segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Trono de Fogo - Carter

Capítulo 5 - A prendo a realmente odiar besouros

MUITO OBRIGADO, SADIE. Me passa o microfone quando você chega a uma parte boa.
Sim, Sadie fez um passeio de aniversário em Londres. O mundo estava acabando em quatro dias, nós tínhamos uma busca para terminar e ela sai para festejar com seus amigos. Realmente tinha suas prioridades no lugar certo, hein? Não que eu fique amargurado, nem nada.
Pelo lado positivo, a Casa do Brooklyn estava bem quieta quando ela saiu, pelo menos até a cobra de três cabeças aparecer. Mas primeiro eu deveria contar a vocês sobre a minha visão. Sadie pensava que eu estava escondendo alguma coisa dela no café da manhã, certo? Bem, era verdade.
Honestamente, o que eu vi durante a noite me assustou tanto que eu não queria falar sobre isso, especialmente em seu aniversário. Eu tinha experimentado algumas coisas bizarras desde que comecei a aprender magia, mas aquilo ganharia o Prêmio Nobel de Esquisitice.
Depois do nosso passeio pelo Museu do Brooklyn, tive uma hora difícil para dormir. Quando eu finalmente consegui, acordei em um corpo diferente. Não era uma viagem com a alma ou um sonho. Eu era Hórus, o Vingador.
Eu já tinha compartilhado um corpo com Hórus antes. Ele esteve na minha cabeça por quase uma semana no Natal, sussurrando sugestões e de modo geral, sendo irritante. Durante a luta na Pirâmide Vermelha, até experimentei uma mistura perfeita de seus pensamentos e os meus. Eu virei o que os egípcios chamam de Olho do deus – todo o seu poder a meu comando, nossas memórias se misturando juntas, humano e deus trabalhando como um. Mas eu ainda estava em meu próprio corpo.
Dessa vez, as coisas se inverteram. Eu era um hóspede no corpo de Hórus, de pé na proa de um barco em um rio mágico que atravessava o Duat. Minha visão era tão perspicaz quanto à de um falcão. Através do nevoeiro, eu conseguia ver formas se mexendo na água – costas escamosas de répteis e barbatanas monstruosas. Vi fantasmas dos mortos flutuando ao longo de cada margem.
Muito acima, o teto da caverna brilhava em um tom de vermelho, como se nós estivéssemos navegando na garganta de um animal vivo. Meus braços eram de bronze e musculosos, circulados com bandas de ouro de lápis-lazúli. Eu estava vestido para batalha em armadura de couro, uma lança em uma mão e um khopesh na outra. Eu me sentia forte e poderoso como... Bem, um deus.
Olá, Carter, disse Hórus, que parecia falar sozinho.
― Hórus, o que foi?
Eu não disse que estava irritado pela intromissão no meu sono. Não precisei. Eu estava compartilhando sua mente.
Eu respondi suas perguntas, Hórus falou. Eu te disse onde encontrar o primeiro rolo. Agora você precisa fazer uma coisa para mim. Tem uma coisa que eu gostaria de te mostrar.
O barco cambaleou para frente. Eu agarrei o corrimão da plataforma do navegador. Olhando para trás, poderia ver que o barco foi de um faraó, cerca de vinte metros de comprimento e formato de uma canoa grande. No meio, um pavilhão esfarrapado coberto por um estrado vazio onde uma vez talvez houvesse um trono. Um único mastro detinha uma vela retangular que uma vez tinha sido decorada, mas agora estava desbotada e pendurada em pedaços.
À bombordo e à estibordo, conjuntos de remos quebrados pendiam inutilmente. O barco deveria estar abandonado por séculos. O cordame estava coberto de teias de aranha. As linhas estavam podres. As tábuas do casco gemiam e rangiam conforme o barco pegava velocidade.
Isso é velho, como Rá, Hórus disse. Você quer mesmo colocar o barco novamente em serviço? Deixe-me mostrar a ameaça que enfrentam.
