quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Sombra da Serpente - Carter

Capítulo 4 - Consulto o pombo da guerra

Eu estava apaixonado por um bebedouro para pássaros.
A maioria dos caras verifica mensagens em seu telefone, ou fica obcecado com o que as meninas estão dizendo sobre eles online. Eu não podia ficar longe da bacia de vidência.
Era apenas um disco de bronze sobre um pedestal de pedra, aninhado na varanda do meu quarto. Mas sempre que eu estava no meu quarto, eu me pegava olhando para isso, resistindo ao impulso de correr para fora e verificar se há um vislumbre de Zia.
O estranho era que eu não conseguia nem chamá-la de minha namorada.
Do que você chama alguém quando você se apaixona por sua réplica shabti, então resgata a pessoa real, apenas para descobrir que ela não compartilha seus sentimentos? E Sadie acha que os relacionamentos dela são complicados.
Nos últimos seis meses, já que Zia tinha ido ajudar o meu tio no Primeiro Nomo, a bacia tinha sido o nosso único contato. Eu tinha passado tantas horas olhando para ela, falando com Zia, que mal conseguia me lembrar de como ela parecia sem as ondulações do óleo encantado em seu rosto.
No momento em que cheguei à varanda, eu estava sem ar. Na superfície do óleo, Zia olhava para mim. Seus braços estavam cruzados, os olhos com tanta raiva que pareciam que eles podiam pegar fogo. (A primeira bacia de vidência que Walt tinha feito realmente pegou fogo, mas isso é outra história.)
— Carter — ela disse — eu vou te estrangular.
Ela fica linda quando ameaça me matar. Durante o verão, ela deixou o cabelo crescer, de modo que varria os ombros em uma onda preto brilhante. Ela não era a shabti por quem eu tinha me apaixonado, mas seu rosto ainda tinha um nariz esculpido de beleza delicada, lábios cheios vermelhos, olhos cor de âmbar deslumbrantes. Sua pele brilhava como terracota aquecida do forno.
— Você ouviu falar sobre Dallas — imaginei. — Zia, me desculpe.
— Carter, todos já ouviram falar sobre Dallas. Outros Nomos têm enviado mensageirosba para Amós na última hora, exigindo respostas. Magos de tão longe quanto Cuba sentiram ondulações no Duat. Alguns alegaram que vocês explodiram metade do Texas. Alguns disseram que todo o Quinquagésimo Primeiro Nomo foi destruído. Alguns disseram... alguns disseram que você estava morto.
A preocupação na voz dela elevou um pouco o meu espírito, mas também me fez me sentir culpado.
— Eu queria ter te avisado antes — respondi. — Mas na hora que percebemos que o alvo de Apófis era Dallas, tivemos que nos mover imediatamente.
Eu disse a ela o que tinha acontecido na exposição do Rei Tut, incluindo nossos erros e acidentes.
Tentei ler a expressão de Zia. Mesmo depois de tantos meses, era difícil adivinhar o que ela estava pensando. Bastava ver a sua tendência em dar um curto-circuito no meu cérebro. Metade do tempo eu mal conseguia me lembrar de como falar em sentenças completas. Finalmente, ela murmurou algo em árabe, provavelmente uma maldição.
— Estou feliz que você sobreviveu, mas o Quinquagésimo Primeiro Nomo destruído...? — Ela balançou a cabeça em descrença. — Eu conhecia Anne Grissom. Ela me ensinou magia de cura quando eu era mais nova.
Lembrei-me da senhora loira que havia tocado com a banda e o violino em ruínas à beira da explosão.
— Eles eram pessoas boas — disse.
— Alguns dos nossos últimos aliados — afirmou Zia. — Os rebeldes já estão te culpando pelas mortes. Se mais algum nomo desertar, Amós...
Ela não precisava terminar esse pensamento. Na primavera passada, os piores vilões da Casa da Vida haviam formado um esquadrão de ataque para destruir a Casa do Brooklyn. Nós os derrotamos. Amós tinha ainda assim dado a eles a anistia quando se tornou o novo Sacerdote-leitor Chefe. Mas alguns se recusaram a segui-lo. Os rebeldes ainda estavam lá fora, juntando forças, voltando outros magos contra nós. Como se precisássemos de mais inimigos.
— Eles estão me culpando? — perguntei. — Eles entraram em contato com você?
— Pior. Eles transmitiram uma mensagem para você.
O óleo ondulava. Eu vi um rosto diferente, Sarah Jacobi, líder dos rebeldes. Ela tinha a pele leitosa, cabelos pretos espetados e escuros, olhos assustados permanentemente alinhados com kohl demais. Em suas puras vestes brancas, ela parecia um vampiro de Halloween.
Ela estava em uma sala cheia de colunas de mármore. Atrás dela, parecendo com raiva, estava meia dúzia de magos, assassinos de elite. Reconheci as vestes azuis e a cabeça raspada de Kwai, que tinha sido exilado do Nomo da Coreia do Norte por assassinar um companheiro. Próximo a ele, estava Petrovich, um ucraniano com uma cicatriz no rosto que já tinha trabalhado como assassino para o nosso velho inimigo Vlad Menshikov.
