segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Trono de Fogo - Carter

Capítulo 2 - Domesticamos um beija-flor de três mil quilos

HÁ ALGUNS MESES, as coisas teriam sido diferentes. Sadie poderia ter dito uma única palavra e causado uma explosão de nível militar. Eu poderia ter me revestido de um avatar mágico de combate, e quase nada teria sido capaz de me derrotar. Mas isso foi quando éramos totalmente mesclados com os deuses – Hórus para mim, Ísis para Sadie. Nós desistimos desse poder porque era demasiado perigoso. Até termos um melhor controle de nossas próprias capacidades, encarnar deuses egípcios poderia nos deixar loucos ou, literalmente sermos incinerados.
Agora tudo o que sobrou foi a nossa própria magia limitada. Isso tornou mais difícil de fazer coisas importantes – como sobreviver quando um monstro ganha vida e quer nos matar.
O grifo apareceu pronto para lutar. Era o dobro do tamanho de um leão normal, seu pelo dourado-avermelhado revestido com pó de calcário. Sua cauda era repleta de plumas espetadas que pareciam tão duras e afiadas como punhais. Com um simples toque, ele pulverizou a laje de pedra de onde saiu. Suas asas estavam eriçadas em linha reta, e até agora alinhadas sobre o seu dorso. Quando o grifo se movia, elas se agitavam tão rápido que se turvavam e zumbiam como as asas do maior e mais cruel beija-flor do mundo. O grifo fixou seus olhos famintos em Sadie. Chamas brancas ainda envolviam sua mão e o pergaminho, e o grifo pareceu encarar isso como uma espécie de desafio. Eu já ouvi um monte de gritos de falcão – hey, eu fui um falcão uma ou duas vezes – mas quando isso abriu o bico, ele soltou um grito que sacudiu as janelas e arrepiou os meus cabelos.
― Sadie ― eu disse ― solte o pergaminho.
― Oláaa? Está preso na minha mão! ― ela protestou. ― E eu estou pegando fogo! Eu mencionei isso?
Chamas do fogo fantasma estavam agora queimando em todas as janelas e artefatos. O pergaminho parecia ter disparado cada reserva de magia egípcia na sala, e eu tinha certeza que era ruim.
Walt e Jaz ficaram congelados em estado de choque. Suponho que não poderia culpá-los. Este foi o primeiro monstro real deles. O grifo deu um passo em direção à minha irmã.
Eu estava ombro a ombro com ela e fiz o único truque mágico que eu conhecia bem. Alcancei o Duat e puxei minha espada fora do ar rarefeito – uma khopesh egípcia com uma lâmina perversamente afiada, em forma de gancho.
Sadie parecia muito boba com a mão e o pergaminho pegando fogo, como uma estátua da Liberdade superentusiasmada, mas com a mão livre, ela conseguiu chamar sua principal arma ofensiva – um cajado de um metro e meio de comprimento esculpido com hieróglifos.
Sadie perguntou:
― Alguma dica de como lutar com grifos?
― Evite as partes afiadas? ― chutei.
― Brilhante. Obrigada por isso.
― Walt ― chamei. ― Verifique as janelas. Veja se pode abri-las.
― M-mas elas estão amaldiçoadas.
― Eu sei ― respondi. ― Mas se tentarmos sair pelo salão de baile, o grifo vai nos comer antes de chegarmos lá.
― Vou verificar as janelas.
― Jaz, ajude Walt ― falei.
― Essas marcas no vidro ― Jaz murmurou. ― E-eu as vi antes.
― Apenas faça!
O grifo avançou com suas asas zumbindo como serras elétricas. Sadie lançou seu cajado e em pleno voo, ele se transformou em um tigre com as garras afiadas prontas para o ataque.
O grifo não ficou impressionado. Ele bateu o tigre de lado, em seguida atacou com velocidade anormal, abrindo impossivelmente seu bico. SNAP. O grifo mordeu e o tigre sumiu, restando um cajado quebrado.
― Esse era meu cajado favorito! ― Sadie lamentou.
O grifo virou seus olhos para mim. Segurei firme minha espada. A lâmina começou a brilhar. Eu desejei que ainda tivesse a voz de Hórus dentro da minha cabeça, aconselhando-me. Ter um deus da guerra pessoal torna mais fácil fazer as coisas estupidamente corajosas.
― Walt! Como está indo com essa janela?
― Ainda tentando ― disse ele.
