguém deveria voltar. Se certificar que o trabalho foi feito.
— É, não queremos ter que localizá-la duas vezes.
— Eu disse que ela está morta!
Uma discussão ocorre até que um tributo silencia os outros.
— Estamos perdendo tempo! Eu vou terminar com ela e vamos nos mover.
Eu quase caio da árvore. A voz pertence ao Peeta.

Jogos Vorazes - Capítulo 10

Por um momento, as câmeras focam nos olhos abatidos de Peeta enquanto o que ele diz afunda. Então posso ver meu rosto, a boca meio aberta numa mistura de surpresa e protesto, ampliada em todas as telas enquanto eu percebo. Eu! Ele quer dizer eu! Junto meus lábios e fito o chão, esperando que isso oculte as emoções que começam a ferver dentro de mim.
— Oh, isso é que é má sorte  diz Caesar, e há uma ponta real de dor na sua voz.
A multidão está murmurando de acordo, uns poucos dando gritinhos agonizantes.
— Não é bom  concorda Peeta.
— Bem, eu não acho que algum de nós pode te culpar. É difícil não se apaixonar por essa jovem dama  diz Ceasar. — Ela não sabia?
Peeta balança a cabeça.
— Não até agora.
Eu deixo meus olhos fitarem a tela por tempo suficiente para ver que o rubor nas minhas bochechas é claro.
— Vocês não amariam puxá-la de volta para cá e conseguir uma resposta?  Ceasar pergunta à audiência.
A multidão grita concordando.
— Tristemente, regras são regras, e o tempo de Katniss Everdeen acabou. Bem, sorte para você, Peeta Mellark, e acho que falo por toda a Panem quando eu digo que nosso coração vai com você.
O rugido da multidão é ensurdecedor. Peeta tem absolutamente apagado o resto de nós do mapa com sua declaração de amor por mim. Quando a audiência finalmente se aquieta, ele sufoca um calmo “Obrigado” e retorna à sua cadeira.
Nós ficamos de pé para o hino. Eu tenho que levantar minha cabeça por respeito obrigatório e não posso fugir de ver que todas as telas estão agora dominadas pelas imagens de Peeta e eu, separados por poucos passos que nas cabeças dos observadores não podem ser violados. Pobre de nós.
Mas eu sei melhor.
Depois do hino, os tributos voltam em fila para o salão do Centro de Treinamento e para os elevadores. Eu tenho a certeza de entrar num elevador que não tem Peeta. A multidão retarda nossas comitivas de estilistas e orientadores e acompanhantes, então nós temos apenas uns aos outros como companhia. Ninguém fala. Meu elevador para e quatro tributos descem antes de eu estar sozinha e então acho a porta abrindo no décimo segundo andar.
Peeta tinha acabado de sair do seu elevador quando eu bato minhas palmas no seu peito. Ele perde o equilíbrio e colide em um vaso feio cheio de flores falsas. O vaso se inclina e quebra-se em centenas de pequenos pedaços. Peeta cai nos cacos, e sangue imediatamente flui de suas mãos.
— O que foi isso?  ele pergunta, perplexo.
— Você não tinha nenhum direito! Nenhum direito de dizer aquelas coisas sobre mim! grito para ele.
Agora os elevadores se abrem e todo o grupo está lá, Effie, Haymitch, Cinna, e Portia.
— O que está acontecendo?  diz Effie, uma nota de histeria em sua voz. — Você caiu?
— Depois que ela me empurrou  Peeta responde enquanto Effie e Cinna o ajudam a se levantar.
Haymitch se vira para mim.
— Você o empurrou?
— Isso foi ideia sua, não foi? Tornar-me algum tipo de idiota na frente de todo o país?— replico.
— Foi ideia minha  Peeta responde, recuando enquanto ele puxa os pedaços de cerâmica de suas palmas. — Haymitch só me ajudou.
— Sim, Haymitch é muito útil. Para você! — eu digo.
— Você é uma tola  Haymitch diz com desgosto. — Acha que ele te prejudicou? Aquele garoto só deu a você algo que você nunca poderia conseguir sozinha.
