quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Sombra da Serpente - Carter

Capítulo 15 - Eu me torno um chimpanzé roxo

Ursinhos de Gelatina? Sério?
Eu não tinha ouvido essa parte. Minha irmã nunca para de me surpreender [e não, Sadie, isso também não foi um elogio.]
De qualquer modo, enquanto Sadie estava tendo seu problema sobrenatural com garotos, eu estava enfrentando um capitão machado assassino que aparentemente queria mudar seu nome para Lâmina-Ainda-Mais-Ensanguentada.
— Para trás — eu disse ao demônio. — Isso é uma ordem.
Lâmina Suja de Sangue fez um zumbido que poderia ser uma risada. Ele balançou sua cabeça para a esquerda – como um movimento do Elvis – e fez um buraco na parede. Depois ele voltou a olhar para mim, com lascas sobre seus ombros.
— Eu tenho outras ordens — ele zumbiu. — Ordens para matar.
Ele investiu como um touro. Depois de toda a bagunça pela qual passamos noSerapeum, um touro era a última coisa com a qual eu queria lidar.
Eu ergui meu punho.
— Há-wi!
O hieróglifo para Bater brilhou entre nós:


Um punho de energia azul se chocou contra Lâmina Suja de Sangue, empurrando-o direto pela porta e através da parede da cabine em frente. Um golpe como esse teria nocauteado um humano, mas eu podia ouvir Lâmina Suja de Sangue se levantando dos escombros, resmungando com raiva.
Eu tentei pensar. Teria sido bom continuar atacando-o com aquele hieróglifo de novo e de novo, mas a magia não funciona desse jeito. Uma vez dita, uma palavra divina não pode ser usada novamente por vários minutos, às vezes até horas.
Além disso, as palavras divinas são magias muito avançadas. Alguns mágicos demoram anos para dominar um único hieróglifo. Eu aprendi da pior maneira que dizê-las muitas vezes faz você gastar energia muito rápido, e eu não tinha muita para gastar.
Primeiro problema: manter o demônio longe de Zia. Ela ainda estava semiconsciente e totalmente indefesa. Eu invoquei o máximo de magia que eu consegui e disse:
— N’dah!
Proteção.


Energia azul brilhou ao redor dela. Eu tive uma lembrança horrível de quando eu a encontrei em sua tumba aquática na primavera passada. Se ela acordasse envolta em energia azul e pensasse que estava aprisionada de novo...
— Ah, Zia — eu disse. — Eu não queria...
— Matar!
Lâmina Suja de Sangue se levantou dos destroços do quarto oposto. Um travesseiro de penas estava empalado em sua cabeça, derramando penas de ganso em todo seu uniforme.
Corri para a sala e fui em direção as escadas, olhando para trás para ter certeza de que o capitão estava vindo atrás de mim e não de Zia. Para minha sorte – ele estava bem na minha cola.
Eu cheguei ao convés e gritei:
— Setne!
O fantasma não podia ser visto em lugar nenhum. A tripulação de luzes estava enlouquecida, zumbindo por ali freneticamente, indo de encontro com as paredes, fazendo giros em volta das chaminés, abaixando e levantando a prancha sem razão alguma. Eu acho que sem Lâmina Suja de Sangue para lhes dar direções, eles estavam perdidos.
O barco começou a descer o Rio da Noite, tecendo a corrente como um bêbado. Nós deslizamos por entre duas pedras irregulares que teriam pulverizado o casco, e caímos em uma cascata com um tremor que me fez bater os dentes. Eu olhei para a cabine do leme e não vi ninguém dirigindo o barco. Era um milagre nós ainda não termos batido. Eu tinha que tomar o controle do barco.
E corri para as escadas.
Quando eu estava na metade do caminho, Lâmina Suja de Sangue apareceu do nada, usou sua cabeça para me golpear na barriga, fazendo um corte na minha camisa. Se eu tivesse uma barriga grande – não, eu não quero pensar sobre isso. Eu tropecei para trás, pressionando minha mão sobre minha barriga. Ele tinha apenas cortado minha pele, mas a visão do meu sangue em meus dedos me fez me sentir fraco.