O leme virou o curso. De repente, nós estávamos correndo rio abaixo. Eu já havia navegado no Rio da Noite antes, mas dessa vez nós parecíamos estar indo muito mais profundamente no Duat. O ar estava mais frio, as corredeiras mais rápidas. Pulamos uma catarata e fomos transportados pelo ar. Quando descemos de novo, monstros começaram a atacar. Rostos horríveis se levantaram – um dragão marinho com olhos felinos, um crocodilo com pelos espinhosos, uma serpente com a cabeça de um homem mumificado.
Cada vez que um se erguia, eu levantava minha espada e cortava, ou espetava-os com minha lança para deixá-los longe do barco. Mas eles continuavam vindo, mudando de formas, e eu sabia que se eu não fosse Hórus, o Vingador – se eu fosse apenas Carter Kane tentando lidar com esse horrores – eu iria enlouquecer, ou morrer, ou os dois.
Toda noite, essa era a jornada, Hórus disse. Não era Rá que se defendia das criaturas do Caos. Nós, outros deuses, que o deixavam a salvo. Nós detivemos Apófis e seus lacaios.
Nós despencamos sobre outra queda d‘água e aterrissamos de frente com um redemoinho. De alguma forma, conseguimos não virar. O barco saiu da correnteza e flutuou em direção a margem. O rio ali era um campo de pedras pretas brilhantes – ou assim eu pensei. Quando nos aproximamos, eu percebi que eram cascos de besouro – milhões e milhões de carapaças secas de besouro, estendidas pela escuridão pelo tanto que eu podia ver.
Alguns escaravelhos vivos se mexiam lentamente entre as carapaças vazias, então parecia que toda a paisagem estava rastejando. Eu nem mesmo vou tentar descrever o cheiro de vários milhões de escaravelhos mortos.
A prisão da serpente, Hórus disse.
Procurei na escuridão por uma cela, correntes ou fosso. Tudo que vi foi um mar sem fim de escaravelhos mortos.
― Onde? ― eu perguntei.
Eu estou te mostrando esse lugar de um jeito que você possa entender, Hórus disse. Se você estivesse aqui em pessoa, se reduziria a cinzas. Se visse esse lugar como ele realmente é, seus sentidos mortais limitados derreteriam.
― Ótimo ― murmurei. ― Eu simplesmente adoro ter meus sentidos derretidos.
O barco raspou contra a margem, agitando alguns escaravelhos vivos. A praia inteira parecia sofrer e se contorcer.
Uma vez, todos esses escaravelhos estavam vivos, Hórus disse, o símbolo do renascimento diário de Rá, retendo o inimigo. Agora só restam alguns. A Serpente lentamente devora seu caminho para fora da cela.
― Espera ― eu disse. ― Você quer dizer...
Na minha frente, a costa se expandiu enquanto algo era empurrado para cima – uma forma imensa se esforçando para se libertar. Agarrei minha espada e minha lança; mas mesmo com toda a força e coragem de Hórus, eu estava tremendo.
A luz vermelha brilhava sobre os cascos dos escaravelhos. Eles estalavam e se deslocavam enquanto a coisa debaixo subia para a superfície. Através da fina camada de besouros mortos, um círculo vermelho de três metros de largura olhou para mim – um olho de serpente, cheio de ódio e fome. Mesmo na minha forma divina, eu senti o poder do Caos derramando sobre mim como radiação letal, me cozinhando por dentro, alimentando-se da minha alma – e acreditei no que Hórus tinha dito. Se eu estivesse neste lugar em carne e osso, eu seria reduzido a cinzas.
― Está se libertando. ― Minha garganta começou a se fechar com pânico. ― Hórus, ele está saindo.
Sim, ele disse. Em breve...
Hórus guiou meu braço. Eu levantei minha lança e a enfiei dentro do olho da Serpente. Apófis uivou com raiva. O rio tremeu. Então Apófis afundou sob os cascos de escaravelhos mortos, e a luz vermelha desvaneceu.