― E-espere ― Jaz disse nervosamente. ― Esses são os símbolos da deusa Sekhmet. Walt pare!
Então, várias coisas aconteceram de uma vez. Walt abriu a janela, e uma onda de fogo branco rugiu por cima dele, derrubando-o ao chão. Jaz correu para seu lado. O grifo logo perdeu o interesse em mim. Como todo bom predador, ele se concentra no alvo móvel – Jaz – e investiu contra ela.
Eu gelei. Mas, em vez de atacar nossos amigos, o grifo passou por Walt e Jaz e bateu na janela. Jaz puxou Walt para fora do caminho enquanto o grifo ficou louco, batendo e mordendo as chamas brancas. Ele estava tentando atacar o fogo. O grifo ficou fora de controle. Ele girou, batendo em um sarcófago com um shabti exposto. Sua cauda quebrou o sarcófago em pedaços.
Eu não tenho certeza do que se apossou de mim, mas eu gritei: "Pare com isso!"
O grifo congelou. Ele se virou para mim, grasnando em irritação. Uma cortina de fogo branco correu para longe e queimou o canto da sala, quase como se ele estivesse se reagrupando. Então eu observei outras chamas se unindo, formando contornos lembrando vagamente humanos. Um olhou para mim, e eu senti uma aura inconfundível de malícia.
― Carter, fique atento.
Sadie, aparentemente, não tinha notado as formas de fogo. Seus olhos ainda estavam fixos no grifo, enquanto puxava um pedaço de fio mágico do seu bolso.
― Se eu pudesse apenas chegar perto o suficiente...
― Espere Sadie.
Tentei processar o que estava acontecendo. Walt estava deitado de costas tremendo. Seus olhos estavam com um brilho branco, como se o fogo tivesse entrado neles. Jaz se ajoelhou ao seu lado, murmurando um feitiço de cura.
RAAAWK!
O grifo grasnou melancolicamente como se estivesse pedindo permissão – como se tivesse obedecido à minha ordem para parar, mas não tivesse gostado nada disso. Os contornos ardentes estavam ficando mais brilhantes e mais sólidos. Eu contei sete figuras em chamas, lentamente formando pernas e braços.
Sete figuras... Jaz tinha dito algo sobre os símbolos da deusa Sekhmet. Pavor pairou sobre mim quando eu percebi que tipo de maldição estava realmente protegendo o museu. A libertação do grifo havia sido acidental. Ele não era o real problema. Sadie jogou seu fio.
― Espere! ― Eu gritei, mas já era tarde demais.
O fio mágico chicoteou através do ar, prolongando-se em uma corda enquanto correu em direção ao grifo. O grifo gritou indignado e pulou em direção às formas de fogo. As criaturas de fogo se espalharam, e um jogo de pega-pega de total aniquilação começou.
O grifo zumbia ao redor da sala, agitando suas asas. Vitrines destruídas. Alarmes mortais soando. Gritei para o grifo parar, mas desta vez não adiantou. Com o canto do meu olho, eu vi Jaz cair, talvez por causa do esforço do seu feitiço de cura.
― Sadie ― eu gritei. ― Ajude-a!
Sadie correu para o lado de Jaz. Eu persegui o grifo. Eu provavelmente parecia um idiota total de pijama preto com minha espada brilhante, tropeçando em artefatos quebrados e gritando ordens para um beija-flor-gato gigante.
Justamente quando eu pensei que as coisas não poderiam ficar piores, meia dúzia dos convidados da festa apareceram para ver o que o era o barulho. Suas bocas se abriram. Uma senhora com um vestido cor de pêssego gritou. As sete criaturas de fogo branco dispararam em linha reta na direção dos convidados do casamento, que imediatamente desabaram.
Os incêndios continuaram, girando em torno da sala para o salão de baile. O grifo voou atrás deles. Olhei para trás para Sadie, que estava ajoelhado sobre Jaz e Walt.
― Como eles estão?
― Walt está acordando ― disse ela ― mas Jaz está inconsciente.
― Sigam-me quando puderem. Eu acho que posso controlar o grifo.
― Carter, você está louco? Nossos amigos estão feridos e eu tenho um pergaminho em chamas preso na minha mão. A janela está aberta. Ajude-me a tirar Jaz e Walt daqui!
Ela tinha um bom argumento. Esta poderia ser nossa única chance de tirar os nossos amigos de lá vivos. Mas eu também sabia o que aqueles sete incêndios eram agora, e eu sabia que se não fosse atrás deles, muitas pessoas inocentes iriam se machucar. Murmurei uma maldição egípcia – do tipo xingando, não do tipo mágica – e corri para participar da festa de casamento.
