segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Trono de Fogo - Sadie

Capítulo 23 - Damos uma festa louca em casa

[ERRO FATAL, CARTER. Me passar o microfone na parte mais importante? Você nunca vai pegá-lo de volta agora. O final da historia é meu. Há, há, há!]
Oh, aquilo me fez sentir bem. Seria excelente para dominar o mundo. Mas eu discordo. Você deveria ver os noticiários sobre o estranho duplo nascer do sol sobre o Brooklyn na manhã de vinte e um de março. Houve muitas teorias: névoa por causa da poluição do ar, queda de temperatura na atmosfera baixa, alienígenas, ou talvez apenas mais um vazamento gás do esgoto causando uma histeria em massa. Amamos gás de esgoto no Brooklyn!
Eu posso confirmar, no entanto, que houve brevemente dois sóis no céu. Eu sei disso porque estava em um deles. O sol subiu normal, como sempre. Mas também houve o barco de Rá, queimando como um nascer do sol do Duat, até o porto de Nova York no céu do mundo mortal. Para os observadores de baixo, o segundo sol pareceu se misturar com a luz do primeiro.
O que realmente aconteceu? O barco do sol escureceu enquanto descia perto da Casa no Brooklyn, onde a camuflagem antimortal o estava envolvendo e fazendo-o desaparecer.
Nossas defesas mágicas já estavam fazendo hora extra, com uma guerra plena em andamento. Freak, o grifo, estava mergulhando no ar, atacando cobras flamejantes com asas, as uraei, em um combate aéreo.
[Eu sei que é uma palavra horrível para pronunciar, uraei, mas Carter insiste que esse é o plural para uraeus, e não havia nenhum argumento contra ele. Só diga você está certo e solte o microfone, e você consegue.]
Freak gritou Freaaaak! e atacou os uraeus, mas estava em uma grande desvantagem. Seu pelo estava queimado, e suas asas zumbindo deviam estar danificadas enquanto ele continuava girando em círculos como um helicóptero quebrado.
Seu ninho no telhado estava em chamas. Nosso portal de esfinge foi quebrado, e a chaminé estava manchada de preto como se alguma coisa ou alguém tivesse explodido. Um grupo de magos inimigos e demônios se esconderam atrás do aparelho de ar condicionado e estavam presos em um combate contra Zia e Walt, que estavam guardando a escadaria. Ambos os lados jogavam fogo, shabti, bombas de hieróglifos brilhantes por toda a extensão do telhado ainda não dominado.
Enquanto descíamos sobre o inimigo, o velho Rá (sim, ele ainda estava velho e murcho, como sempre) se inclinou para o lado e acenou para todos com seu cajado.
― Olá-á-á-á-á! Zebras!
Ambos os lados olharam com espanto.
― Rá! ― um demônio gritou.
Então, todos gritaram:
― Rá?
― Rá!
― Rá!
Parecia o exército mais assustado do mundo. Os uraei pararam de cuspir fogo, para grande surpresa de Freak, e voaram imediatamente para o barco do sol. Começaram a nos rodear como uma guarda de honra, e me lembrei do que Menshikov tinha dito sobre eles serem originalmente criaturas de Rá. Aparentemente, eles reconheceram seu velho mestre (com ênfase em velho).
A maioria dos inimigos se espalhou quando o barco desceu, mas o mais lento dos demônios disse: “Rá?” e olhou para cima assim que nosso barco do sol aterrissou em cima dele com um crunch satisfatório.
Carter e eu pulamos para a batalha. Apesar de tudo o que passamos, eu me sentia maravilhosa. A doença do Caos havia desaparecido assim que saímos do Duat. Minha magia estava forte. Meus espíritos estavam elevados. Se eu apenas tivesse um chuveiro, uma roupa limpa e uma boa xícara de chá, eu poderia achar que estava no paraíso. (Retiro o que disse; agora que eu tinha visto o Paraíso, não gostei muito dele. Me contentaria com meu próprio quarto).
Transformei um demônio em um tigre e joguei-o sobre seus irmãos. Carter surgiu na forma de avatar – o cara dourado brilhante, graças a Deus; um homem pássaro de quatro metros de altura teria sido um pouco assustador para mim. Ele abriu caminho através dos magos inimigos apavorados, e com um movimento de sua mão mandou-os voando para o rio East.
Zia e Walt saíram da escadaria e nos ajudaram a cuidar dos feridos. Então correram para nós com grandes sorrisos em seus rostos. Pareciam estar machucados e feridos, porém muito vivos.