Os outros eu não consegui identificar, mas eu duvidava que qualquer um deles fosse tão ruim quanto Sarah Jacobi. Quando Menshikov a tinha liberado, ela tinha sido exilada na Antártida por causar um tsunami no Oceano Índico que matou mais de duzentas mil pessoas.
— Carter Kane! — ela gritou.
Por ser uma transmissão, eu sabia que era apenas uma gravação mágica, mas sua voz me fez pular.
— A Casa da Vida exige a sua rendição — disse ela. — Seus crimes são imperdoáveis. Você deve pagar com sua vida.
Meu estômago mal teve tempo de revirar antes de uma série de violentas imagens atravessarem o óleo. Eu vi a Pedra de Roseta explodindo no Museu – o incidente britânico que libertou Set e matou meu pai no Natal passado. Como Jacobi tinha obtido essas imagens? Eu vi a luta na Casa do Brooklyn da primavera passada, quando Sadie e eu chegamos no barco do sol de Rá para expulsar o esquadrão de ataque da Jacobi. As imagens pareciam mostrar que nós éramos os agressores – um bando de arruaceiros com poderes divinos batendo na pobre Jacobi e seus amigos.
— Você libertou Set e seus irmãos — Jacobi narrou. — Você quebrou a regra mais sagrada da magia e cooperou com os deuses. Ao fazê-lo, desequilibrou o Maat, causando o surgimento de Apófis.
— Isso é mentira! — eu disse. — Apófis estava se levantando de qualquer maneira!
Então me lembrei que eu estava gritando com um vídeo. As cenas não se mantiveram fixas. Eu vi um edifício alto incediando no bairro Shibuya de Tóquio, sede do Ducentésimo Trigésimo Quarto Nomo. Um demônio com cabeça de espada samurai entrou voando por uma janela e levou consigo um mágico gritando.
Eu vi a casa do antigo chefe Leitor, Michel Desjardins – um belo casarão em Paris na Rua das Pirâmides, agora em ruínas. O telhado desabou. As janelas foram quebradas. Pergaminhos e livros rasgados e encharcados espalhados pelo jardim morto, e o hieróglifo para Caos ardia na porta da frente.
— Você causou tudo isso — disse Jacobi. — Deu o manto do Sacerdote-leitor Chefe a um servo do mal. Corrompeu jovens magos, ensinando o caminho dos deuses. Você enfraqueceu a Casa da Vida e nos deixou à mercê de Apófis. Não vamos ficar por isso. Qualquer um que segue você será punido.
A visão mudou para a Casa Esfinge em Londres, sede do nomo britânico. Sadie e eu tínhamos visitado o lugar durante o verão e conseguimos fazer a paz com eles depois de horas de negociações.
Eu vi Kwai invadindo através da biblioteca, quebrando estátuas de deuses e varrendo os livros das prateleiras. Uma dúzia de magos britânicos estavam acorrentados ante sua conquistadora, Sarah Jacobi, que segurava uma reluzente faca preta. O líder do nomo, um cara velho inofensivo chamado Sir Leicester, foi forçado a se ajoelhar. Sarah Jacobi levantou sua faca. A lâmina caiu, e o cenário mudou.
O rosto macabro de Jacobi olhou para mim a partir da superfície do óleo. Seus olhos eram tão escuros quanto as órbitas de uma caveira.
— Os Kanes são uma praga — disse ela. — Vocês devem ser destruídos. Rendam-se, você e sua família para a execução. Nós pouparemos seus outros seguidores, desde que renunciem ao caminho dos deuses. Eu não busco o cargo de Sacerdote-leitor Chefe, mas devo tê-lo para o bem do Egito. Quando os Kanes estiverem mortos, seremos fortes e unidos novamente. Vamos desfazer o estrago que vocês fizeram e enviar os deuses e Apófis de volta para o Duat. A justiça vem rapidamente, Carter Kane. Esta será a sua única advertência.
A imagem de Sarah Jacobi se dissolveu no óleo, e eu fiquei sozinho novamente com o reflexo de Zia.
— É — falei com voz trêmula. — Para uma assassina em massa, ela é bastante convincente.
Zia assentiu.
— Jacobi já converteu ou derrotou a maioria de nossos aliados na Europa e Ásia. Muitos dos recentes ataques contra Paris, Tóquio, Madrid... são obra de Jacobi, mas ela está culpando Apófis ou a Casa do Brooklyn.
— Isso é ridículo.
— Você e eu sabemos disso — ela concordou. — Mas os magos estão com medo. Jacobi está dizendo-lhes que, se os Kanes forem destruídos, Apófis irá voltar para o Duat e as coisas vão voltar ao normal. Eles querem acreditar. Ela está dizendo que segui-lo é uma sentença de morte. Depois da destruição em Dallas...
— Eu entendo — disparei.
