domingo, 18 de janeiro de 2015

A Pirâmide Vermelha - Sadie

Capítulo 24 - Explodo alguns sapatos de camurça azul

— ONDE ESTAMOS? — PERGUNTEI.
Era um local deserto, do lado de fora do portão de uma grande propriedade. Aparentemente, ainda estávamos em Memphis – pelo menos as árvores, o clima, a luz da tarde, tudo ainda era como antes.
A propriedade devia ter muitos hectares. O portão de ferro branco tinha belos desenhos de guitarristas e notas musicais. Além deles, a alameda se estendia sinuosa entre árvores, até uma casa de dois andares com um pórtico com colunas brancas.
— Ah, não — disse Carter. — Conheço aqueles portões.
— O quê? Por quê?
— Papai me trouxe aqui uma vez. A tumba de um grande mago... Tot devia estar brincando.
— Carter, do que está falando? Tem alguém enterrado aqui?
Ele assentiu.
— Estamos em Graceland, lar do músico mais famoso do mundo.
— Michel Jackson morava aqui?
— Não, tonta — respondeu Carter. — Elvis Presley.
Eu não sabia se ria ou se xingava.
— Elvis Presley. Ternos brancos com cristais, cabelos com gel e topete, a coleção de discos da vovó... esse Elvis?
Carter olhou em volta, nervoso. Ele sacou a espada, apesar de estarmos completamente sozinhos.
— Ele viveu e morreu aqui. Está enterrado atrás da mansão.
Eu olhei para a casa.
— Está me dizendo que Elvis era um mago?
— Não sei. — Carter segurava a espada. — Tot disse algo sobre a música ser um tipo de magia. Mas há algo errado aqui. Por que estamos sozinhos? Normalmente tem um bando de turistas.
— Férias de fim de ano? Natal?
— E a segurança?
— Não sei. Talvez seja como o que Zia fez em Luxor. Talvez Tot tenha removido todo mundo.
— Talvez.
Mas eu percebia que Carter ainda estava incomodado. Ele empurrou o portão, que se abriu com facilidade.
— Não está certo — murmurou.
— Não — concordei. — Mas vamos prestar nossa homenagem.
Enquanto caminhávamos pela alameda, não pude deixar de pensar que a casa do “Rei” não era lá muito impressionante. Comparada às de alguns ricos e famosos que eu tinha visto na televisão, a de Elvis era bem pequena. Tinha apenas dois andares, com aquela entrada com colunas brancas e tijolos na fachada. Leões de gesso ridículos ladeavam a escada. Talvez as coisas fossem mais simples nos tempos de Elvis, ou ele gastava todo o dinheiro que tinha em ternos brilhantes.
Paramos ao pé da escada.
— Papai trouxe você aqui? — perguntei.
— Sim. — Carter olhou para os leões como se esperasse que eles atacassem. — Papai adora blues e jazz, principalmente, mas ele disse que Elvis era importante porque tinha tornado a música afro-americana popular entre os brancos. Ele ajudou a inventar o rock. Enfim, papai e eu estávamos na cidade para um simpósio ou coisa parecida. Não lembro. Ele fez questão de me trazer aqui.
— Sorte sua.
E sim, talvez eu estivesse começando a entender que a vida de Carter com papai não tinha sido só glamour e férias, mas, ainda assim, não conseguia deixar de sentir certa inveja. Não que algum dia eu tenha desejado conhecer Graceland, é claro, mas papai nunca tinha feito questão de me levar a lugar algum, pelo menos até a visita ao British Museum, quando ele desapareceu. Eu nem sabia que papai era fã de Elvis, o que era bem assustador.
Subimos a escada. A porta da frente se abriu sozinha.
— Não gosto disso — comentou Carter.
Eu me virei para olhar para trás e meu sangue gelou. Agarrei o braço de meu irmão.
— Carter, falando em coisas de que não gostamos...
Dois magos brandindo cajados e varinhas chegavam pela alameda.