O salão principal estava em caos. Os convidados estavam correndo por toda parte, gritando e derrubando mesas. Um cara em um smoking tinha caído no bolo de casamento e estava rastejando com uma decoração plástica de noivinhos preso à sua traseira. Um músico estava tentando fugir com um tambor de corda em seu pé.
Os fogos brancos se solidificaram o suficiente para que eu pudesse enxergar as suas formas – em algum lugar entre caninos e humanos, com braços compridos e pernas tortas. Elas brilhavam como gasolina superaquecida enquanto corriam pelo salão, circundando os pilares que rodeavam a pista de dança. Um atravessou uma dama de honra. Os olhos da senhora ficaram branco leitosos, e ela caiu no chão, tremendo e tossindo.
Eu me senti perdido dentro do baile. Não sabia qualquer magia que poderia lutar contra essas coisas, e se uma deles me tocasse... De repente, o grifo desceu do nada, seguido de perto pela corda mágica de Sadie que ainda estava tentando laçá-lo. O grifo abocanhou uma das criaturas de fogo em um único gole e continuou voando. Nuvens de fumaça saíam de suas narinas, mas por outro lado, comer o fogo branco não pareceu incomodá-lo.
― Hey! ― Eu gritei.
Tarde demais, percebi o meu erro. O grifo se virou para mim, o que reduziu a sua velocidade o suficiente para a corda mágica de Sadie se embrulhar em torno de suas patas traseiras.
SQUAWWWWK!
O grifo caiu em uma mesa de Buffet. A corda cresceu mais, enrolando em torno do corpo do monstro, enquanto suas asas retalhavam em alta velocidade a mesa, o chão e os pratos de sanduíches, como um picador de madeira fora de controle. Os convidados do casamento começaram a desobstruir o salão. A maioria correu para os elevadores, mas dezenas ficaram inconscientes ou agitados em acessos, seus olhos brancos brilhando. Outros ficaram presos sob pilhas de escombros.
Alarmes estavam tocando, e as chamas brancas – seis delas agora – estavam ainda completamente fora de controle. Corri para o grifo, que estava rolando, tentando em vão cortar a corda.
― Calma! ― Eu gritei. ― Deixe-me ajudá-lo, estúpido!
FREEEEK!
O rabo do grifo se impulsionou sobre a minha cabeça e por pouco não me decapitou. Eu respirei fundo. A princípio, eu era um mágico de combate. Nunca tinha sido bom em feitiços com hieróglifos, mas apontei minha espada para o monstro e disse:
― Ha-tep.
Um hieróglifo verde – o símbolo de Esteja em paz – queimou no ar, à direita na ponta da lâmina. O grifo parou de se debater. O zumbido de suas asas abrandou. Caos e gritos ainda enchiam o salão de baile, mas eu tentei manter a calma enquanto me aproximava do monstro.
― Você me reconhece, não é?
Eu estendi minha mão, e outro símbolo ardia em cima da minha palma, um símbolo que eu sempre poderia invocar, o Olho de Hórus.
― Você é um animal sagrado de Hórus, não é? É por isso que me obedece.
O grifo piscou para marca do deus da guerra. Ele agitou seu pescoço emplumado e gritou em reclamação, contorcendo-se sob a corda que estava lentamente envolvendo seu corpo.
― Sim, eu sei. Minha irmã é uma perdedora. Aguente firme. Vou desamarrar você.
Em algum lugar atrás de mim, Sadie gritou “Carter!” Eu me virei e vi Walt e ela tropeçando, vindo em minha direção, transportando Jaz entre eles. Sadie ainda dava impressão de ser a Estátua da Liberdade, mantendo o pergaminho flamejante em uma mão. Walt estava em pé e seus olhos não estavam mais brilhantes, mas Jaz estava caída como se todos os ossos de seu corpo tivessem se transformado em geleia. Eles se esquivaram de um espírito de fogo e de alguns convidados loucos do casamento e de alguma forma atravessaram o salão.
Walt olhou o grifo.
― Como você o acalmou?
― Grifos são servos de Hórus ― respondi. ― Eles puxavam sua carruagem na batalha. Eu acho que ele reconheceu minha conexão com ele.
O grifo gritou impaciente e debateu a sua cauda, derrubando uma coluna de pedra.
― Não muito calmo ― Sadie observou.