FREEEEK!, disse o grifo.
Ele desceu e pousou ao lado de Carter, e deu cabeçadas no avatar de combate, o que eu esperava que fosse um sinal de afeto.
― Ei, amigo ― Carter coçou sua cabeça, tomando cuidado para evitar as asas afiadas do monstro. ― O que está acontecendo, pessoal?
― Falar não ajuda ― afirmou Zia secamente.
― O inimigo vem tentando invadir a casa durante a noite toda ― disse Walt. ― Amós e Bastet conseguiram segurá-los, mas... ― ele olhou para o barco do sol, e sua voz vacilou. ― É isso... não é...
― Zebra! ― Rá disse, cambaleando até nós com um grande sorriso desdentado.
Ele andou diretamente até Zia e puxou algo de sua boca – um escaravelho dourado brilhante, agora completamente molhado, mas não digerido – e ofereceu a ela.
― Eu gosto de zebras.
Zia recuou.
― Esse é... esse é Rá, o Lorde do Sol? Por que ele está me oferecendo um escaravelho?
― E o que ele quis dizer sobre as zebras? ― Walt perguntou.
Rá olhou para Walt com desaprovação.
― As doninhas estão doentes.
De repente, um calafrio passou por mim. Minha cabeça girava como se a doença do Caos estivesse voltando. No fundo da minha mente, uma ideia começou a se formar – algo muito importante. Zebras... Zia. Doninhas... Walt.
Antes que eu pudesse pensar sobre isso, uma grande BOOM! sacudiu o prédio. Pedaços de pedra de calcário voaram do lado da mansão e choveram sobre o jardim.
― Eles quebraram as paredes de novo! ― Walt disse. ― Depressa!
Me considero razoavelmente dispersa e rápida, mas o resto da batalha aconteceu muito depressa, até mesmo para eu acompanhar.
Rá se recusou a se separar da Zebra e da Doninha (desculpe, Zia e Walt), de modo que os deixou sob seus cuidados no barco do sol enquanto Freak levava Carter e eu para o andar de baixo.
Caímos de suas garras sobre a mesa de buffet e encontramos Bastet girando com suas facas na mão, cortando e transformando demônios em areia e chutando magos para dentro da piscina, onde o nosso crocodilo albino, Filipe da Macedônia, ficou muito feliz em entretê-los.
― Sadie ― ela gritou com alívio.
[Sim, Carter, ela chamou meu nome ao invés do seu, ela me conhece mais, afinal de contas.]
Ela parecia estar se divertindo muito, mas seu tom era urgente.
― Eles derrubaram a parede leste. Fique aqui dentro!
Corremos pela porta, esquivando de um morcego de frutas que saiu voando sobre nossas cabeças, possivelmente alguém que lançou um feitiço que deu errado – e entramos em um pandemônio total.
― Santo Hórus ― disse Carter.
De fato, Hórus era a única coisa que não estava batalhando no Grande Salão. Khufu, nosso intrépido babuíno, estava pilotando um velho mago ao redor da sala, sufocando-o com sua própria varinha e colocando-o na direção das paredes até que o mago ficou azul. Felix tinha soltado um esquadrão de pinguins em outro mago, que se encolhia em um círculo mágico com algum tipo de estresse pós-traumático, gritando:
― Sem Antártida de novo! Tudo menos isso!
Alyssa estava convocando os poderes de Geb para reparar um buraco que o inimigo tinha feito em uma parede distante. Julian tinha convocado um avatar de combate pela primeira vez, e foi cortando os demônios com sua espada brilhante. Até mesmo Cleo saiu correndo pela sala, puxando pergaminhos de sua bolsa e lendo palavras aleatórias de poder como “Cegos!”, “Horizontal!” e “Tagarela!” (que, aliás, fez maravilhas para incapacitar o inimigo).
Para onde quer que eu olhasse, nossos iniciados estavam mandando ver. Eles lutaram como se estivessem esperando a noite toda para ter a chance de descansar, o que suponho que era exatamente o caso. E lá estava Jaz – Jaz! Parecendo muito saudável! – jogando um shabti do inimigo direto na lareira, onde ele se quebrou em mil pedaços.