— Ele me fez parecer fraca!
— Ele fez você parecer desejável! E vamos encarar, você pode usar toda a ajuda que conseguir nesse departamento. Você era tão romântica quanto lixo até ele dizer que queria você. Agora todos eles querem. Você é tudo sobre o que eles estão falando. “Os desafortunados amantes do Distrito Doze!” diz Haymitch.
— Mas nós não somos amantes desafortunados!
Haymitch agarra meus ombros e me prende contra a parede.
— Quem se importa? É tudo um grande show. É tudo como você é percebida. O máximo que eu poderia dizer sobre você depois da sua entrevista era que você estava boa o bastante, embora isso em si seja um pequeno milagre. Agora eu posso dizer que você é uma arrasa-corações. Oh, oh, oh, como os garotos de volta para casa caem saudosamente aos seus pés. O que você pensa que vai te conseguir mais patrocinadores?
O cheiro de vinho do seu hálito me deixa tonta. Empurro suas mãos dos meus ombros e me afasto, tentando limpar minha cabeça.
Cinna se aproxima e coloca seus braços ao meu redor.
— Ele está certo, Katniss.
Eu não sei o que pensar.
— Eu deveria ter sido informada, então não pareceria tão estúpida.
— Não, sua reação estava perfeita. Se você soubesse, não seria tão real — diz Portia.
— Ela só está preocupada com o namorado dela Peeta diz bruscamente, jogando fora um pedaço do vaso manchada de sangue.
Minhas bochechas queimam de novo ao pensar em Gale.
— Eu não tenho um namorado.
— Que seja  Peeta responde. — Mas eu aposto que ele é esperto o bastante para reconhecer um blefe quando o vê. Além disso, você não disse que me amava. Então o que importa?
As palavras estão penetrando. Minha raiva sumindo. Eu estou rasgada agora entre pensar que eu estava sendo usada e pensar que eu estava tendo uma vantagem. Haymitch está certo. Eu sobrevivi à entrevista, mas o que eu era realmente?
Uma garota boba girando num vestido cintilante. Dando risadinhas. O único momento substancial foi quando falei sobre Prim. Compare isso com Thresh, seu silêncio, seu poder mortal e eu sou esquecível. Boba, brilhante e esquecível. Não, não inteiramente esquecível, tenho meu onze do treino.
Mas agora Peeta fez de mim um objeto de amor. Não só dele. Ouviram-no dizer que eu tenho muitos admiradores. E se a audiência realmente pensa que nós estamos apaixonados... lembro o quão forte eles responderam a sua confissão. Amantes desafortunados. Haymitch está certo, eles engolem essas coisas na Capital. De repente me preocupo se eu não reagi direito.
— Depois de ele dizer que me amava, você achou que eu poderia estar apaixonada por ele, também?  pergunto.
— Eu achei  diz Portia. — O modo como você fugiu olhar para as câmeras, o rubor.
Os outros gritam, concordando.
— Você é ouro, querida. Vai ter patrocinadores se enfileirando ao redor do bloco  diz Haymitch.
Estou embaraçada com a minha reação. Eu me forço a admitir Peeta.
— Sinto muito por te empurrar.
— Não tem problema  ele encolhe os ombros. — Embora isso seja tecnicamente ilegal.
— Suas mãos estão bem?  pergunto.
— Elas ficarão bem  ele diz.
No silêncio que se seguiu, o cheiro delicioso do nosso jantar flutua do hall.
— Vamos lá, vamos comer  diz Haymitch.
Todos nós o seguimos para a mesa e pegamos nossos pratos. Mas então Peeta está sangrando tanto que Portia o leva para tratamento médico. Nós começamos a cremosa sopa rose-petal sem eles. Na hora que terminamos, eles chegam. As mãos de Peeta estão cobertas de ataduras. Eu não posso evitar sentir-me culpada. Amanhã nós estaremos na arena. Ele tinha feito um favor para mim e eu tinha respondido a ele com agressão. Eu nunca vou parar de dever a ele?
Depois do jantar, assistimos a gravação na sala de estar. Eu parecia enfeitada e superficial, girando e rindo no meu vestido, embora os outros me assegurassem de que eu era charmosa.