Pouco guerreiro, eu me repreendi.
Felizmente, Lâmina Suja de Sangue tinha prendido sua cabeça de machado na parede. Ele ainda estava tentando soltá-la, resmungando:
— Novas ordens: Mate Carter Kane. Leve-o até a Terra dos Demônios. Tenha certeza de que seja uma viagem só de ida.
A Terra dos Demônios?
Eu subi as escadas e entrei na cabine do leme.
Em toda volta do barco, o rio tinha se transformado em corredeiras. Um pilar de pedra surgiu do nevoeiro e raspou o barco à estibordo, arrancando parte do gradeamento do barco. Nós giramos para os lados e tomamos velocidade. Em algum lugar à nossa frente, eu ouvi a som de milhões de litros de água caindo no esquecimento. Nós estávamos indo em direção a uma cachoeira.
Eu procurei desesperadamente pela margem. Era difícil ver através da neblina densa e do cinza sombrio do Duat, mas à um centena de metros mais ou menos fora da curva, eu pensei ter visto fogueiras, e uma linha escura que poderia ser a praia.
A Terra dos Demônios soava má, mas não tão ruim do que cair de uma cachoeira e ser esmagado em pedaços. Eu arranquei o cabo do alarme e o amarei ao leme na posição que nos levaria à costa.
— Matar Kane!
A bota bem polida do capitão me acertou nas costelas, me enviando direto pela janela da porta. Vidro quebrado arranhou minhas costas e minhas pernas. Eu ricocheteei em uma das quentes chaminés e caí duro no deque.
Minha visão ficou embaçada. O corte no meu estômago estava pinicando. Eu sentia como se minhas pernas tivessem sido usadas como brinquedo de mastigar de um tigre, e julgando pela dor quente no meu lado, eu podia ter quebrado algumas costelas durante a queda.
De todas, essa não era minha melhor experiência de combate.
Olá? Hórus falou na minha mente. Alguma intenção de pedir ajuda, ou você está feliz em morrer por conta própria?
É, eu disse de volta para ele. O sarcasmo é realmente útil.
Sinceramente, eu não achava que tinha forças suficientes para usar meu avatar, mesmo com a ajuda de Hórus. Minha luta com o Touro Apis tinha quase me feito desmaiar, e isso foi antes de eu ser perseguido por um demônio machado e ser chutado para fora de uma janela.
Eu podia ouvir Lâmina Suja de Sangue pisando, de volta, descendo as escadas. Eu tentei me levantar, e quase desmaiei com a dor.
Uma arma, eu disse à Hórus. Eu preciso de uma arma.
Eu alcancei o Duat e retirei uma pena de avestruz.
— Sério? — gritei.
Hórus não respondeu.
Enquanto isso, a tripulação de luzes se uniu ali perto em pânico, enquanto o barco ia em direção à margem. A praia estava fácil de se ver agora – areias negras com ossos e colunas atirando para cima gás vulcânico de fendas de fogo. Ah, deus. Justamente o tipo de lugar no qual eu queria parar.
Eu abaixei a pena de avestruz e alcancei o Duat de novo.
Dessa vez eu trouxe de volta um par de armas familiares – o cajado e o mangual, os símbolos do faraó. O cajado era um vara de pastor dourada e vermelha com o final curvado. O mangual era um pedaço de vara com três correntes espinhentas que pareciam perigosas. Eu já tinha visto muitas armas parecidas. Cada faraó tinha um conjunto. Mas essas pareciam perturbadoramente com o par original – as armas do deus do sol que eu encontrei na última primavera enterradas na tumba de Zia.
— O que essas armas estão fazendo aqui? — exigi. — Elas deveriam estar com Rá.
Hórus continuou em silêncio. Eu tive a impressão de que ele estava tão surpreso como eu.
Lâmina Suja de Sangue estourou de um dos lados da sala do leme. Seu uniforme estava rasgado e coberto de penas. Sua lâmina tinha alguns novos entalhes, e ele tinha o sino de emergência preso à sua bota esquerda então ele fazia barulho enquanto andava. Mas ele ainda parecia melhor que eu.