Não era justo ficar com raiva de Zia, mas me senti tão impotente. Tudo o que fizemos pareceu dar errado. Imaginei Apófis rindo no mundo inferior. Talvez por isso ele não tenha atacado a Casa da Vida em pleno vigor ainda. Ele estava se divertindo muito nos assistindo de longe despedaçar uns aos outros.
— Por que Jacobi não dirige a sua mensagem a Amós? — perguntei. — Ele é o Sacerdote-leitor Chefe.
Zia desviou o olhar como se verificasse alguma coisa. Eu não podia ver muito de seu ambiente, mas ela não parecia estar em seu quarto no dormitório no Primeiro Nomo ou no Salão das Eras.
— Como Jacobi disse, eles consideram Amós um servo do mal. Não vão falar com ele.
— Porque ele estava possuído por Set — adivinhei. — Isso não foi culpa dele. Ele foi curado. Ele está bem.
Zia estremeceu.
— O quê? — perguntei. — Ele está bem, não é?
— Carter, é... é complicado. Olha, o principal problema é Jacobi. Ela assumiu a antiga base de Menshikov, em St. Petersburg. É quase uma fortaleza, como o Primeiro Nomo. Nós não sabemos quais os seus planos ou quantos magos ela tem. Não sabemos quando ela vai atacar ou onde. Mas ela vai atacar em breve.
Justiça vem rapidamente. Este será o seu único aviso.
Algo me disse que Jacobi não atacaria a Casa do Brooklyn novamente, não depois que ela foi humilhada pela última vez. Mas se ela queria assumir a Casa da Vida e destruir os Kanes, o que mais poderia ser seu alvo?
Fechei os olhos com Zia, e eu percebi o que ela estava pensando.
— Não — eu disse. — Eles nunca atacariam o Primeiro Nomo. Seria suicídio. Ele sobreviveu por cinco mil anos.
— Carter... nós somos mais fracos do que você imagina. Nunca tivemos todo o pessoal necessário. Agora, muitos dos nossos melhores magos desapareceram, possivelmente passaram para o outro lado. Temos alguns homens velhos e algumas crianças assustadas sobrando, além de Amós e eu — ela estendeu seus braços, exasperada. — E a metade do tempo fico presa aqui...
— Espere — eu disse. — Onde você está?
Em algum lugar à esquerda de Zia, uma voz de homem gorjeava.
— Ooiii!
Zia suspirou.
— Ótimo. Ele acordou de seu cochilo.
Um velho homem enfiou a cara na taça de vidência. Ele sorriu, mostrando exatamente dois dentes. Sua cabeça calva enrugada o fez parecer com um bebê geriátrico.
— Zebras estão aqui!
Ele abriu a boca e tentou sugar o óleo da tigela, fazendo a cena inteira ondular.
— Meu senhor, não! — Zia o puxou de volta. — Não pode beber o óleo encantado. Nós já conversamos sobre isso. Aqui, um biscoito.
— Biscoitos — ele gritou. — Ebaaa!
O velho dançou para longe com um petisco em suas mãos.
Era o avô senil de Zia? Não. Aquele era Rá, o deus do sol, primeiro faraó divino do Egito e arqui-inimigo de Apófis.
Na primavera passada, tínhamos ido em uma busca para encontrá-lo e revivê-lo de seu sono crepuscular, confiando que ele subiria em toda sua glória e combateria a Serpente do caos para nós. Em vez disso, Rá acordou velho e demente. Era excelente em comer biscoitos, babar e cantar músicas sem sentido. Combater Apófis? Nem tanto.
— Você está cuidando dele de novo? — perguntei.
Zia deu de ombros.
— É aqui depois do nascer do sol. Hórus e Isis cuidam dele todas as noites no barco do sol. Mas durante o dia... bem, Rá fica chateado se eu não vou visitá-lo, e nenhum dos outros deuses quer vê-lo. Honestamente, Carter... — ela baixou a voz. — Eu tenho medo do que fariam se eu deixasse Rá sozinho com eles. Estão ficando cansados dele.
— Ebaaa! — Rá disse em segundo plano.
Meu coração se afundou. No entanto, outra coisa para se sentir culpado: eu sobrecarreguei Zia com a obrigação de ser a babá de um deus-sol. Presa na sala do trono dos deuses todos os dias, ajudando Amós a controlar o Primeiro Nomo todas as noites, Zia mal tinha tempo para dormir, muito menos para ir a um encontro – mesmo que eu pudesse chegar a ter coragem de chamá-la.
Claro, isso não importará se Apófis destruir o mundo, ou se Sarah Jacobi e seus assassinos mágicos chegarem até mim. Por um momento, me perguntei se Jacobi estava certa – se o mundo tinha se desajustado por causa da família Kane, e se ele seria melhor sem nós.
Me senti tão impotente que brevemente considerei chamar o poder de Hórus. Eu poderia usar alguma coragem e confiança do deus da guerra. Mas suspeitei que juntar meus pensamentos com Hórus não seria uma boa ideia. Minhas emoções estavam misturadas o suficiente sem outra voz na minha cabeça, guiando-me.
