segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A Pirâmide Vermelha - Carter

Capítulo 38 - A Casa sente-se em casa

ERA UMA LUTA DE VIDA OU MORTE, e eu me sentia ótimo.
Cada movimento era perfeito. Cada golpe era tão divertido que eu tinha vontade de gargalhar. Set cresceu até se tornar maior do que eu, e seu cajado de ferro tinha o tamanho do mastro de um barco. Seu rosto tremulava e mudava, às vezes humano, às vezes o focinho feroz do animal Set.
Lutamos, espada contra cajado, e faíscas voavam. Ele me desequilibrou, e fui jogado em uma das estátuas de animal, que caiu e quebrou. Recuperei o equilíbrio e ataquei, acertando a lâmina em um vão de sua armadura na altura do ombro. Ele urrou enquanto o sangue negro jorrava da ferida.
Set moveu o cajado e eu rolei, antes que o golpe pudesse abrir minha cabeça. O cajado bateu contra o chão. Continuamos lutando, derrubando pilares e paredes, arrancando pedaços de teto, até que percebi Sadie gritando, para chamar minha atenção.
Ela tentava impedir que Amós e Zia fossem destruídos. Tinha desenhado no chão um círculo protetor, que desviava os escombros, mas compreendi a preocupação dela: mais um pouco e a sala do trono inteira desmoronaria, esmagando todos nós. Duvidei de que Set pudesse sair muito ferido. Ele já devia estar contando com isso. Queria nos sepultar ali.
Eu precisava levá-lo para fora. Talvez, se tivesse tempo, Sadie conseguisse tirar o caixão com nosso pai da base daquele trono. Então, lembrei como Bastet descrevera sua luta contra Apófis: enfrentar o inimigo pela eternidade.
Sim, Hórus concordou.
Ergui o punho e canalizei uma explosão de energia para a passagem no teto, abrindo caminho até que a luz vermelha novamente entrasse. Em seguida, soltei a espada e lancei-me contra Set. Eu o agarrei pelos ombros, tentando segurá-lo como um lutador. Ele tentava me acertar, mas o cajado era inútil a uma distância tão pequena. Grunhindo, Set largou a arma e então agarrou meus braços. Ele era muito mais forte do que eu, mas Hórus conhecia alguns movimentos muito bons. Eu me virei e consegui ficar atrás de Set, com um braço sob o dele e o outro segurando seu pescoço. Cambaleamos para a frente e quase tropeçamos no escudo de Sadie.
Agora o pegamos, pensei. O que fazemos?
Ironicamente, foi Amós quem me deu a resposta. Lembrei como ele tinha me transformado em uma tempestade, vencendo meu controle mental com a força de seu pensamento. Minha mente e a dele tinham travado uma batalha rápida, mas ele impôs sua vontade com absoluta confiança, imaginando-me uma nuvem escura e carregada, e eu me transformei exatamente nisso.
Você é um morcego de frutas, eu disse a Set.
Não!, a mente dele gritava, mas eu o tinha surpreendido. Podia sentir sua confusão, e a usei a meu favor. Era fácil imaginá-lo como um morcego, já que eu tinha visto Amós com essa forma quando estava possuído por Set. Imaginei meu inimigo encolhendo, ganhando asas coriáceas e um rosto ainda mais feio.
Eu também encolhi até me tornar um falcão, com um morcego de frutas em minhas garras. Não havia tempo a perder: decolei buscando a abertura no teto, lutando contra o morcego e voando em círculos, tentando me esquivar de suas mordidas. Finalmente, saímos para céu aberto, e lá, junto à pirâmide vermelha, voltamos à forma de guerreiros.
Eu estava em pé na lateral inclinada, pouco confiante. O braço direito de meu avatar tremeluzia bem no lugar em que meu próprio braço estava ferido e sangrando. Set se levantou, limpando o sangue da boca.
Ele riu para mim e seu rosto adquiriu a expressão típica de um predador.
— Vai morrer sabendo que fez todo o possível, Hórus. Mas é tarde demais. Veja.
Olhei para a caverna e meu coração veio à boca. O exército de demônios enfrentava novos inimigos. Magos – dúzias deles – cercavam a pirâmide, abrindo seu caminho à força.
A Casa da Vida devia ter enviado todas as tropas disponíveis, mas era ridiculamente pouco diante das legiões de Set. Cada mago estava dentro de um círculo protetor, que se movia como um foco de luz, e eles atacavam o inimigo com cajados e varinhas. Chamas, raios e tornados dizimavam a horda de demônios. Vi todo o tipo de bestas conjuradas – leões, serpentes, esfinges e até alguns hipopótamos correndo como tanques contra o inimigo. Aqui e ali, hieróglifos brilhavam no ar, causando explosões e terremotos que destruíam as hordas de Set. Contudo, mais demônios chegavam, cercando os magos em fileiras cada vez mais cerradas. Vi quando um deles foi dominado e seu círculo se rompeu num raio de luz verde. A onda inimiga o atropelou.