— Já chega — ele zumbiu. — Eu tenho servido os Kane há muito tempo!
Na direção da proa do navio, eu ouvi o crank, crank, crank da prancha de desembarque sendo abaixada. Eu olhei e vi Setne atravessando calmamente a prancha com o rio abaixo dele. Ele parou no final da prancha e esperou até que o barco chegasse na praia de areia negra. Ele estava se preparando para pular em segurança. E debaixo do seu braço estava um grande pergaminho de papiro – O Livro de Tot.
— Setne! — gritei.
Ele se virou e acenou, sorrindo agradavelmente.
— Vai ficar tudo bem Carter! Eu já volto!
— Tas! — gritei.
Instantaneamente as Fitas de Hathor o envolveram, o enrolando todo, e Setne caiu fora do barco na água.
Eu não tinha planejado isso, mas não tinha tempo para me preocupar. Lâmina Suja de Sangue investiu contra mim, com seu pé esquerdo fazendo clump Boing!, clump Boing!
Rolei para o lado e sua cabeça de machado cortou o chão, mas ele se recuperou mais rápido do que eu poderia. Senti como se minhas costelas tivessem sido mergulhadas em ácido. Meu braço estava muito fraco até mesmo para levantar o mangual de Rá. Eu levantei o cajado para me defender, mas não tinha ideia de como usá-lo.
Lâmina Suja de Sangue estava sobre mim, repleto de uma satisfação maligna. Eu sabia que não poderia fugir de outro ataque. Eu estava prestes a me transformar em duas partes separadas de Carter Kane.
— Nós conseguimos! — ele berrou.
De repente, ele explodiu em uma coluna de fogo. Seu corpo se vaporizou. Sua cabeça de machado caiu no chão, empalando-se no convés entre meus pés.
Eu pisquei, me perguntando se esse não era só um truque do demônio, mas Lâmina Suja de Sangue estava verdadeira e completamente acabado. Ao lado de sua cabeça de machado, tudo o que havia sobrados eram suas botas polidas, o sino de alarme ligeiramente derretido, e algumas penas de ganso chamuscadas flutuando no ar.
A poucos metros dali, Zia estava apoiada na casa de leme. Sua mão direita estava envolta em chamas.
— Sim — Zia murmurou para a lâmina de machado fumegante. — Nós terminamos.
Ela extinguiu seu fogo, em seguida tropeçou e me abraçou. Eu estava tão aliviado que quase podia ignorar a dor lancinante no meu lado.
— Você está bem — eu disse, o que soava idiota diante daquelas circunstâncias, mas ela me retribuiu com um sorriso.
— Ótima — ela disse. — Tive um momento de pânico. Acordar com a energia azul me envolvendo, mas...
Por acaso eu olhei para trás dela, e meu estômago se virou do avesso.
— Aguenta aí! — gritei.
Rainha Egípcia bateu contra a praia em velocidade máxima.
Eu agora entendo toda a coisa sobre usar cinto de segurança.
Ficar pendurado não era absolutamente nada de bom. O barco encalhou com tanta força que Zia e eu fomos arremessados como balas de canhão humanas. O casco rachou no meio atrás de nós com um poderoso Ka-blam!
Eu estava indo em direção à paisagem. Eu tinha meio segundo para decidir se eu morreria por bater no chão ou por cair em uma fenda flamejante. Então, de cima de mim, Zia agarrou meu braço e me levou em direção ao céu.
Tive um deslumbre dela, o rosto sombrio em determinação, me segurando com uma mão e com a outra segurando a garra de um abutre gigante. Seu amuleto. Eu não pensava nisso em meses, mas Zia tinha um amuleto de abutre. Ela tinha dado algum jeito de ativá-lo, porque ela era realmente fantástica.
Infelizmente, o abutre não era forte o suficiente para aguentar duas pessoas. Ele só poderia desacelerar nossa queda, então ao invés de sermos esmagados no chão, Zia e eu rolamos sobre o negro chão arenoso, caindo um sobre o outro bem à borda de uma fenda de fogo.