— Eu conheço essa expressão — Zia repreendeu. — Você não pode se culpar, Carter. Se não fosse por você e Sadie, Apófis já teria destruído o mundo. Ainda há esperança.
Plano B, pensei. A menos que pudéssemos descobrir este mistério sobre sombras e como elas poderiam ser usadas para lutar contra Apófis, a gente estaria preso com o Plano B, o que significava a morte certa para Sadie e eu mesmo que ele funcionasse. Mas eu não ia dizer a Zia. Ela não precisava de alguma notícia mais deprimente.
— Você está certa. Nós vamos descobrir algum jeito.
— Voltarei ao Primeiro Nomo esta noite. Me liga, então, ok? Temos que conversar...
Algo retumbou atrás dela, como uma laje de pedra de amolar ao longo do chão.
— Sobek está aqui — ela sussurrou. — Eu odeio esse cara. Nos falamos mais tarde.
— Espere, Zia — eu disse. — Falar sobre o quê?
Mas o óleo ficou escuro, e Zia tinha ido embora.
Eu precisava dormir. Em vez disso, andei pelo meu quarto. Os quartos do dormitório na Casa do Brooklyn eram surpreendentes – camas confortáveis, televisores HD, internet sem fio de alta velocidade, e mini-geladeiras magicamente reabastecidas. Um exército de vassouras encantadas, esfregões e espanadores mantém tudo arrumado. Os armários estão sempre cheios de roupas limpas e perfeitamente convenientes.
Ainda assim, o meu quarto parecia uma jaula. Talvez fosse porque eu tinha um babuíno como companheiro de quarto. Khufu não ficava muito aqui (normalmente no térreo com Cleo ou deixando os pirralhos limparem o seu pelo), mas havia uma depressão em forma de babuíno em sua cama, uma caixa de Cheerios na mesa de cabeceira e um balanço de pneu instalado no canto da sala.
Sadie tinha feito a última parte como uma brincadeira, mas Khufu gostou tanto que eu não pude tirar. A coisa aconteceu, eu comecei a me acostumar com ele ao meu redor. Agora que ele passava a maior parte de seu tempo com as crianças pequenas, eu o perdi. Ele tinha crescido em mim de uma forma cativante e chata – tipo de como a minha irmã.
[Sim, Sadie. Você viu que é possível.]
Imagens de protetor de tela flutuavam no meu monitor portátil. Lá estava meu pai em um sítio arqueológico no Egito, parecendo relaxado e usando seu uniforme cáqui, as mangas arregaçadas em seus escuros braços musculosos, enquanto mostrava a cabeça da estátua de pedra quebrada de algum faraó. O couro cabeludo calvo do papai e o cavanhaque o faziam parecer levemente diabólico quando ele sorria.
Outra foto mostrava o tio Amós no palco em um clube de jazz, tocando seu saxofone. Usava óculos escuros redondos, um chapéu porkpie azul e um terno de seda combinando, impecáveis como sempre. Suas tranças estavam entrelaçadas com safiras. Eu nunca tinha visto Amós tocar realmente no palco, mas eu gostava dessa foto porque ele parecia tão enérgico e feliz, não como ele estava nesses dias, com o peso da liderança sobre seus ombros.
Infelizmente, a foto também me lembrou de Anne Grissom, a maga do Texas com seu violino, se divertindo um pouco antes de morrer.
O protetor de tela mudou. Vi mamãe me fazendo pular em seu joelho quando eu era um bebê. Eu tinha esse ridículo vai-e-vem naquela época, que Sadie sempre implica sobre isso comigo.
Na foto, estou usando uma camiseta azul manchada com purê de batata doce. Estou segurando nos polegares da mamãe, olhando assustado enquanto ela me jogava para cima e para baixo, como se eu estivesse pensando, "Tirem-me fora deste passeio!" Mamãe está tão bonita como sempre, mesmo em uma camiseta velha e jeans, o cabelo preso em uma bandana. Ela sorri para mim como se eu fosse a coisa mais maravilhosa em sua vida.
Machuca olhar para essa foto, mas eu continuei olhando para ela.
Eu lembrei o que Sadie tinha me dito, que algo estava afetando os espíritos dos mortos, e nós não poderíamos ver nossa mãe novamente, a menos que descobríssemos o que era.
Eu respirei fundo. Meu pai, meu tio, minha mãe, todos magos poderosos. Todos tinham sacrificado tanto para restaurar a Casa da Vida. Eles eram mais velhos, mais sábios e mais fortes que eu. Tiveram décadas para praticar magia. Sadie e eu tivemos nove meses. E ainda precisávamos fazer algo que nenhum mago jamais conseguiu – derrotar o próprio Apófis.
Fui para o meu armário e tirei minha antiga mala de viagem. Era apenas uma bolsa de mão preta de couro, como um milhão de outras que você pode ver em um aeroporto. Durante anos eu a carreguei ao redor do mundo enquanto eu viajava com meu pai. Ele me treinou para viver apenas com o que eu pudesse carregar.