— É o fim da Casa — anunciou Set, satisfeito. — Eles não prevalecerão enquanto minha pirâmide estiver em pé.
Os magos pareciam saber disso. À medida que se aproximavam, lançavam cometas de fogo e raios de luz contra a pirâmide. Mas cada explosão se dissipava, inofensiva, ao colidir contra as paredes inclinadas, consumida pela aura vermelha do poder de Set.
Então, eu vi o piramidião dourado. Quatro gigantes com cabeça de serpente o tinham recuperado e o carregavam lentamente, mas determinados, no meio da confusão. Rosto do Terror, o braço direito de Set, gritava ordens para o grupo, chicoteando-os para mantê-los em movimento. Eles chegaram à base da pirâmide e começaram a subir.
Corri na direção deles, mas Set interveio, colocando-se em meu caminho.
— Acho que não, Hórus. — Ele riu. — Você não vai estragar a festa.
Nós dois invocamos nossas armas e lutamos com ainda mais ferocidade, cortando e perfurando. Descrevi um arco mortal com minha espada, mas Set se esquivou e eu acertei a rocha. O impacto provocou ondas de choque que percorreram todo meu corpo. Antes que eu pudesse me recuperar, Set pronunciou uma palavra.
— Ha-wi!
Ataque.
Os hieróglifos explodiram em meu rosto e me jogaram pirâmide abaixo, rolando pela superfície inclinada.
Quando minha visão clareou, vi Rosto do Terror e os gigantes com cabeça de cobra lá em cima, puxando sua carga dourada pela lateral do monumento, a poucos passos do topo.
— Não — murmurei.
Tentei me levantar, mas meu avatar estava lento.
Então, do nada, um mago saltou do meio dos demônios e desencadeou uma forte ventania. Os demônios voaram, derrubando o piramidião, e o mago tocou-o com seu cajado, impedindo-o de cair.
Era Desjardins. Sua barba bifurcada e as vestes com a pele de leopardo estavam chamuscadas pelo fogo, e seus olhos transbordavam fúria. Ele pressionou o cajado contra o piramidião, e a forma dourada começou a brilhar. Mas, antes que Desjardins pudesse destruí-la, Set se ergueu atrás dele e baixou o cajado como um taco de beisebol.
Desjardins caiu, ferido e inconsciente, e rolou pela lateral da pirâmide até desaparecer no meio dos demônios. Meu coração ficou apertado. Eu nunca gostei de Desjardins, mas ninguém merecia um destino como aquele.
— Irritante — comentou Set. — Mas ineficiente. Foi a isso que a Casa da Vida se reduziu, Hórus?
Eu corri parede acima e, mais uma vez, nos enfrentamos com as armas. Lutamos muito até uma luminosidade cinzenta começar a penetrar pelas frestas da montanha, acima de nós.
Os sentidos aguçados de Hórus me avisaram que tínhamos dois minutos até que o sol nascesse, talvez menos. A energia do deus ainda me inundava. Meu avatar estava apenas um pouco danificado, e eu atacava com força e firmeza. Mas não era suficiente para derrotar Set, que sabia disso. Ele não tinha pressa. A cada minuto, mais um mago caía no campo de batalha e o caos caminhava para a vitória.
Paciência, disse Hórus. Lutamos contra ele durante sete anos na primeira vez.
Mas não tínhamos nem sete minutos. Queria que Sadie estivesse ali, mas só podia esperar que ela tivesse conseguido libertar papai, Zia e Amós, e que estivesse com eles em algum lugar seguro.
Esse pensamento me distraiu. Set investiu com o cajado na direção de meus pés e, em vez de saltar, tentei recuar. O golpe acertou meu tornozelo direito, desequilibrando-me e me jogando pirâmide abaixo.
Set riu.
— Boa viagem!
Em seguida, ele pegou o piramidião.
Eu me levantei, gemendo; meus pés pareciam colados ao chão. Subi pela pirâmide com grande dificuldade. Mas, antes que eu tivesse percorrido metade da distância até o topo, Set encaixou o piramidião e completou a estrutura. Uma luz vermelha fluiu pelas paredes da pirâmide com um som que me fez pensar no maior baixo do mundo, fazendo tremer toda a montanha e entorpecendo meu corpo inteiro.
— Trinta segundos para o nascer do sol! — Set gritou com euforia. — E essa terra será minha para sempre. Não pode me deter sozinho, Hórus. Especialmente no deserto, a fonte de meu poder!
— Tem razão — respondeu uma voz próxima.
Olhei para cima e vi Sadie surgindo na abertura no teto, irradiando uma luz multicolorida, cajado e varinha brilhando nas mãos.
— Mas Hórus não está sozinho — anunciou ela. — E não vamos lutar no deserto.
Ela bateu com o cajado na pirâmide e gritou um nome: as últimas palavras que eu esperava ouvi-la usar como grito de guerra.

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