Eu sentia como se meu peito tivesse sido pisoteado. Cada músculo no meu corpo doía, e eu estava com visão dupla. Mas para minha surpresa, o cajado e o mangual do deus do sol estavam seguros com força na minha mão direita. Eu não havia percebido que ainda estava com eles.
Zia devia estar melhor que eu (é claro, eu já tinha visto atropelados em melhor estado do que eu). Ela encontrou forças para me tirar para longe da fissura, para mais abaixo na praia.
— Ai — eu disse.
— Fique deitado.
Ela disse uma palavra de comando, e seu abutre voltou a ser um amuleto. Ela vasculhou sua bolsa. Ela tirou para fora um pequeno jarro de cerâmica e começou a espalhar uma pasta azul nos meus cortes, queimaduras e hematomas que cobriam todo o meu corpo. A dor no meu lado melhorou imediatamente. As feridas desapareceram. As mãos de Zia estavam suaves e quentes. O unguento mágico cheirava a madressilvas florescendo. Essa não era a pior experiência que eu tive no dia. Ela tirou mais um pouco de pomada e olhou para o longo corte no meu estômago.
— Hum... você deveria fazer essa parte.
Ela passou a pasta para os meus dedos e me deixou aplicá-la. O dano foi reparado. Eu me sentei devagar e dei uma olhada nos cortes de vidro das minhas pernas. Dentro do meu peito eu podia jurar que sentia minhas costelas se remendando. Eu respirei fundo e fiquei aliviado por não sentir mais dor.
— Obrigado — eu disse. — O que é essa coisa?
— Bálsamo de Nefertem — ela disse.
— É uma bomba?
A risada dela me fez sentir quase tão bem quanto o unguento fez.
— Bálsamo curativo, Carter. É feito de flores de lótus azuis, coentro, Mandrake, malaquita do chão, e alguns outros ingredientes especiais. Muito raro, e esse é o meu único jarro. Então, não se machuque mais.
— Sim senhora.
Eu estava agradecido de que minha cabeça tinha parado de rodar. Minha visão dupla estava voltando ao normal.
Raínha Egípcia não estava em um estado tão bom. Os restos do casco estavam espalhados pela praia – tábuas e grades, cordas e vidro, misturadas com os ossos que já estavam lá antes.
A casa do leme tinha implodido. Com fogo saindo de suas janelas quebradas. As chaminés caídas borbulhavam fumaça dourada no rio. Enquanto assistíamos, a popa rachou e deslizou para debaixo d’água, arrastando as esferas brilhantes de luz com ela. Talvez a tripulação mágica estivesse presa ao navio. Talvez eles nem estivessem mesmo vivos. Mas eu me senti triste por eles enquanto eles desapareciam dentro da superfície escura.
— Nós não vamos poder voltar desse jeito — falei.
— Não — Zia concordou. — Onde nós estamos? O que aconteceu com Setne?
Setne. Eu tinha quase me esquecido do desprezível fantasma. Para mim tudo bem se ficasse no fundo do rio, só que ele estava com o Livro de Tot.
Eu fiz uma varredura na praia. Para minha surpresa, vi uma múmia rosa ligeiramente danificada a cerca de vinte metros abaixo na praia, se contorcendo e lutando entre os destroços, como uma lagarta, aparentemente tentando se libertar.
Eu o mostrei a Zia.
— Nós poderíamos deixá-lo assim, mas ele está com o Livro de Tot.
Ela me deu um daqueles sorrisos cruéis que me deixavam feliz por ela não ser minha inimiga.
— Não se apresse. Ele não vai muito longe. Que tal um piquenique?
— Eu gosto do seu modo de pensar.
Nós espalhamos os nossos objetos e tentamos os limpar o melhor que pudemos. Eu peguei algumas garrafas de água e barras de proteínas – é, olhem para mim, o escoteiro. Comemos e bebemos e assistimos o embrulho de presente fantasma rosa tentando rastejar para longe.
— Como nós chegamos aqui, exatamente? — Zia perguntou. Seu escaravelho de ouro ainda brilhava em sua garganta. — Eu me lembro do Serapeum, do Touro Apis e da sala com a luz do sol. Depois disso, está tudo confuso.