Abri a mala. Estava vazia agora, exceto por uma coisa: uma estatueta de uma serpente enrolada esculpida em granito vermelho, gravada com hieróglifos. O nome Apófis estava riscado e sobrescrito com feitiços de ligação, mas esta estatueta ainda era o objeto mais perigoso em toda a casa – a representação do inimigo.
Sadie, Walt e eu tínhamos feito aquilo em segredo (mesmo com fortes objeções de Bastet). Nós só confiamos em Walt porque precisávamos de suas habilidades em feitiço. Nem mesmo Amós teria aprovado tal experiência perigosa. Um erro, um feitiço equivocado, e essa estátua poderia se transformar de uma arma contra Apófis em um portal, permitindo-lhe livre acesso a Casa do Brooklyn. Mas nós tínhamos que arriscar. A menos que encontrássemos alguns outros meios de derrotar a serpente, Sadie e eu teríamos que usar esta estátua para o Plano B.
— Uma ideia insensata — disse uma voz a partir da varanda.
Um pombo estava empoleirado no parapeito. Havia algo muito não-pombo sobre o seu olhar. Parecia destemido, quase perigoso, e eu reconheci a voz, que era mais viril e bélica do que você normalmente esperaria de um membro da família das pombas.
— Hórus — reconheci.
O pombo balançou sua cabeça.
— Posso entrar?
Eu sabia que ele não estava apenas perguntando por cortesia. A casa era fortemente encantada para manter fora as pragas indesejáveis, como roedores, cupins e deuses egípcios.
— Eu lhe dou permissão para entrar — falei formalmente. — Hórus, na forma de um... uh... pombo.
— Obrigado.
O pombo pulou a grade e entrou gingando.
— Por quê? — perguntei.
Hórus rufou suas penas.
— Bem, eu pensei em um falcão, mas eles são um pouco escassos em Nova York. Eu queria algo com asas, assim, um pombo parecia ser a melhor escolha. Eles adaptaram-se bem às cidades, não têm medo de pessoas. São aves nobres, não acha?
— Nobre — concordei. — Essa é a primeira palavra que vem à mente quando eu penso em pombos.
— De fato — Hórus disse.
Aparentemente, o sarcasmo não existia no Antigo Egito, porque Hórus nunca pareceu entender. Ele voou em minha cama e bicou umas migalhas de Cheerios que sobraram do almoço de Khufu.
— Hey — avisei — se você fizer cocô nos meus cobertores...
— Fala sério. Deuses da guerra não fazem cocô em cobertores. Bem, exceto daquela vez...
— Esqueça o que eu disse...
Hórus pulou para a beira da minha mala. Ele olhou para baixo para a estatueta de Apófis.
— Perigoso — disse ele. — Muito, muito perigoso, Carter.
Eu não tinha contado a ele sobre o plano B, mas não fiquei surpreso que ele soubesse. Hórus e eu tínhamos compartilhado pensamentos muitas vezes. Quanto mais eu consegui canalizar seus poderes, mais nos entendemos. A desvantagem da magia divina era que eu não podia desligar essa conexão.
— É nosso plano de emergência. Estamos tentando encontrar outra maneira.
— Procurando por aquele pergaminho — lembrou. — cuja última cópia queimou hoje à noite em Dallas.
Eu resisti ao impulso de bater no pombo.
— Sim. Mas Sadie encontrou esta caixa de sombra. Ela acha que é algum tipo de pista. Você não saberia alguma coisa sobre o uso de sombras contra Apófis, não é?
O pombo voltou sua cabeça para os lados.
— Não mesmo. Minha compreensão da magia é bastante simples. Acertar os inimigos com uma espada até que eles estejam mortos. Se levantarem novamente, acertá-los novamente. Repetir conforme necessário. Funcionou contra Set.
— Depois de quantos anos de luta?
O pombo me encarou.
— Qual é o seu problema?
Eu decidi evitar uma discussão. Hórus era um deus da guerra. Ele gostava de lutar, mas tinha levado anos para derrotar Set, o deus do mal. E Set era uma coisa pequena ao lado de Apófis, a força primordial do Caos. Bater em Apófis com uma espada não iria funcionar.
Pensei em algo que Bastet tinha dito anteriormente, na biblioteca.
— Será que Tot sabe mais sobre as sombras? — perguntei.
— Provavelmente — resmungou Hórus. — Tot não é bom em muita coisa exceto estudar seus mofados pergaminhos antigos. — Ele observava a estatueta da serpente. — Engraçado... Eu acabei de lembrar de algo. Antigamente, os egípcios usavam a mesma palavra para a estátua e sombra, porque ambos são pequenas cópias de um objeto. Ambos eram chamados de sheut.
— O que você está tentando me dizer?
O pombo rufou suas penas.
— Nada. Isso só me ocorreu, olhando para a estátua, enquanto você estava falando de sombras.
Uma sensação gelada se espalhou entre meus ombros.