Senti uma enorme sensação de orgulho, e não uma pequena quantidade de espanto. Eu estava tão preocupada com a sobrevivência dos nossos jovens iniciados, mas eles estavam simplesmente dominando um grupo de magos muito mais experientes. O mais impressionante, porém, foi Amós. Eu já o tinha visto fazer mágica, mas nunca desta forma. Ele estava na base da estátua de Tot, convocando raios e trovões com seu cajado, derrubando magos inimigos, e transformando-os em nuvens de tempestade em miniatura. Uma mulher maga o atacou com seu cajado brilhante com chamas vermelhas, mas Amós simplesmente bateu no chão e as telhas de mármore viraram areia a seus pés, e a mulher afundou até o pescoço.
Carter e eu nos olhamos, sorrimos, e nos juntamos à luta.
Foi uma derrota completa. Logo os demônios tinham sido reduzidos a montes de areia, e os magos inimigos começaram a se dispersar em pânico. Sem dúvida, eles estavam esperando lutar contra um bando de crianças inexperientes. Eles não contavam com o tratamento Kane completo.
Uma das mulheres conseguiu abrir um portal em uma parede distante. Pare-os, a voz de Ísis falou em minha mente, que foi um choque após um silêncio tão longo. Eles devem ouvir a verdade.
Eu não sei de onde tirei a ideia, mas levantei os braços e as asas e um arco-íris cintilante apareceu em ambos os meus lados – as asas de Ísis. Mexi meus braços. Uma rajada de vento e luz multicolorida bateu em nossos inimigos e jogou-os longe, deixando nossos amigos perfeitamente ilesos.
― Ouçam! ― gritei.
Todos se calaram. Minha voz soou normalmente mandona, mas agora parecia ampliada por um fator de dez. As asas provavelmente chamavam atenção também.
― Não somos seus inimigos! ― falei. ― Não me importo se gostam de nós, mas o mundo mudou. Vocês precisam ouvir o que aconteceu.
Minhas asas mágicas se apagaram enquanto eu dizia a todos sobre a nossa viagem pelo Duat, o renascimento de Rá, a traição de Menshikov, o retorno de Apófis e o sacrifício de Desjardins para banir a Serpente.
― Mentiras!
Um homem asiático em vestes azuis carbonizadas deu um passo à frente. Pela visão que Carter havia dito, supus que ele era Kwai.
― É verdade ― disse Carter.
Seu avatar já não o cercava. Suas roupas tinham se revertido para as mortais normais que ele tinha comprado no Cairo, mas de alguma forma, ele ainda parecia muito imponente, muito confiante. Ele levantou a capa de pele de leopardo do Sacedote-leitor Chefe, e eu podia sentir uma onda de choque se espalhando pela sala.
― Desjardins lutou ao nosso lado ― Carter confirmou. ― Ele derrotou Menshikov e trancou Apófis. Ele sacrificou a vida para nos dar um pouco de tempo. Mas Apófis vai voltar. Desjardins queria que vocês soubessem. Com suas últimas palavras, me pediu para mostrar a vocês esta capa e explicar a verdade. Especialmente a você, Amós. Ele queria que você soubesse que o caminho dos deuses tem que ser restaurado.
O portal de fuga para o inimigo ainda estava girando. Mas ninguém tinha atravessado ainda. A mulher que o tinha invocado cuspiu no chão. Ela tinha vestes brancas e cabelos pretos espetados.
― O que vocês estão esperando? Eles nos trazem a capa do Sacerdote-leitor Chefe e nos contam essa história maluca. São Kanes! Traidores! Provavelmente eles mesmos mataram Desjardins e Menshikov.
A voz de Amós soou por toda a Grande Sala:
― Sarah Jacobi! Você de todas as pessoas sabe que não é verdade. Você dedicou sua vida para estudar os caminhos do Caos. Você pode sentir o desencadeamento de Apófis, não é? E o retorno de Rá.
Amós apontou para as portas de vidro que conduziam ao convés. Eu não sei como ele o sentiu sem olhar, mas o barco do sol estava descendo, vindo para ancorar na piscina de Filipe da Macedônia.
Foi uma aterrissagem bastante impressionante. Zia e Walt estavam cada um de um lado do trono de fogo. Eles conseguiram sustentar Rá para que ele parecesse um pouco mais majestoso, com seu cajado e seu mangual em suas mãos, embora ele ainda tivesse um sorriso bobo no rosto.
Bastet, que estava parada na plataforma congelada em estado de choque, caiu de joelhos.
― Meu rei!
― Olá-á-á-á-á ― Rá disse. ― Adeee-us!
Eu não tinha certeza do que ele queria dizer, mas Bastet se atirou aos pés dele, de repente alarmada.
― Ele vai subir para os céus! ― disse. ― Walt, Zia, saiam!