— Entre — disse Carter. — Depressa!
Eu não tive muito tempo de admirar a casa. Havia uma sala de jantar à nossa esquerda e uma sala de estar e música à direita, com um piano e um arco de vitrais decorados com pavões. Toda a mobília estava isolada por cordas. A casa cheirava a gente velha.
— Item de poder — lembrei. — Onde?
— Não sei. — Carter se irritou. — Eles não mostram “itens de poder” no tour de visitação.
Olhei pela janela. Os inimigos se aproximavam. O da frente vestia jeans, camisa preta sem mangas, botas e um velho chapéu de caubói. Parecia mais um fora da lei do que um mago. O amigo dele se vestia de maneira semelhante, porém era mais encorpado, calvo, com braços tatuados e uma barba irregular. Quando estavam a uns dez metros de distância, o homem de chapéu de caubói baixou seu cajado, que se transformou em um revólver.
— Ah, não! — gritei e empurrei Carter para dentro da sala de estar.
Um disparo atravessou a porta da frente e fez meus ouvidos zumbirem. Nós nos levantamos e corremos para o fundo da casa. Passamos por uma cozinha antiga depois pela saleta mais estranha que eu já vi. A parede do fundo era de tijolos cobertos com trepadeiras e uma fonte jorrando água. O carpete era verde e felpudo (no piso no teto, imagine) e a mobília era entalhada com sinistros desenhos de animais. Como se tudo isso já não fosse suficientemente horrível, macacos de gesso e leões de pelúcia ficavam estrategicamente espalhados pela sala.
Apesar do perigo que corríamos, o lugar era tão horroroso que tive de parar para olhar.
— Deus. Elvis não tinha nenhum bom gosto?
— A Sala da Selva — informou Carter. — Ele a decorou nesse estilo para irritar o pai.
— Isso é algo que posso respeitar.
Outro tiro ecoou na casa.
— Vamos nos separar — decidiu Carter.
— Péssima ideia!
Eu já ouvia os magos andando pela casa, derrubando coisas ao se aproximar.
— Vou distraí-los — avisou Carter. — Você procura. A sala de troféus fica logo ali.
— Carter!
Mas o idiota correu para me proteger. Odeio quando ele faz isso. Eu devia ter ido atrás dele ou ter corrido para o outro lado, mas fiquei paralisada, em choque, enquanto ele desaparecia empunhando a espada, o corpo começando a brilhar com uma luz dourada e... deu tudo errado.
Bum! Um lampejo verde-esmeralda derrubou Carter de joelhos. Por um instante, pensei que ele tivesse levado um tiro, e tive de sufocar um grito. Mas, imediatamente, Carter caiu e começou a encolher. As roupas, a espada, tudo se fundindo em uma tripinha verde.
O lagarto, que antes era meu irmão, correu em minha direção, subiu por minha perna até minha mão e me olhou desesperado.
Uma voz áspera soou na entrada da sala.
— Vamos nos separar e encontrar a irmã. Ela deve estar em algum lugar perto daqui.
— Ah, Carter — sussurrei com afeto para o lagarto. — Vou matar você por causa disso.
Eu o guardei no bolso e corri.
Os dois magos continuavam derrubando e quebrando objetos nos cômodos de Graceland, tombando móveis e destruindo peças. Aparentemente, não eram fãs de Elvis.
Eu passei por baixo de algumas cordas, rastejei por um corredor e encontrei a sala de troféus. Espantosamente, o lugar estava repleto deles. Discos de ouro cobriam as paredes. Os macacões brilhosos usados por Elvis eram mantidos em quatro redomas de vidro. A sala era pouco iluminada, provavelmente para que os ternos não ofuscassem os visitantes, e uma música tocava baixinho nos alto-falantes do teto: Elvis dizendo a alguém para não pisar em seus sapatos de camurça azul.