Sombras... estátuas.
Na última primavera, Sadie e eu tínhamos visto como o velho Sacerdote-leitor Chefe Desjardins lançou um feitiço de execração sobre Apófis. Mesmo contra demônios menores, feitiços de execração eram perigosos. Você deve destruir uma pequena estátua do alvo e, ao fazer isso, o próprio alvo será destruído, apagado do mundo. Se cometer um erro, as coisas começam a explodir, inclusive o mágico que o lançou.
No mundo inferior, Desjardins tinha usado uma estatueta contra Apófis. O Sacerdote-leitor Chefe tinha morrido ao lançar a execração, e só conseguiu empurrar Apófis um pouco mais fundo no Duat.
Sadie e eu esperávamos que, com uma estátua de magia mais poderosa, nós dois trabalhando juntos poderíamos ser capazes de execrar Apófis completamente, ou pelo menos jogá-lo tão profundamente no Duat que ele nunca mais iria voltar.
Esse era o Plano B. Mas nós sabíamos que uma magia poderosa necessitaria de muita energia, o que nos custaria nossas vidas. A menos que encontrássemos outro modo.
Estátuas como sombras, sombras como estátuas.
O plano C começava a se formar na minha mente com uma ideia tão louca que eu não desejaria colocá-lo em palavras.
— Hórus — eu disse cuidadosamente — Apófis tem uma sombra?
O pombo piscou os olhos vermelhos.
— Que pergunta! Porquê você...? — Ele olhou para a estátua vermelha. — Oh... Oh. É inteligente, na verdade. Certamente insano, mas inteligente. Você acha que a versão de Setne de O livro da derrota de Apófis, que Apófis estava tão ansioso para destruir... você acha que continha um feitiço secreto para...
— Eu não sei. Vale a pena perguntar a Tot. Talvez ele saiba de alguma coisa.
— Talvez — Hórus respondeu a contragosto. — Mas eu ainda acho que um ataque frontal é o caminho a percorrer.
— Claro que você acha.
O pombo balançou a cabeça.
— Nós somos fortes o suficiente, você e eu. Devemos unir forças, Carter. Deixe-me partilhar a sua forma como fiz uma vez. Poderíamos levar os exércitos de deuses e homens e derrotar a serpente. Juntos, nós vamos dominar o mundo.
A ideia poderia ter sido mais tentadora se eu não tivesse olhando para um pássaro gordo com migalhas de Cheerios em sua plumagem. Deixar um pombo governando o mundo parecia uma má ideia.
— Vou contatar pensar em sua proposta — respondi. — Mas primeiro, eu deveria falar com Tot.
— Bah — Hórus bateu as asas. — Ele ainda está em Memphis, no estádio esportivo ridículo dele. Mas se você planeja vê-lo, eu não esperaria muito tempo.
— Por que não?
— É isso que eu vim te dizer — disse Hórus. — As questões estão ficando complicadas entre os deuses. Apófis está nos dividindo, nos atacando um a um, assim como está fazendo com vocês magos. Tot foi o primeiro a sofrer.
— Sofrer... como?
O pombo inchou. Uma nuvem de fumaça saiu de seu bico curvado.
— Oh, meu caro. Meu anfitrião está se autodestruindo. Ele não consegue segurar o meu espírito por muito mais tempo. Apenas se apresse, Carter. Estou tendo problemas para manter os deuses juntos, e o velho Rá não está ajudando a nossa moral. Se nós não liderarmos os nossos exércitos em breve, não haverá quaisquer exércitos para liderar.
— Mas...
O pombo soluçou outra nuvem de fumaça.
— Tenho que ir. Boa sorte.
Hórus voou pela janela, deixando-me sozinho com a estatueta de Apófis e algumas penas cinzentas.

***

Dormi como uma múmia. Essa foi a parte boa. A parte ruim foi Bastet que me deixou dormir até a tarde.
— Por que você não me acordou? — exigi. — Eu tenho coisas para fazer!
Bastet estendeu as mãos.
— Sadie insistiu. Você teve uma noite difícil. Ela disse que precisava descansar. Além disso, eu sou um gato. Eu respeito a santidade do sono.
Eu ainda estava bravo, mas parte de mim sabia que Sadie estava certa. Eu tinha gasto muita energia mágica na noite anterior e tinha ido dormir muito tarde. Talvez, apenas talvez, Sadie tivesse o seu espaço no meu coração.
[Já vi as caretas que você fez para mim, então talvez não.]
Tomei banho e me vesti. No momento em que as outras crianças voltaram da escola, eu estava me sentindo quase humano novamente.
Sim, eu disse escola, como a normal e antiga escola. Havíamos passado a última primavera dando aulas para todos os iniciados na Casa do Brooklyn, mas com o início do semestre de outono, Bastet tinha decidido que as crianças poderiam ter uma dose de vida mortal regular. Agora eles iam para uma escola próxima no Brooklyn durante o dia e aprendiam magia durante as tardes e nos fins de semana.