Mas não hoje, Hórus disse. No equinócio, os laços vão enfraquecer o suficiente para a Serpente finalmente se libertar. Seja meu avatar novamente, Carter. Ajude-me a liderar os deuses na batalha. Juntos, nós podemos ser capazes de parar a ascensão de Apófis. Mas se você despertar Rá e ele voltar ao trono, terá ele forças para governar? Esse barco está bom o suficiente para navegar no Duat novamente?
― Por que você me ajudou a encontrar o pergaminho, então? ― perguntei. ― Se você não quer Rá acordado?
A escolha deve ser sua, Hórus disse. Acredito em você, Carter Kane. Independente do que decidir, eu vou te ajudar. Mas muitos dos outros deuses não sentem o mesmo. Eles acham que nossas chances podem ser melhores comigo como seu rei e general, liderando-os na batalha contra a Serpente. Eles veem seu plano de acordar Rá como tolo e perigoso. É tudo o que posso fazer para evitar uma rebelião. Eu posso não ser capaz de impedir que te ataquem e tentem te impedir.
― Justo o que precisamos. De mais inimigos.
Não tem que ser assim, Hórus disse. Agora você viu o inimigo. Quem você acha que tem chances melhores de enfrentar o Senhor do Caos, Rá ou Hórus?
O barco se afastou da costa escura. Hórus libertou meu ba, e minha consciência flutuou de volta ao mundo mortal como um balão de hélio. No resto da noite, eu sonhei com uma paisagem de escaravelhos mortos, e um olho vermelho brilhante das profundezas de uma prisão enfraquecida.
Se agi um pouco abalado na manhã seguinte, agora você sabe por quê. Eu perdi muito tempo me perguntando por que Hórus tinha me mostrado aquela visão. A resposta era óbvia: Hórus agora era rei dos deuses. Ele não queria que Rá voltasse para desafiar sua autoridade. Os deuses tendem a ser egoístas. Mesmo quando são cooperativos, sempre têm seus próprios motivos. É por isso que você precisa ser cuidadoso ao acreditar neles.
Por outro lado, Hórus tinha um ponto. Rá tinha cinco mil anos de idade. Ninguém sabia que tipo de forma ele tinha agora. Mesmo se nós conseguíssemos acordá-lo, não havia garantia de que ele seria de ajuda. Se ele parecesse tão ruim quanto seu barco, eu não vejo como Rá poderia derrotar Apófis.
Hórus tinha me perguntado quem tinha a melhor chance de enfrentar o Lorde do Caos. A estranha verdade: quando eu procurei no meu coração, a resposta era nenhum de nós. Nem os deuses. Nem os magos. Nem mesmo todos nós trabalhando juntos.
Hórus queria ser o rei e liderar os deuses na batalha, mas seu inimigo era mais poderoso que tudo o que ele tinha enfrentado. Apófis era tão antigo quanto o universo, e ele só temia um inimigo: Rá. Trazer Rá de volta poderia não funcionar, mas meus instintos me disseram que era nossa única chance. E francamente, o fato de que todo mundo ficava me dizendo que era uma má ideia – Bastet, Hórus, até Sadie – me fazia ter mais certeza que era a coisa certa a fazer. Eu sou teimoso desse jeito.
A escolha certa dificilmente é a escolha fácil, meu pai me dizia. Papai desafiou toda a Casa da Vida. Ele tinha sacrificado sua própria vida para libertar os deuses porque tinha certeza que era o único jeito de salvar o mundo. Agora era a minha vez de fazer a escolha difícil.
O rápido café da manhã e minha discussão com Sadie. Depois de ela pular pelo portal, eu fiquei na casa sem nenhuma companhia, mas com meu novo amigo, o grifo psicótico. Ele gritava tanto FREEEEK! que eu decidi chamá-lo de Freak; além do mais, se encaixava com sua personalidade.