Olhei em volta, mas não vi nada que parecesse mágico. Os macacões? Esperava que Tot não pretendesse me fazer vestir um deles. Os discos de ouro? Lindos Frisbees, mas não.
— Jerrod! — uma voz chamou à minha direita.
Um mago se aproximava pelo corredor.
Eu corri para a saída oposta, mas uma voz respondeu vinda daquele lado:
— Estou aqui.
Eu estava cercada.
— Carter — sussurrei. — Maldito seja seu cérebro de lagarto.
Ele se agitou, nervoso, em meu bolso, mas isso não ajudava.
Vasculhei minha bolsa de magia e empunhei a varinha. Devia tentar traçar um círculo mágico? Não tinha tempo e não queria enfrentar dois magos mais velhos. Precisava continuar sendo capaz de me mover. Transformei a varinha em um cajado. Podia incendiá-lo, ou transformá-lo em um leão, mas de que adiantaria? Minhas mãos começaram a tremer. Eu queria me encolher e me esconder sob a coleção de discos de ouro de Elvis.
Deixe-me assumir, pediu Ísis. Posso transformar nossos inimigos em pó.
Não, respondi a ela.
Você vai nos matar.
Eu a sentia tentando se impor à minha vontade, tentando sair. Podia sentir sua fúria contra aqueles magos.
Como eles ousavam nos desafiar? Com uma palavra poderíamos destruí-los.
Não, pensei novamente. Depois, lembrei algo que Zia dissera: “Use o que estiver disponível.” A sala tinha iluminação fraca... talvez eu pudesse diminuí-la ainda mais.
— Escuridão — sussurrei.
Senti uma pressão no estômago e as luzes piscaram. A música parou. A luz continuava perdendo intensidade, até a luz do sol desapareceu das janelas, e todo o ambiente mergulhou na escuridão.
À minha esquerda, o primeiro mago bufou, irritado.
— Jerrod!
— Não fui eu, Wayne! — respondeu Jerrod. — Você sempre me culpa!
Wayne murmurou alguma frase em egípcio, ainda se deslocando em minha direção. Eu precisava distraí-lo.
Fechei os olhos e imaginei o ambiente que me cercava. Apesar da escuridão, conseguia ver Jerrod no corredor à esquerda, tropeçando às cegas. Senti Wayne do outro lado da sala, à direita, a poucos passos da porta. E conseguia visualizar as quatro redomas de vidro com as roupas do Elvis.
Estão revirando sua casa, pensei. Defenda-a!
A pressão no abdome aumentou, como se eu estivesse levantando um objeto muito pesado – e depois as redomas se abriram. Ouvi o farfalhar de tecido engomado, como velas de barco ao vento, e tive a vaga impressão de que quatro formas brancas estavam em movimento – duas delas se dirigiam às portas.
Wayne foi o primeiro a gritar quando as roupas vazias o atacaram. Sua arma iluminou a escuridão. À minha esquerda, Jerrod gritou, surpreso. Um baque surdo me informou que ele tinha sido derrubado. Decidi seguir na direção de Jerrod – melhor um mago desequilibrado que um armado. Passei pela porta e percorri o corredor, deixando Jerrod se debatendo atrás de mim e gritando:
— Largue-me! Solte-me!
Pegue-o enquanto ele está caído, Ísis me disse. Reduza-o a cinzas!
Em parte, eu sabia que ela estava com a razão. Se deixasse Jerrod inteiro, em pouco tempo ele estaria em pé e atrás de mim novamente. Mas não me parecia correto feri-lo, especialmente enquanto ele era atacado pelas roupas do Elvis. Encontrei uma porta e saí para a tarde ensolarada.
Estava no quintal de Graceland. Uma grande fonte gorgolejava perto de mim, cercada por lápides. No alto de uma delas havia uma chama dentro de uma redoma e muitas flores. Imaginei que fosse a sepultura de Elvis.
A tumba de um mago.
É claro. Havíamos vasculhado a casa, mas o item de poder estaria na sepultura. Mas o que exatamente seria esse item?