Fui o único que ficou para trás. Eu sempre estudei em casa. A ideia de lidar com armários, horários, livros didáticos, cantina e ainda manter o Vigésimo Primeiro Nomo era demais para mim.
Você pensou que as outras crianças devem ter se queixado, especialmente Sadie. Mas, na verdade, frequentar a escola estava fazendo bem para eles. As meninas ficaram felizes de ter mais amigas (e menos meninos idiotas com quem flertar, alegaram). Os garotos podiam praticar esportes com equipes reais, em vez de um-em-um com Khufu usando estátuas egípcias como aros. Quanto à Bastet, ela estava feliz por ter uma casa calma para que ela pudesse se esticar no chão e tirar uma soneca na luz do sol.
De qualquer forma, no momento que os outros chegaram em casa, eu tinha pensado muito sobre minhas conversas com Zia e Hórus. O plano que eu tinha formulado ontem à noite ainda parecia loucura, mas decidi que poderia ser a nossa melhor chance.
Após instruções de Sadie e Bastet, que (perturbadoramente) concordaram comigo, decidimos que era hora de contar para o resto de nossos amigos.
Nós nos reunimos para jantar no terraço. É um lugar agradável para comer, com barreiras invisíveis que impedem o vento, com uma grande vista do rio East e Manhattan. A comida aparece magicamente, e é sempre saborosa.
Ainda assim, eu temia comer na varanda. Durante nove meses, tivemos todos os nossos encontros importantes ali. Passei a associar jantares com desastres.
Nós enchemos os nossos pratos enquanto nosso guardião crocodilo albino Filipe da Macedônia nadava feliz em sua piscina. Leva algum tempo para se acostumar a comer próximo a um crocodilo de 20 metros de comprimento, mas Filipe foi bem treinado. Ele só comia bacon, afastava aves aquáticas e os ocasionais monstros invasores.
Bastet sentou-se à cabeceira da mesa com uma lata de ração de gato. Sadie e eu nos sentamos juntos na extremidade oposta. Khufu estava sem os pirralhos e alguns dos nossos mais novos recrutas estavam dentro fazendo sua lição de casa ou recuperando o atraso em criar magia, mas a maioria do nosso pessoal principal estava presente, uma dúzia de altos iniciados.
Considerando o quão mal a noite passada tinha se desenrolado, todos pareciam estranhamente de bom espírito. Eu estava numa espécie de felicidade por eles ainda não saberem sobre a mensagem de ameaça de morte de Sarah Jacobi.
Julian se mantinha pulando na cadeira e sorrindo sem nenhuma razão em particular. Cleo e Jaz cochichavam entre si e riam. Mesmo Felix parecia ter se recuperado de seu choque em Dallas. Ele estava esculpindo minúsculos shabtis pinguins com seu purê de batatas e os trazendo para vida.
Apenas Walt parecia triste. O grandalhão não tinha nada sobre o seu prato, exceto três cenouras e um pote de Jell-O. (Khufu insistiu que Jell-O tinha propriedades curativas importantes.) A julgar pela tensão em torno dos olhos de Walt e a rigidez de seus movimentos, eu imaginei que sua dor estivesse ainda pior do que ontem à noite.
Virei-me para Sadie.
— O que está acontecendo? Todo mundo parece... distraído.
Ela olhou para mim.
— Eu continuo esquecendo que você não vai à escola. Carter, hoje à noite é o primeiro baile! Três outras escolas estarão lá. Podemos apressar a reunião, não podemos?
— Você está brincando — eu disse. — Estou pensando em planos para o apocalipse, e você está preocupada em chegar tarde para um baile?
— Eu já tinha te dito uma dúzia de vezes — ela insistiu. — Além disso, precisamos de algo para impulsionar nossos espíritos. Agora, diga todo o seu plano. Alguns de nós ainda temos que decidir o que vestir.
Eu queria discutir, mas os outros estavam olhando para mim com expectativa.
Limpei a garganta.
— Okay. Eu sei que há um baile, mas...
— Ás sete — Jaz disse. — Você virá, certo?
Ela sorriu para mim. Ela estava flertando...?
[Sadie me chamou de estupido. Ei, eu tinha outras coisas em minha mente.]
— Uh... de qualquer maneira — gaguejei. — Precisamos falar sobre o que aconteceu em Dallas, e o que acontecerá em seguida.
Isso matou o humor. Os sorrisos desapareceram. Meus amigos ouviram meu relato sobre nossa missão no Quinquagésimo Primeiro Nomo, a destruição do Livro da derrota de Apófis e a recuperação da caixa de sombras. Eu disse a eles sobre o aviso de Sarah Jacobi sobre minha rendição e o tumulto entre os deuses que Hórus tinha mencionado.
Sadie continuou, explicando seu estranho encontro com o rosto na parede, dois deuses, e nossa mãe fantasma. Ela compartilhou sua sensação de que nossa melhor chance de derrotar o Apófis tinha algo a ver com sombras.
Cleo levantou a mão.