Eu esperava que ele desaparecesse durante a noite – voar para longe ou voltar para o Duat – mas ele parecia feliz em sua nova pousada. Eu tinha juntado uma pilha de jornais da manhã, todos eles com manchetes sobre a erupção bizarra de gás no esgoto que tinha varrido todo o Brooklyn na noite anterior. De acordo com os relatórios, o gás tinha acendido fogos fantasmas por todo o bairro, causando danos extensos ao museu, e deixando algumas pessoas com náusea, tonturas, e até alucinações de rinocerontes do tamanho de beija-flores.
Gás de esgoto idiota. Eu estava jogando para Freak mais perus torrados (caramba, ele tinha um apetite) quando Bastet apareceu perto de mim.
― Normalmente, eu apreciaria pássaros ― ela disse. ― Mas essa coisa é perturbadora.
FREEEEK!, respondeu Freak.
Ele e Bastet se consideravam como se estivessem imaginando que sabor o outro teria no almoço. Bastet fungou.
― Você não vai ficar com ele, não é?
― Bem, ele não está amarrado ou coisa parecida ― respondi. ― Ele poderia partir se quisesse. Acho que ele gosta daqui.
―Magnífico ― Bastet murmurou. ― Só mais uma coisa que pode matá-lo enquanto eu estiver fora.
Pessoalmente, eu pensava que Freak e eu estávamos nos dando bem, mas percebi que nada que eu dissesse iria tranquilizar Bastet. Ela estava vestida para viagem. Sobre sua roupa de pele de leopardo usual, ela usava um casaco preto comprido bordado com hieróglifos de proteção. Quando ela se mexeu, o tecido brilhou, fazendo-a desaparecer de vista.
― Tenha cuidado ― eu disse a ela.
Ela sorriu.
― Eu sou uma gata, Carter. Posso cuidar de mim mesma. Estou mais preocupada com você e Sadie enquanto eu estiver fora. Se sua visão estiver correta e a prisão de Apófis estiver se quebrando... Bem, eu vou voltar assim que puder.
Não tinha muito que eu pudesse dizer. Se minha visão estivesse correta, nós todos estávamos em apuros.
― Posso estar fora de contato por uns dois dias ― ela continuou. ― Meu amigo vai chegar aqui antes de você e Sadie partirem em sua missão amanhã. Ele vai fazer com que os dois fiquem vivos.
― Você não pode pelo menos me dizer o nome dele?
Bastet me deu um olhar divertido, ou nervoso – possivelmente os dois.
― Ele é um pouco difícil de explicar. Acho melhor deixá-lo se apresentar.
Com isso, Bastet me beijou na testa.
― Se cuide, meu filhote.
Eu estava muito aturdido para responder. Eu pensava em Bastet como protetora de Sadie. Eu era só um tipo de acréscimo. Mas sua voz tinha tanto carinho que provavelmente corei. Ela correu para a beira do telhado e pulou.
Eu não estava preocupado com ela. Tinha certeza absoluta de que ela cairia com os pés no chão. Eu queria continuar as coisas o mais normalmente possível para os recrutas, então eu liderei minha aula de manhã como sempre. A chamei de Resolvendo Problemas Mágicos 1. Os recrutas chamaram-na de Qualquer Coisa Que Funcione Serve.
Eu dei aos recrutas um problema. Eles poderiam resolver do jeito que quisessem. Assim que conseguissem, poderiam ir. Acho que não era muito como uma escola de verdade, onde você tem que ficar até o fim do dia mesmo se você só estiver fazendo um trabalho inútil, mas eu nunca estive em uma escola de verdade. Todos aqueles anos de educação escolar em casa com meu pai, aprendi com meu próprio ritmo. Quando eu terminasse meus trabalhos para a satisfação de meu pai, o dia escolar acabava.
Esse sistema funcionava para mim, e os recrutas pareciam gostar, também. Eu pensei também que Zia Rashid aprovaria. Na primeira vez que Sadie e eu treinamos com Zia, ela nos disse que o mago não poderia aprender em salas de aula e livros. Você tinha que aprender na prática. Então de Resolvendo Problemas Mágicos 1, nos dirigimos para a sala de treinamento e explodimos coisas.