Eles saíram bem na hora certa. O barco do sol começou a brilhar. Bastet se virou para mim e falou:
― Eu vou acompanhá-lo até os outros deuses! Não se preocupe. Voltarei em breve!
Ela pulou a bordo, e o barco do sol flutuava no céu, se transformando em uma bola de fogo. Então combinado com a luz do sol, desapareceu.
― Aqui está sua prova ― Amós anunciou. ― Os deuses e a Casa da Vida devem trabalhar juntos. Sadie e Carter estão certos. A Serpente não vai ficar no Duat por muito tempo, agora que quebrou suas correntes. Quem irá se juntar a nós?
Vários magos inimigos baixaram seus cajados e varinhas. A mulher de branco, Sarah Jacobi, rosnou:
― Os outros nomos nunca irão reconhecer seu pedido, Kane. Você está contaminado com o poder de Set! Vamos espalhar a palavra. Vamos deixá-los saber que você assassinou Desjardins. Eles nunca vão segui-lo!
Ela saltou através do portal. O homem de azul, Kwai, nos estudou com desprezo e seguiu Jacobi. Outros três o seguiram também, mas deixamos eles saírem em paz. Reverentemente, Amós tomou a capa de pele de leopardo das mãos de Carter.
― Pobre Michel.
Todos estavam reunidos em torno da estátua de Tot. Pela primeira vez, percebi o quanto o Grande Salão havia sido danificado. Paredes tinham sido quebradas, janelas estilhaçadas, as relíquias esmagadas, e a metade dos instrumentos musicais de Amós foram derretidos. Pela segunda vez em três meses, quase tínhamos destruído a Casa do Brooklyn. Isso tinha que ser um recorde. E ainda assim eu queria dar a todos no salão um grande abraço.
― Vocês foram brilhantes ― falei. ― Destruíram o inimigo em segundos! Se vocês podem lutar tão bem, como eles foram capazes de mantê-los presos a noite toda?
― Mas nós mal conseguimos mantê-los fora! ― disse Felix. Ele olhou intrigado para seu próprio sucesso. ― De madrugada, eu estava, tipo, totalmente sem energia.
Os outros concordaram severamente.
― E eu estava em coma ― disse uma voz familiar.
Jaz atravessou a multidão e abraçou Carter e eu. Era tão bom vê-la, que me senti ridícula por já ter sentido ciúmes dela e de Walt.
― Está tudo bem agora?
Eu segurei seus ombros e estudei seu rosto procurando qualquer sinal de doença, mas ela parecia habitualmente normal.
― Eu estou bem! ― disse. ― No meio da madrugada, acordei me sentindo ótima. Acho que logo que você chegou... Eu não sei. Alguma coisa aconteceu.
― O poder de Rá ― disse Amós. ― Quando ele acordou, ele trouxe nova vida, nova energia para todos nós. Ele revitalizou nosso espírito. Sem isso, teríamos falhado.
Me virei para Walt, sem ousar perguntar. Seria possível que ele tivesse sido curado também? Mas o olhar em seus olhos me disse que a oração não foi respondida. Suponho que ele podia sentir a dor em seus membros depois de fazer tanta magia.
As doninhas estão doentes, Rá repetiu muitas vezes. Eu não tinha certeza por que Rá estava tão interessado na condição de Walt, mas aparentemente ele estava até mesmo além do poder do deus sol para se curar.
― Amós ― disse Carter, interrompendo meus pensamentos ― o que Jacobi quis dizer com os outros nomos não reconhecerem seu pedido?
Eu não podia ajudá-lo. Suspirei e revirei os olhos para ele. Meu irmão consegue ser muito grosseiro às vezes.
― O quê? ― perguntou ele.
― Carter, você se lembra de nossa conversa sobre os magos mais poderosos do mundo? Desjardins era o primeiro. Menshikov era o terceiro. E você estava preocupado com quem poderia ser o segundo?
― Sim ― admitiu. ― Mas...
― E agora que Desjardins está morto, o segundo mago mais poderoso é o mago maispoderoso. E quem você acha que é?
Lentamente, os neurônios de seu cérebro devem ter disparado, que era a prova de que milagres podem acontecer. Ele se virou para olhar para Amós. Nosso tio assentiu solenemente.
― Temo que sim, crianças ― Amós colocou a capa de pele de leopardo em torno de seus ombros. ― Goste ou não, a responsabilidade da liderança cabe a mim. Eu sou o novo Sacerdote-leitor Chefe.

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