— Então... os magos rebeldes têm uma morte garantida para você. Os deuses não podem nos ajudar. Apófis poderia surgir em qualquer momento e o pergaminho que poderia ter nos ajudado a derrotá-lo foi destruído. Mas não devemos nos preocupar, por que temos uma caixa vazia e um palpite vago sobre sombras?
— Porque, Cleo — Bastet disse com admiração. — Você tem um lado gatinha!
Eu pressionei as mãos contra a superfície da mesa. Seria necessário pouco esforço para chamar a força de Hórus e esmagá-la em gravetos. Mas duvidei que iria ajudar na minha reputação como um líder calmo.
— Isso é mais do que um palpite vago — eu disse. — Olha, vocês lembram de tudo o que aprenderam sobre magias de execração, certo?
Nosso crocodilo, Filipe, resmungou. Ele bateu na piscina com sua cauda e fez chover sobre o nosso jantar. Criaturas mágicas são um pouco sensíveis com a palavra execração.
Julian limpou a água de seu sanduíche de queijo grelhado.
— Cara, você não pode execrar Apófis. Ele é enorme. Desjardins tentou e morreu.
— Eu sei. Com uma execração padrão, você destrói uma estátua que representa o inimigo. Mas o que se poderia pôr em marcha acima o feitiço, destruindo uma representação mais poderosa, algo... mais ligado à Apófis?
Walt sentou-se para a frente, de repente interessado.
— A sombra dele?
Felix ficou tão assustado que deixou cair a colher, esmagando um dos pinguins de purê de batata.
— Espere, o quê?
— Eu tive a ideia por causa de Hórus — continuei. — Ele me disse que estátuas eram chamadas de sombras nos tempos antigos.
— Mas isso era apenas, tipo, simbólico — Alyssa interviu. — Não era?
Bastet terminou sua comida de gato. Ela ainda parecia nervosa sobre todo o tópico de sombras, mas quando expliquei a ela que era isso ou Sadie e eu morrermos, ela concordou em nos apoiar.
— Talvez não — a deusa gato disse. — Eu não sou nenhuma expert em execração, você sabe. Negócio desagradável. Mas é possível que uma estátua usada para execração seja originalmente concebida para representar a sombra do alvo, que é uma parte importante da alma.
— Então — Sadie falou — nós poderíamos lançar um feitiço de execração sobre Apófis, mas em vez de destruir uma estátua, podemos destruir a sua sombra real. Brilhante, não?
— Isso é loucura — disse Julian. — Como você pode destruir uma sombra?
Walt enxotou um pinguim de purê de batata para longe de seu Jell-O.
— Não é loucura. Magia de ligação é sobre como usar uma cópia pequena para manipular o real. É possível. Toda a tradição de fazer pequenas estátuas para representar pessoas e deuses... talvez, há um tempo, essas estátuas na verdade contivessem o sheut do alvo. Existem muitas histórias sobre as almas dos deuses que habitam estátuas. Se uma sombra for presa em uma estátua, você pode ser capaz de destruí-la.
— Você poderia fazer uma estátua desse jeito? — Alyssa perguntou. — Algo que poderia vincular a sombra de... do próprio Apófis?
— Talvez — Walt olhou para mim. A maioria das pessoas na mesa não sabia que já tínhamos feito uma estátua de Apófis que poderia funcionar para esse efeito. — Mesmo se eu pudesse, a gente precisa encontrar a sombra. Então nós precisamos de magia muito avançada para capturá-la e destruí-la.
— Encontrar uma sombra? — Felix sorriu nervosamente, como se esperasse que estivéssemos brincando. — Não seria certo a Serpente estar com ela? E como você vai capturá-la? Pisar nela? Jogar uma luz sobre ela?
— Vai ser mais complicado do que isso — respondi. — Este antigo mágico Setne, o cara que escreveu sua própria versão de O livro da derrota de Apófis, acho que ele deve ter criado um feitiço para pegar e destruir sombras. É por isso que Apófis estava tão ansioso para queimar a evidência. Essa é sua fraqueza em segredo.
— Mas o livro está desaparecido — disse Cleo.
— Ainda há alguém que pode fazer — disse Walt. — Tot. Se alguém sabe as respostas, é ele.
A tensão em torno da mesa pareceu se aliviar. Pelo menos nós demos aos nossos iniciados algo a esperar, mesmo que fosse um tiro no escuro. Eu estava agradecido por termos Walt do nosso lado. Sua capacidade de tomada de encantamentos pode ser a nossa única esperança de ligar a sombra da estátua, e seu voto de confiança pesava com as outras crianças.
— Precisamos visitar Tot imediatamente — falei. — Essa noite.
— Sim — concordou Sadie. — Logo após o baile.
Eu olhei para ela.
— Você não está falando sério.
— Oh, sim, querido irmão.
Ela sorriu maliciosamente, e por um segundo, fiquei com medo que ela pudesse invocar o meu nome secreto e forçar-me a obedecer.
— Participaremos do baile. E você virá com a gente.

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