Antes que eu pudesse me aproximar do túmulo, a porta se abriu. O homem grande, careca e de barba irregular saiu cambaleando. Havia um traje de Elvis destruído pendendo de seu pescoço sobre as costas.
— Ora, ora. — O mago se livrou da roupa vazia. A voz confirmava que aquele era Jerrod. — É só uma menininha. Você nos causou muitos problemas, mocinha.
Ele baixou o cajado e disparou um raio de luz verde. Levantei minha varinha, que refletiu o raio. Ouvi um som de surpresa – o arrulhar de um pombo – e um lagarto recém-criado caiu a meus pés.
— Desculpe — eu disse à coisa.
Jerrod rosnou e jogou o cajado no chão. Ele devia ser especialista em lagartos, porque o transformou em um dragão-de-komodo do tamanho de um táxi londrino.
O monstro investiu contra mim com velocidade sobrenatural. Ele abriu as mandíbulas e teria me partido ao meio com uma mordida, e eu só tive tempo de enfiar meu cajado em sua boca.
Jerrod riu.
— Boa tentativa, menina!
Senti os dentes do dragão forçando o cajado. Era só uma questão de segundos até a madeira se partir, e então eu ia virar o lanchinho de um dragão-de-komodo. Uma ajudinha, eu disse a Ísis. Com cuidado, muito cuidado, tentei recorrer ao poder dela. Usá-lo sem permitir que ela assumisse o comando era como me equilibrar sobre uma prancha em uma onda gigantesca, tentando desesperadamente me manter em pé. Senti cinco mil anos de experiência, conhecimento e poder me inundando. Ela me ofereceu alternativas, e escolhi a mais simples. Canalizei o poder para o cajado e senti que ele esquentava entre minhas mãos, emitindo uma luz branca. O dragão sibilou e gorgolejou enquanto meu cajado se alongava, forçando a criatura a abrir ainda mais a boca, mais, mais, até que... bum!
O dragão explodiu e uma chuva de pedaços do cajado de Jerrod me atingiu.
Jerrod só teve um instante para observar aquilo, perplexo, até que arremessei minha varinha-bumerangue e o acertei na testa. Os olhos dele reviraram, e ele caiu. A varinha voltou para minha mão.
Esse teria sido um lindo final feliz... se eu não tivesse esquecido Wayne. O mago de chapéu de caubói cambaleou porta afora, quase tropeçando no amigo, mas se recuperou espantosamente depressa.
Ele gritou “Vento!”, e meu cajado foi arrancado de minhas mãos, para ir parar nas dele.
Wayne sorriu com crueldade.
— Lutou bem, queridinha. Mas a magia elementar é sempre mais rápida.
Ele bateu com os dois cajados, o dele e o meu, no chão. Uma onda ergueu-se no piso como se ele fosse líquido, derrubando-me e jogando longe minha varinha. Recuei engatinhando, mas ouvia Wayne recitando um encantamento, conjurando fogo com os cajados.
Corda, disse Ísis. Todo mago carrega uma corda.
O pânico tinha esvaziado minha mente, mas minha mão buscou instintivamente a bolsa de magia. Tirei dali o barbante enrolado. Não era uma corda, nem era um fio muito comprido, mas despertou em mim uma lembrança – algo que Zia havia feito no British Museum. Joguei-o na direção de Wayne e gritei uma palavra sugerida por Ísis.
— Tas!
Um hieróglifo dourado brilhou sobre a cabeça de Wayne:
O barbante lançou-se até ele como uma serpente furiosa, adquirindo comprimento e espessura enquanto voava. Os olhos de Wayne se arregalaram. Ele recuou e projetou jatos de fogo dos dois cajados, mas o barbante era rápido demais. Enroscado em seus tornozelos, derrubou-o de lado e envolveu todo seu corpo, até que ficasse preso num casulo de barbante, apenas a cabeça de fora. O mago se debatia e gritava, chamando-me de nomes nada lisonjeiros.