Hoje eu tinha quatro estudantes. O resto dos recrutas estaria fora procurando seus próprios caminhos de mágica, praticando encantamentos ou fazendo trabalhos escolares regulares sob a supervisão de nossos iniciados de mais idade.
Como nossa principal acompanhante adulta enquanto Amós estava fora, Bastet tinha insistido em ensinar também as matérias normais como matemática e leitura, apesar de ela às vezes acrescentar suas próprias disciplinas seletivas, como Higiene Avançada de Gato ou Cochilo. Havia uma fila de espera para Cochilo.
Bom, a sala de treinamento toma a maior parte do segundo piso. Era aproximadamente do tamanho de uma quadra de basquete, que é para o que a usamos também à noite. Havia um piso de madeira, estátuas de deuses alinhadas nas paredes, e um teto abobadado com figuras do Egito Antigo andando de lado, como sempre eram desenhados.
Na base das paredes, prendemos estátuas de cabeça de falcão de Rá perpendiculares no piso, dez pés acima, e abrimos suas coroas de disco solar de um modo que pudéssemos usá-las como cestas de basquete. Provavelmente era blasfêmia – mas ei, se Rá não tem senso de humor, era problema dele.
Walt estava esperando por mim, junto de Julian, Felix e Alyssa. Jaz também aparecia naquelas sessões, mas é claro que Jaz ainda estava em coma... e era um problema que nenhum de nós sabia como resolver. Eu tentei usar minha cara de professor confiante.
― Certo, pessoal, Hoje nós vamos tentar algumas simulações de combate. Vamos começar pelo mais simples.
Eu puxei quatro estatuetas shabti de minha bolsa e coloquei-as em diferentes cantos da sala. Coloquei um recruta em frente de cada uma. Então falei uma palavra de comando. As quatro estatuetas cresceram completamente do tamanho de guerreiros egípcios com espadas e escudos. Eles não eram super-realistas. Sua pele parecia ser de cerâmica vidrada, e eles se moviam mais lentamente que homens reais, porém eram bons o suficiente para iniciantes.
― Felix? ― chamei. ― Sem pinguins.
― Ah, qual é!
Felix acreditava que a resposta para todos os problemas envolviam pinguins; mas não era justo para os pássaros, e eu estava ficando cansado de teletransportá-los de volta para casa. Em algum lugar da Antártica, um bando de pinguins de Magalhães estava fazendo tratamento psicológico.
― Comecem! ― eu gritei, e os shabti atacaram.
Julian, um aluno da sétima série que já tinha se decidido pelo caminho de Hórus, foi direto para a batalha. Ele não tinha dominado completamente a invocação de um avatar de combate, mas ele revestiu seus punhos em energia dourada como uma bola de demolição e socou o shabti. A estatueta voou para a parede, partindo em pedaços. Um a menos.
Alyssa estava estudando sobre o caminho de Geb, o deus da terra. Ninguém na Casa do Brooklyn era um expert em magia terrestre, mas Alyssa raramente precisava de ajuda. Ela tinha crescido em uma família de artesãos na Carolina do Norte, e esteve trabalhando com argila desde que era uma menina. Ela se esquivou do balanço desajeitado do shabti e o tocou nas costas. Um hieróglifo brilhou contra sua armadura de barro:



Nada pareceu acontecer com o guerreiro, mas quando ele tornou a atacar, Alyssa só ficou ali. Eu estava prestes a gritar para ela, mas o shabti a esqueceu completamente. A lâmina atingiu o chão, e o guerreiro tropeçou. Ele atacou novamente, balançando meia dúzia de vezes, mas sua lâmina nunca atingia Alyssa. Finalmente o guerreiro ficou confuso e cambaleou para o canto da sala, onde bateu sua cabeça conta a parede e estremeceu até parar.

Alyssa sorriu para mim.
― Sa-per ― ela explicou. ― Hieróglifo de Esquecimento.
― Muito bom ― eu disse.