Peeta na verdade é charmoso e totalmente cativante como o garoto apaixonado. E lá estava eu, ruborizando e confusa, bonita pelas mãos de Cinna, desejável pela confissão de Peeta, trágica pelas circunstâncias, e por tudo isso, inesquecível.
Quando o hino termina e a tela fica preta, um silêncio cai no cômodo. Amanhã ao amanhecer, nós seremos despertados e preparados para a arena. Os reais Jogos não começam até as dez porque muitos dos residentes da Capital levantam tarde. Mas Peeta e eu temos que fazer um começo mais cedo. Não tem como dizer o quão longe nós viajaremos para a arena que foi preparada para os Jogos esse ano.
Sei que Haymitch e Effie não irão conosco. Tão breve eles partirem daqui, eles estarão no Posto de Comando dos Jogos, esperando loucamente inscrever nossos patrocinadores, trabalhando uma estratégia de como e quando nos mandar os presentes. Cinna e Portia viajarão conosco para o mesmo lugar onde seremos lançados na arena. Ainda as despedidas finais devem ser ditas aqui.
Effie toma nós dois pela mão e, com lágrimas de verdade em seus olhos, nos deseja sorte. Agradece-nos por sermos os melhores tributos que ela já teve o privilégio de apadrinhar. E então, porque é Effie, e ela aparentemente é obrigada por alguma lei a dizer algo terrível, ela acrescenta:
— Eu não estaria nem um pouco surpresa se eu finalmente for promovida para um distrito decente no próximo ano!
Então ela nos beija nas bochechas e sai apressada, por causa da despedida emocional ou pela possível melhora em seu destino.
Haymitch cruza os braços e olha para nós.
— Alguma palavra final como conselho?  pergunta Peeta.
— Quando o gongo soar, caiam fora de lá. Vocês nem serão vocês até o banho de sangue na Cornucópia. Só para deixar claro, ponham o máximo de distância possível entre vocês e os outros, e encontrem uma fonte de água. Entenderam?
— E depois disso?  pergunto.
— Fiquem vivos.
É o mesmo conselho que ele nos deu no trem, mas ele não está bêbado e rindo dessa vez. E nós apenas acenamos. O que há mais para dizer?
Quando vou ao meu quarto, Peeta demora-se para conversar com Portia. Estou satisfeita. Quaisquer palavras de despedidas para nós trocarmos podem esperar até amanhã.
Meus cobertores estão esticados de novo, mas não há sinal da garota Avox de cabelos vermelhos. Queria saber o nome dela. Devia ter perguntado. Ela podia escrever, talvez. Ou representá-lo. Mas talvez aquilo apenas resultaria em uma punição para ela.
Tomo banho e lavo a cor dourada, a maquiagem, o odor de beleza do meu corpo. Tudo o que resta dos esforços da equipe de preparo são as chamas nas minhas unhas. Decido mantê-las para lembrar a audiência quem eu sou. Katniss, a garota em chamas. Talvez isso me dê algo para segurar nos próximos dias.
Eu coloco uma camisola grossa de lã e subo na cama. Preciso de cinco segundos para notar que eu nunca iria dormir. E eu precisava dormir desesperadamente, porque na arena todo o momento em que eu cedesse à fadiga seria um convite à morte.
Isso não é bom. Uma hora, duas, três passam, e minhas pálpebras se recusam a ficarem pesadas.
Não posso parar de tentar imaginar exatamente em que terreno estarei amanhã. Deserto? Pântano? Uma frígida devastação? Acima de tudo eu espero por árvores, que podem me fornecer alguns meios de camuflagem, comida e abrigo. Frequentemente há arvores, porque paisagens áridas são maçantes e os Jogos se resolvem muito rápido sem elas. Mas como será o clima? Que armadilhas os Gamemakers esconderam para animar os momentos mais lentos? E ainda há meus tributos companheiros...
Quanto mais ansiosa estou para dormir, mais o sono me evita. Finalmente, eu estou inquieta demais mesmo para ficar na cama. Eu ando pelo quarto, o coração batendo muito rápido, respiração muito curta. Meu quarto parece uma cela de uma prisão. Se eu não conseguir ar logo, vou começar a atirar coisas novamente.