Eu me levantei, cambaleando. Jerrod ainda estava inconsciente. Recuperei meu cajado, que tinha caído perto de Wayne. Ele ainda lutava contra o barbante e praguejava em egípcio, o que soava estranho com seu sotaque do sul dos Estados Unidos.
Acabe com ele, Ísis me avisou. Ele ainda consegue falar. E não vai descansar enquanto não destruí-la.
— Fogo! — gritou Wayne. — Água! Queijo!
Nem o comando do queijo funcionou. Percebi que a fúria desequilibrava sua magia, impossibilitando a concentração, mas sabia que ele se recuperaria depressa.
— Silêncio — pronunciei.
De repente, a voz de Wayne parou de funcionar. Ele ainda movia os lábios, mas nenhum som saía de sua garganta.
— Não sou sua inimiga — comecei. — Mas também não posso permitir que me mate.
Alguma coisa se mexeu em meu bolso e me lembrei de Carter. Tirei-o de lá. Ele parecia bem, exceto, é claro, por ainda ser um lagarto.
— Vou tentar reverter a transformação — falei. — Espero não piorar a situação.
Ele emitiu um ruído que não sugeria muita confiança.
Fechei os olhos e imaginei Carter como ele devia ser: um menino alto, de quatorze anos, malvestido, bastante humano e muito irritante. Carter começou a pesar em minha mão. Eu o coloquei no chão e vi o lagarto ganhar uma forma vagamente humana. Em três segundos meu irmão estava deitado de bruços, a espada e a bolsa ao lado dele no gramado.
Carter cuspiu um tufo de grama.
— Como fez isso?
— Não sei — confessei. — Você só parecia estar... errado.
— Muito obrigado.
Ele se levantou e verificou se todos os seus dedos estavam no lugar. Depois, quando viu os dois magos, ficou boquiaberto.
— O que fez com eles?
— Amarrei um e nocauteei o outro. Magia.
— Não, quer dizer...
Ele hesitou, procurando as palavras, depois desistiu e apontou.
Olhei para os magos e gritei. Wayne não se movia. Os olhos e a boca estavam abertos, mas ele não piscava nem respirava. Ao lado, Jerrod parecia igualmente paralisado. Diante de nossos olhos, a boca deles começou a brilhar como se estivesse cheia de fósforos acesos. Duas pequenas esferas amarelas de fogo brotaram de seus lábios e flutuaram no ar, desaparecendo sob a luz do sol.
— O que... O que era aquilo? — gaguejei. — Eles morreram?
Carter aproximou-se deles com cuidado e tocou o pescoço de Wayne.
— Nem parece pele. Parece pedra.
— Não, eles eram humanos! Eu não os transformei em pedra!
Carter pôs a mão na testa de Jerrod, onde eu o acertara com minha varinha-bumerangue.
— Está rachada.
— O quê?
Ele pegou a espada. Antes que eu pudesse gritar, meu irmão bateu com o cabo no rosto de Jerrod, e a cabeça do mago se partiu em cacos, como um vaso de cerâmica.
— Argila. Os dois são shabti — concluiu Carter.
Ele chutou o braço de Wayne e ouvi o estalo sob o barbante.
— Mas eles recitavam encantamentos — argumentei. — E falavam. Eram reais!
Vimos os shabti se transformarem em pó, restando apenas um emaranhado de barbante, dois cajados e algumas roupas amarrotadas.
— Tot estava nos testando — supôs Carter. — Mas aquelas bolas de fogo... — Ele se concentrou como se tentasse lembrar algo importante.
— Provavelmente, era a magia que os animava — sugeri — que voltou para o mestre deles, como um relatório do que fizeram.
Para mim, essa teoria parecia muito lógica e consistente, mas Carter ainda estava preocupado. Ele apontou para a porta dos fundos, destruída.
— A casa inteira ficou daquele jeito?