Ela olhou para a cúpula de vidro quarenta metros acima, onde a pequena figura de Khufu estava acenando freneticamente para nós.
― Precisamos tirar Jaz daqui, agora ― disse ela.
― Estou bem ― Jaz murmurou.
― Não, você não está ― Walt replicou. ― Carter, ela tirou esse espírito de mim, mas isso quase a matou. É um tipo de doença demônio.
― Bau ― eu disse. ― Um espírito maligno. Estes sete são chamados...
― As Flechas de Sekhmet ― Jaz completou, confirmando os meus medos. ― Eles são espíritos praga, nascidos da deusa. Eu posso pará-los.
― Você pode descansar ― Sadie interviu.
― Certo ― eu disse. ― Sadie, tire a corda fora do grifo e...
― Não há tempo ― Jaz apontou.
Os bau estavam ficando maiores e mais brilhantes. Mais convidados do casamento estavam caindo enquanto os espíritos chicoteavam ao redor da sala indisputados.
― Eles vão morrer se eu não parar os bau. Sou capaz de canalizar o poder da deusa Sekhmet e forçá-los a voltar ao Duat. É para o que eu venho treinando.
Eu hesitei. Jaz nunca tinha experimentado magia tão grande. Ela já estava fraca por curar Walt. Mas ela foi treinada para isso. Pode parecer estranho que os curandeiros estudem o caminho de Sekhmet, mas desde que Sekhmet era a deusa da destruição, pragas e fome, fazia sentido que os curandeiros aprendessem a controlar suas forças – incluindo bau. Além disso, mesmo que eu libertasse o grifo, eu não estava cem por cento certo de que poderia controlá-lo. Havia uma boa chance de que ele iria ficar animado e engolir-nos, em vez dos espíritos. Lá fora, as sirenes da polícia estavam ficando mais altas. Nós estávamos correndo contra o tempo.
― Não temos escolha ― Jaz insistiu.
Ela puxou a varinha e então – em grande parte para o choque da minha irmã – deu um beijo na bochecha de Walt.
― Vai ficar tudo bem, Walt. Não desista.
Jaz pegou algo mais de seu saco mágico – uma estátua de cera – e apertou isso na mão livre da minha irmã.
― Você vai precisar disso em breve, Sadie. Desculpe-me, eu não posso te ajudar mais. Você saberá o que fazer quando chegar a hora.
Eu não acho que eu já vi Sadie perder as palavras desta forma. Jaz correu para o centro do salão de baile e tocou sua varinha no chão, desenhando um círculo de proteção em torno de seus pés. De sua bolsa, ela retirou uma pequena estátua da deusa Sekhmet, a sua deusa patrona, e segurou no alto. Ela começou a cantar. Uma luz vermelha brilhava ao seu redor. Gavinhas da energia se espalharam a partir do círculo, enchendo a sala como os galhos de uma árvore. As gavinhas começaram a girar, primeiro lentamente, então aumentando a velocidade até que a mágica arrastou os bau, forçando-os a voar na mesma direção e atraindo-os para o centro. Os espíritos gritaram, tentando lutar contra o feitiço. Jaz cambaleou, mas continuou cantando, com o rosto pontilhado com o suor.
― Nós não podemos ajudá-la? ― Walt perguntou.
RAWWWWK! gritou o grifo, o que provavelmente significava Oláaaaaaaa! Eu ainda estou aqui!
As sirenes soaram agora como se estivessem à porta do edifício. No final do corredor, perto dos elevadores, alguém gritava em um megafone, ordenando à última leva de convidados do casamento que saíssem do prédio, como se eles precisassem de incentivo.
A polícia chegou e se nós fossemos presos, esta situação iria ser difícil de explicar.
― Sadie prepare-se para soltar a corda do grifo. Walt, você ainda tem seu amuleto barco?
― Meu....? Sim. Mas não há água.
― Apenas convoque o barco!
Eu busquei nos meus bolsos e encontrei meu próprio fio mágico. Falei um encanto e de repente estava segurando uma corda de vinte metros de comprimento. Fiz uma laçada solta no meio, como uma gravata enorme e cuidadosamente aproximei-me do grifo.
― Eu só vou colocar isso em seu pescoço ― falei. ― Não perca o controle.
FREEEEK!
Eu me aproximei consciente de quão rápido o bico poderia agarrar-me se quisesse, mas consegui fazer um laço da corda em volta do pescoço do grifo. Então algo deu errado. O tempo desacelerou. O turbilhão de gavinhas vermelhas do feitiço de Jaz mudou lentamente, como se o ar tivesse se transformado em calda. Os gritos e sirenes desbotaram para um rugido distante.