Corro no corredor em direção à porta do telhado. Não está trancada, mas entreaberta. Talvez alguém tenha esquecido de fechá-la, mas isso não importa. O campo de força ao redor do telhado previne qualquer forma desesperada de escapar. E eu não estou procurando escapar, apenas encher meus pulmões de ar. Quero ver o céu e a lua na última noite em que ninguém estará me caçando.
O telhado não é iluminado à noite, mas logo que meu pé descalço toca a superfície de azulejo, vejo sua silhueta, negra contra as luzes que iluminam interminavelmente a Capital.
Há muita comoção acontecendo nas ruas, música, canto e buzinas, nada que eu podia escutar através do grosso vidro dos painéis da janela no meu quarto. Eu podia escapulir agora, sem ele me notar; ele não me ouviria acima do ruído. Mas o ar da noite está tão doce que não posso suportar retornar àquela gaiola abafada do meu quarto. E que diferença isso faz? Se nós falarmos ou não?
Meus pés movem-se silenciosamente sobre os azulejos. Estou apenas a um metro dele quando digo:
— Você deveria dormir um pouco.
Ele se sobressalta, mas não se vira. Posso vê-lo balançando suavemente a cabeça.
— Não queria perder a festa. É por nós, depois de tudo.
Vou ao seu lado e me inclino contra a beira da grade. As ruas largas estão cheias de pessoas dançando. Olho de soslaio para ver suas pequenas figuras em mais detalhes.
— Eles estão em fantasias?
— Quem poderia dizer?  Peeta responde. — Como todas essas roupas malucas que eles usam aqui. Não pôde dormir, também?
— Não pude desligar a minha mente.
— Pensando na sua família?  ele pergunta.
— Não  admito um pouco culpada. — Tudo o que eu posso fazer é pensar sobre amanhã. O que é sem sentido, é claro.
Na luz que vem de baixo, posso ver sua face agora, a estranha forma que se apoia sobre as mãos enfaixadas.
— Eu realmente sinto muito quanto a suas mãos.
— Isso não importa, Katniss. Eu nunca fui um candidato nesses jogos, de qualquer forma.
— Essa não é maneira de pensar  digo.
— Por que não? É verdade. Minha melhor esperança é não dar vexame e...  Ele hesita.
— E o quê?  digo.
— Eu não sei como dizer exatamente. Apenas... eu quero morrer como eu mesmo. Isso faz algum sentido?  ele pergunta.
Eu balanço minha cabeça. Como ele poderia morrer como alguém além de si mesmo?
— Eu não quero que eles me mudem. Tornem-me algum tipo de monstro que eu não sou.
Mordo meu lábio me sentindo inferior. Enquanto eu estive ruminando sobre a disponibilidade de árvores, Peeta estava se esforçando em como manter sua identidade. Sua própria pureza.
— Você quer dizer que não matará ninguém?  pergunto.
— Não, quando a hora chegar, tenho certeza que matarei como todos. Eu não posso cair sem lutar. Só continuo desejando que eu pudesse pensar num modo de... mostrar a Capital que eles não são donos de mim. Que eu sou mais que uma peça em seus Jogos.
— Mas você não é. Nenhum de nós é. É como os Jogos funcionam.
— Ok, mas dentro desse quadro, ainda há você, ainda há eu  ele insiste. — Você não vê?
— Um pouco. Apenas... sem ofensa, mas quem se importa, Peeta?  digo.
— Eu me importo. Quero dizer, a que mais eu sou autorizado a me importar a esse ponto?  ele pergunta irritado.
Ele prende aqueles olhos azuis nos meus agora, exigindo uma resposta.
Dou um passo para trás.
— Importe-se com o que Haymitch disse. Sobre ficar vivo.
Peeta sorri para mim, triste e desdenhoso.
— Ok. Obrigado pelo toque, querida.
É como um tapa na minha cara. Ele usando o acento arrogante de Haymitch.