Enquanto isso, Felix achou uma solução sem pinguim. Eu não tinha ideia de qual tipo de mágica ele poderia finalmente se especializar, mas hoje ele foi simples e violento. Ele pegou uma bola de basquete do banco, esperou o shabti dar um passo, então tacou a bola em sua cabeça. Seu timing foi perfeito. O shabti perdeu seu equilíbrio e caiu, sua espada se quebrando. Felix caminhou e pisoteou o shabti até ele quebrar em pedaços. Ele olhou para mim com satisfação.
― Você não me disse que tinha que usar magia.
― Justo.
Fiz uma nota mental de nunca jogar basquete com Felix.
Walt era o mais interessante de assistir. Ele era um sau, um criador de encantamentos, então ele tendia lutar com qualquer item mágico que tinha em mãos. Eu nunca sabia o que ele ia fazer. Quanto ao seu caminho, Walt não decidiu qual magia deveria estudar. Ele era um bom pesquisador, como Tot, deus da sabedoria. Podia usar pergaminhos e poções quase tão bem quanto Sadie, então talvez escolhesse o caminho de Ísis. Ele poderia escolher até o caminho de Osíris, porque Walt era natural em trazer coisas inanimadas à vida.
Hoje ele estava tomando seu tempo, manejando seus amuletos e considerando suas opções. Enquanto o shabti se aproximava, Walt recuava. Se Walt tivesse uma fraqueza, era sua cautela. Ele gostava de pensar muito antes de agir. Em outras palavras, ele era exatamente o oposto de Sadie.
[Não me dê um murro, Sadie. É verdade!]
― Vamos lá, Walt ― Julian chamou. ― Mate-o agora.
― Você consegue ― Alyssa disse.
Walt alcançou um de seus anéis. Então ele deu um passo para trás e tropeçou nos restos do shabti quebrado de Felix. Eu gritei:
― Cuidado!
Mas Walt escorregou e caiu duro. Seu oponente shabti correu, brandindo sua espada. Eu corri para ajudar, mas estava muito longe. A mão de Walt já estava levantada instintivamente para bloquear o golpe. A lâmina de cerâmica encantada era tão afiada quanto um metal de verdade. Machucaria Walt razoavelmente, mas ele a agarrou, e oshabti congelou. Debaixo dos dedos de Walt, a lâmina ficou cinza e cheia de rachaduras. O “cinza” se espalhou como o gelo por todo o guerreiro, e o shabti se desintegrou em uma pilha de poeira. Walt parecia aturdido. Ele abriu a sua mão, que estava perfeitamente bem.
― Isso foi legal! ― Felix disse. ― Que amuleto foi esse?
Walt me deu um olhar nervoso, e eu sabia a resposta. Não foi um amuleto. Walt não tinha ideia de como fez aquilo. Aquilo tinha sido agitação demais para um dia. Sério. Mas a bizarrice só estava começando. Antes que qualquer um de nós pudesse dizer alguma coisa, o chão sacudiu.
Pensei que talvez a magia de Walt estivesse se espalhando pelo prédio, o que não era nada bom. Ou talvez alguém embaixo de nós estivesse experimentando explodir maldições burras novamente.
Alyssa ganiu.
― Pessoal...
Ela apontou para a estátua de Rá sobressaindo da parede, dez pés acima de nós. Nossa cesta de basquete divina estava desmoronando. Primeiro eu não tinha certeza do que estava vendo. A estátua de Rá não estava virando pó como um shabti. Estava se rompendo, caindo no chão aos pedaços. Então meu estômago se apertou. As peças não eram de pedra. A estátua estava virando cascas de escaravelhos.
A última estátua desmoronou, e a pilha de escaravelho começou a se mexer. Três cabeças de serpente levantaram-se do meio. Eu não ligo de te falar: entrei em pânico. Pensei na minha visão de Apófis virando realidade bem ali. Eu tropecei para trás, corri para Alyssa. A única razão para eu não fugir do quarto era porque os quatro recrutas estavam me olhando procurando segurança.
Não pode ser Apófis, eu disse para mim mesmo.