Você não terá sucesso, uma voz assobiou.
Virei-me e encontrei-me cara a cara com um bau, pairando no ar a poucos centímetros de distância, sua chama branca característica quase entrando em foco, parecia sorrir, e eu podia jurar que tinha visto seu rosto antes.
O caos é muito poderoso, rapaz, disse. O mundo gira fora de seu controle. Desista de sua missão!
― Cale a boca ― murmurei, mas meu coração estava batendo a mil.
Você nunca vai encontrá-la, o espírito escarneceu. Ela dorme no Lugar de Areia Vermelha, mas ela vai morrer lá se você seguir com sua busca inútil.
Eu senti como se uma tarântula se arrastasse nas minhas costas. O espírito estava falando sobre Zia Rashid – a Zia real, que eu estava procurando desde o Natal.
― Não ― eu disse. ― Você é um demônio, um mentiroso.
Você pode fazer melhor, garoto. Nós já nos conhecemos antes.
― Cale a boca!
Convoquei o Olho de Hórus, e o espírito sibilou. O tempo acelerou novamente. As gavinhas vermelhas do feitiço de Jaz estavam envolvidas em torno dos bau e puxou-os gritando para o turbilhão. Ninguém parecia ter notado o que aconteceu.
Sadie estava jogando na defensiva, golpeando um bau com seu pergaminho chamejante, sempre que se aproximava. Walt arrumou o seu amuleto de barco no chão e falou a palavra de comando.
Em questão de segundos, como um daqueles loucos brinquedos de esponja que expandem na água, o amuleto cresceu para um barco de junco de tamanho egípcio, em frente às ruínas da mesa do buffet. Com as mãos tremendo, tomei as duas extremidades da nova gravata do grifo e amarrei uma extremidade na proa do bote e outro na popa.
― Carter olha! ― Sadie chamou.
Eu me virei a tempo de ver um relâmpago de ofuscante luz vermelha. O vórtice interior desmoronou, sugando todos os seis bau dentro do círculo de Jaz. A luz morreu. Jaz desmaiou, a varinha e a estátua Sekhmet se esmigalharam em poeira em suas mãos. Nós corremos para ela. Suas roupas estavam emitindo fumaça. Eu não pude dizer se ela estava respirando.
― Leve-a para o barco ― ordenei. ― Temos que sair daqui.
Eu ouvi um grunhido minúsculo longe acima de nós. Khufu tinha aberto a cúpula. Ele apontava urgentemente enquanto holofotes varriam o céu acima dele. O museu estava provavelmente cercado por veículos de emergência. Todos ao redor do salão, os convidados aflitos estavam começando a recuperar a consciência. Jaz tinha os salvado, mas a que custo? Nós a transportamos para o barco e subimos.
― Segurem-se firme ― avisei. ― Essa coisa não é estável. Se virar...
― Hey! ― uma voz masculina gritou atrás de nós. ― O que vocês estão... Ei! Parem!
― Sadie, a corda, agora! ― eu disse.
Ela estalou os dedos, e a corda emaranhada no grifo se dissolveu.
― VAI! ― gritei. ― SUBA!
FREEEEK!
O grifo bateu suas asas. Nós balançamos no ar, o barco balançando loucamente, e disparamos em linha reta para a cúpula aberta. O grifo mal pareceu notar o nosso peso extra. Ele subiu muito rápido, Khufu teve que dar um salto voador para chegar a bordo. Puxei-o para o barco, e nós nos seguramos desesperadamente, tentando não capotar.
― Agh!  Khufu reclamou.
― Sim ― concordei. ― Tanta coisa para um trabalho fácil.
Então novamente, nós somos a família Kane. Este foi o dia mais fácil que iríamos ter por um bom tempo. De alguma forma, nosso grifo sabia o caminho certo a seguir. Ele gritou em triunfo e subiu para a noite fria e chuvosa.
Enquanto voávamos para casa, o pergaminho de Sadie queimou brilhante. Quando olhei para baixo, fantasmagóricas chamas brancas ardiam em todos os telhados do Brooklyn. Comecei a me perguntar exatamente o que tínhamos roubado – se foi mesmo o objeto certo, ou se ele só tornara nossos problemas ainda piores. De qualquer maneira, eu tinha a sensação de que nossa sorte seria finalmente empurrada para bem longe.

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