— Olhe, se você quer passar as últimas horas da sua vida planejando alguma morte nobre na arena, é escolha sua. Eu quero passar as minhas no Distrito Doze.
— Não me surpreenderia se você conseguisse  diz Peeta. — Dê a minha mãe o meu melhor quando você voltar, ok?
— Conte com isso  digo.
Então me viro e deixo o telhado. Passo o resto da noite entrando e saindo de um cochilo, imaginando as observações cortantes que farei a Peeta de manhã.
Peeta Mellark. Nós veremos o quão alto e poderoso ele é quando enfrentar a vida e a morte. Ele provavelmente se transformará naqueles tributos bestas enfurecidos, o tipo que tenta comer o coração de alguém depois de matá-lo.
Houve um cara assim há alguns anos do Distrito 6 chamado Titus. Ele ficou completamente selvagem e os Gamemakers tiveram que paralisá-lo com armas elétricas para juntar os corpos dos jogadores que ele tinha matado antes que ele os comesse. Não há regras na arena, mas canibalismo não fica bem com a audiência da Capital, então eles tentaram acabar com isso. Havia alguma especulação de que a avalanche que finalmente levou Titus para fora foi projetada especificamente para assegurar o vencedor não era um lunático.
Não vejo Peeta de manhã. Cinna aparece antes do amanhecer, me dá uma simples troca para vestir e me guia para o telhado. Minha roupa final e preparações estarão sozinhos nas catacumbas sob a própria arena.
Um aerobarco aparece do nada no ar, justo como aquele na floresta no dia em que eu vi a garota Avox de cabelos vermelhos capturada, e uma escada caindo. Eu posiciono minhas mãos e piso nos degraus mais baixos e instantaneamente é como se eu tivesse congelada. Algum tipo de corrente me junta à escada enquanto estou deslizando segura para dentro.
Espero a escada para me libertar então, mas ainda estou presa quando uma mulher num casaco branco se aproxima de mim carregando uma seringa.
— Esse é apenas seu localizador, Katniss. Quando mais parada você estiver, mais eficiente eu posso colocá-lo  ela diz.
Parada? Eu estou como uma estátua. Mas isso não me previne da sensação do golpe afiado de dor enquanto a agulha insere o dispositivo metálico de localização profundamente sob a pele no lado interno do meu antebraço. Agora os Gamemakers sempre serão capazes de traçar meu lugar na arena. Eles não iriam querer perder um tributo.
Tão logo o localizador está no lugar, a escada me liberta. A mulher desaparece e Cinna é trazido do telhado. Um garoto Avox vem e nos direciona ao quarto onde será o café da manhã. Apesar da tensão no meu estômago, eu como o máximo que posso, embora nenhuma das comidas deliciosas faça alguma impressão em mim. Estou tão nervosa que poderia estar comendo poeira de carvão. A única coisa que me distrai de tudo é a visão das janelas enquanto nós navegamos pela cidade e então para a imensidão além dela. Isso é o que os pássaros veem. Apenas eles são livres e salvos. O oposto de mim.
A corrida continua por meia-hora antes de janela ficar escura, sugerindo que nós estamos nos aproximando da arena.
O aerobarco aterrissa e Cinna e eu voltamos para a escada, só que dessa vez ela segue para baixo dentro de um tubo subterrâneo, dentro das catacumbas que ficam sob a arena. Nós seguimos instruções para o meu destino, uma sala para minha preparação. No Capital, eles a chamam de Sala de Abertura. Nos distritos, é referida como Curral. O lugar para onde os animais vão antes do abate.
Tudo é novo em folha, serei o primeiro e único tributo a usar essa Sala de Abertura. As arenas são sítios históricos, preservados depois dos Jogos. Destinos populares para os moradores da Capital visitarem, nas férias. Ir por um mês, re-assistir os Jogos, passear pelas catacumbas, visitar os lugares onde as mortes ocorreram. Você pode mesmo tomar parte no restabelecimento. Dizem que a comida é excelente.
Eu luto para manter meu café da manhã no estômago enquanto tomo banho e limpo os meus dentes. Cinna faz em meu cabelo a simples trança que é minha marca registrada. Então as roupas chegam, a mesma para cada tributo.