As cobras emergiram, e eu percebi que não eram três animais diferentes. Era uma cobra maciça com três cabeças. Ainda mais estranho, ela tinha um par de asas de falcão. O tronco da coisa era tão grosso quanto a minha perna. Era tão alta quanto eu, mas não era grande o suficiente para ser Apófis. Seus olhos não estavam brilhando com um tom de vermelho. Eles eram olhos verdes arrepiantes normais de cobra. Mesmo assim... com todas as três cabeças olhando para mim, eu não posso dizer que relaxei.
― Carter? ― Felix perguntou desconfortavelmente. ― Isso é parte da lição?
A serpente sibilou em uma harmonia de três. Sua voz parecia falar dentro da minha cabeça – e soava exatamente como o bau no Museu do Brooklyn.
Seu último aviso, Carter Kane, ela disse. Me dê o pergaminho.
Meu coração pulou uma batida. O pergaminho – Sadie tinha dado para mim depois do café da manhã. Idiota. Eu podia ter trancado o pergaminho, colocado em um de nossos cubículos seguros na livraria; mas ainda estava na bolsa no meu ombro.
O que você é? Eu perguntei para a cobra.
― Carter ― Julian sacou a espada. ―Não vamos atacar?
Meus recrutas não tinham indício de que tinham escutado a cobra ou eu falando. Alyssa levantou suas mãos como se estivesse pronta para pegar uma bola de queimada. Walt se posicionou entre a cobra e Felix, e Felix se inclinou para o lado para ver por ele.
Dê para mim.
A serpente se curvou para atacar, esmagando escaravelhos mortos debaixo de seu corpo. Suas asas ficaram tão largas, que elas poderiam ter envolvido a todos nós.
Abandone sua missão, ou eu vou destruir a garota que você procura, assim como eu destruí sua vila.
Eu tentei puxar minha espada, mas meus braços não se mexiam. Senti-me paralisado, como se esses três conjuntos de olhos tivessem me colocado em transe. Sua vila, eu pensei. A vila de Zia. Cobras não podiam rir, mas o silvo da coisa soou como uma risada.
Você vai fazer uma escolha, Carter Kane, a garota ou o deus. Abandone sua missão tola, ou em breve você vai ser só outra casca seca como os escaravelhos de Rá.
Minha raiva me salvou. Sacudi a paralisia e gritei: “Matem-no!” Assim que a serpente abriu suas bocas explodindo três colunas de chamas. Levantei um escudo verde de magia para desviar o fogo. Julian lançou sua espada como um machado. Alyssa gesticulou com sua mão e três estátuas de pedra saltaram de seus pedestais, voando para a serpente. Walt disparou um parafuso de luz cinzenta de sua varinha. E Felix tirou seu sapato esquerdo e arremessou no monstro. Nesse momento, era ruim ser uma serpente.
A espada de Julian cortou uma de suas cabeças. O sapato de Felix ricocheteou na outra. A explosão da varinha de Walt transformou a outra em poeira. Então as estátuas de Alyssa bateram nele, esmagando o monstro debaixo de uma tonelada de pedra. O que restou do corpo da serpente se dissolveu em areia. O quarto ficou quieto de repente.
Meus quatro recrutas olharam para mim. Eu abaixei e peguei uma das carapaças de escaravelhos.
― Carter, isso era parte da lição, certo? ― Felix perguntou. ― Me diga que era parte da lição.
Eu pensei na voz da serpente – a mesma voz do bau no Museu do Brooklyn. Percebi porque parecia tão familiar. Eu tinha ouvido durante a batalha na Pirâmide Vermelha.
― Carter? ― Felix parecia prestes a chorar.
Ele era um desordeiro, às vezes eu esquecia que ele só tinha nove anos de idade.
― Sim, só um teste ― menti. Eu olhei para Walt, e nós fizemos um acordo silencioso.
Precisamos falar sobre isso mais tarde. Mas primeiro, tinha alguém para interrogar.
― Classe dispensada.
Eu corri para encontrar Amós.

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