— Pior.
Olhei para os trajes de Elvis arruinados sob as roupas de Jerrod e para as contas brilhantes espalhadas pelo chão. Elvis podia ter mau gosto, mas eu me sentia mal por ter destruído o palácio do Rei. Se o lugar era importante para meu pai... De repente, uma ideia me animou.
— O que Amós disse quando consertou aquele prato?
Carter franziu o cenho.
— Não se trata de um prato, Sadie. É uma casa inteira.
— Lembrei! Foi hi-nehm!
Um hieróglifo dourado ganhou vida na palma de minha mão. Eu a ergui e soprei o símbolo na direção da casa. Todo o contorno de Graceland começou a brilhar. Os pedaços da porta voaram de volta a seus lugares e se juntaram com perfeição. Os restos das roupas de Elvis desapareceram.
— Uau — murmurou Carter. — Acha que o interior também foi consertado?
— Eu...
Minha visão ficou turva, meus joelhos dobraram. Eu teria caído e batido a cabeça no chão se Carter não tivesse me amparado.
— Tudo bem. Você fez um feitiço enorme, Sadie. Foi fabuloso.
— Mas não encontramos o que Tot nos mandou procurar.
— Sim, talvez tenhamos encontrado.
Ele apontou para o túmulo de Elvis e eu vi claramente: um objeto deixado por algum fã fervoroso – um colar cujo pingente era uma cruz com uma alça ovalada na parte superior, igual à que vi na camiseta de minha mãe, em uma fotografia antiga.
— Um ankh. — Mostrei a ele. — O símbolo egípcio da vida eterna.
Carter pegou o colar. Havia um papiro pequenino preso à corrente.
— O que é isso? — sussurrou ele, desenrolando a folha.
Ele a olhava tão intensamente que tive medo de que seus olhos fizessem um furo no papel.
— O que é? — Tentei olhar por cima do ombro de meu irmão.
A pintura parecia antiga. Retratava um gato dourado de pelo malhado segurando uma faca com uma das patas, cortando a cabeça de uma cobra.
Embaixo, com tinta preta, alguém escrevera: “Continue lutando!”
— Isso é vandalismo, não é? — perguntei. — Rabiscar um desenho antigo como esse! E que coisa estranha para deixar para Elvis.
Carter nem parecia me ouvir.
— Já vi esse desenho. Está em muitas sepulturas. Não sei por que nunca me ocorreu...
Estudei a imagem com mais atenção. Algo nela me parecia familiar.
— Sabe o que significa? — perguntei.
— É o Gato de Rá, enfrentando o maior inimigo do deus sol: Apófis.
— A cobra — lembrei.
— Sim, Apófis era...
— A personificação do caos — completei, lembrando o que Nut dissera.
Carter parecia impressionado, e devia mesmo estar.
— Exatamente. Apófis era ainda pior que Set. Os egípcios acreditavam que o Dia do Juízo chegaria quando Apófis comesse o sol e destruísse toda a Criação.
— Mas... o gato a matou — sugeri, esperançosa.
— O gato teve de matá-la muitas e muitas vezes. É como o que Tot disse sobre padrões que se repetem. A questão é que... uma vez perguntei a papai se o gato tinha nome. Ele respondeu que ninguém sabe ao certo, mas que muitas pessoas deduzem que seja Sekhmet, a poderosa deusa leoa. Ela era chamada de Olho de Rá, porque fazia seu trabalho sujo. Ele via o inimigo, ela o matava.
— Tudo bem. E daí?
— E daí que o gato não parece Sekhmet. Acabou de me ocorrer...
Finalmente percebi, e um arrepio percorreu minhas costas.
— O Gato de Rá parece Muffin. É Bastet.
O chão tremeu. A fonte perto da sepultura começou a brilhar, e um portal escuro se abriu.
— Vamos — chamei. — Tenho algumas perguntas para Tot. E depois, vou dar um soco naquele bico.

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