Cinna não tinha falado nada sobre meus trajes, nem sequer sabe o que estará no pacote, mas ele me ajuda a vestir minha roupa de baixo, calça marrom-amarelada simples, blusa verde-clara, cinto marrom vigoroso e um fino casaco de capuz preto que cai nas minhas coxas.
— O material dessa jaqueta é desenhado para refletir o calor do corpo. Espere algumas noites frias  ele diz.
As botas, usadas sobre meias muito justas, são melhores do que eu podia ter esperado. Couro macio diferente do de casa. Essas aqui têm uma sola de borracha estreita e flexível. Bons para corrida.
Penso que terminei quando Cinna puxa o broche de mockingjay de ouro do seu bolso. Tinha me esquecido completamente dele.
— Onde você conseguiu isso?  pergunto.
— Na roupa verde que você usou no trem  diz.
Lembro agora de tirar do vestido da minha mãe, prendendo-o na camisa.
— É sua lembrança do distrito, certo?
Aceno e ele o prega na minha camisa.
— Ele quase abriu o conselho de revisão. Alguns pensaram que o pino podia ser usado como uma arma, o que lhe dá uma vantagem injusta. Mas, finalmente, deixaram-no diz Cinna. — Eles eliminaram o anel daquela garota do Distrito Um, entretanto. Se você torcer a joia, um prego pula para fora. Envenenado. Ela disse que não tinha conhecimento do anel transformado e não tinham como provar que ela soubesse. Mas ela perdeu sua lembrança. Aqui, você está pronta. Dê um giro. Tenha certeza que tudo está confortável.
Eu ando, corro em um círculo, balanço meus braços.
— Sim, está ótimo. Perfeito.
— Então não há nada a fazer a não ser esperar pela chamada. A não ser que você ache que possa comer mais?
Eu recuso a comida, mas aceito um copo de água que tomo aos golinhos enquanto esperamos no sofá. Eu não quero roer minhas unhas ou morder meus lábios, então me encontro mordendo a parte de dentro da minha bochecha. Ela ainda não está totalmente curada de alguns dias atrás. Logo o gosto de sangue enche a minha boca.
Nervosismo ecoa em terror enquanto eu antecipo o que está por vir. Eu podia estar morta, morta sem rodeios, em uma hora. Menos até. Meus dedos obsessivamente rastreiam a protuberância um pouco dura no meu antebraço, onde a mulher tinha injetado o dispositivo de rastreamento. Eu pressiono, embora doa, pressiono tão forte que um pequeno inchaço começa a se formar.
— Você quer conversar, Katniss?  Cinna pergunta.
Balanço a minha cabeça, mas depois de um momento estendo minha mão a ele. Cinna segura com as duas mãos. E é assim como nós sentamos até uma agradável voz feminina anunciar que é a hora da abertura.
Ainda apertando uma das mãos de Cinna, eu ando mais e fico em cima de uma placa circular de metal.
— Lembre-se do que Haymitch falou. Corra, encontre água. O resto virá depois.
Eu aceno.
— E lembre-se disso. Eu não estou autorizado a apostar, mas se eu pudesse, meu dinheiro estaria em você.
— Verdade?  sussurro.
— Verdade  diz Cinna. Ele se inclina e me beija na testa. — Boa sorte, garota em chamas.
E então um cilindro de vidro está descendo ao meu redor, quebrando nosso aperto de mão, cortando-o de mim. Ele coloca seus dedos sob seu queixo. Cabeça erguida.
Eu levanto meu queixo e fico tão reta quanto posso. O cilindro começa a levantar. Por talvez quinze segundos, eu estou na escuridão, e então eu posso sentir a placa metálica me empurrando para fora do cilindro, para o ar aberto. Por um momento, meus olhos estão ofuscados pela brilhante luz do sol e eu estou consciente apenas do vento forte com o cheiro esperançoso de pinheiros.
Então escuto o lendário locutor, Claudius Templesmith, enquanto sua voz ruge ao meu redor.
— Damas e cavalheiros, deixem o septuagésimo quarto Jogos Vorazes começarem!