Eu descrevi o que aconteceu do melhor jeito que pude – seu escudo de escaravelho mágico, e de repente seus impressionantes poderes de Khepri, o modo como ela tinha fritado o Touro Apis e quase entrado em combustão. Expliquei como eu a tinha trazido de volta ao navio, e como Lâmina Suja de Sangue  tinha se tornado um psicopata.
Zia estremeceu.
— Você deu a Setne permissão para dar ordens à Lâmina Suja de Sangue?
— É, talvez não tenha sido minha melhor ideia.
— E ele nos trouxe até aqui... a Terra dos Demônios, a parte mais perigosa do Duat.
Eu já tinha ouvido sobre a Terra dos Demônios, mas não sabia muito sobre ela. E naquele momento, eu não queria saber. Eu tinha acabado de escapar da morte muitas vezes hoje, só queria sentar ali, descansar, e conversar com Zia – e talvez desfrutar de luta de Setne para chegar em algum lugar com o seu casulo.
— Você, ah, está se sentindo bem? — perguntei a Zia. — Quero dizer, sobre essa coisa com o deus do sol...
Ela olhou através da paisagem furada de areia preta, ossos e fogo. Não são muitas as pessoas que conseguiam parecer bem na luz de nuvens de gases vulcânicos superaquecidos. Zia conseguia.
— Carter, eu queria te dizer, mas não entendia o que estava acontecendo comigo. Eu estava com medo.
— Está tudo bem. Eu era o Olho de Hórus. Eu entendo.
Zia apertou seus lábios.
— Porém Rá é diferente. Ele é muito mais velho, muito mais perigoso para canalizar. E está preso naquela casca velha de corpo. Ele não pode reiniciar seu ciclo de renascimento.
— É por isso que ele precisa de você — adivinhei. — Ele acordou falando de zebras... você. Ele ofereceu a você aquele escaravelho na primeira vez que te encontrou. Ele quer que você seja seu hospedeiro.
Uma fenda soprou fogo. O reflexo nos olhos de Zia me lembraram de como ela parecia quando ela se fundiu com Khepri – suas pupilas preenchidas com chamas laranjas.
— Quando eu estava presa naquele... sarcófago — Zia disse. — Eu quase enlouqueci, Carter. Eu ainda tenho pesadelos. E quando encostei no poder de Rá, tive o mesmo sentimento de pânico. Ele se sente aprisionado, sem esperanças. Chegar até ele é como... é como tentar salvar alguém que está afundando. Eles agarram em você e te puxam para baixo com eles.
Zia balançou sua cabeça.
— Talvez não faça sentido. Mas seu poder tenta escapar através de mim, e eu mal posso controlá-lo. Toda vez que eu tenho um apagão, isso fica pior.
— Toda vez? — eu disse. — Então você já apagou antes?
Ela explicou o que tinha acontecido na Casa de Repouso quando ela tentou destruir a enfermaria com suas bolas de fogo. Só um pequeno detalhe que Sadie esqueceu de me contar.
— Rá é muito poderoso. Eu sou muito fraca para controlá-lo. Nas catacumbas com o Touro Apis, eu poderia ter matado você.
— Mas você não matou. Você salvou minha vida, de novo. Eu sei que é difícil, mas você tem que controlar o poder. Rá precisa fugir de sua prisão. Toda a ideia da sombra mágica que Sadie quer tentar com Bes? Eu sinto que isso não vá funcionar com Rá. O deus do sol precisa renascer. Você entende como é isso. Eu acho que é o porquê de ele ter te dado Khepri, O sol nascente — eu apontei para o seu amuleto de escaravelho. — Você é a chave para trazê-lo de volta.
Zia deu uma mordida na sua barra de proteína.
— Isso tem gosto de isopor.
— É — admiti. — Não é tão bom quanto Nachos. Eu ainda te devo aquele encontro na praça de alimentação do shopping.
Ela riu um pouco.
— Eu queria que nós pudéssemos fazer isso agora.
— Normalmente as garotas não estão tão dispostas a sair comigo. Hum... não que eu já tenha perguntado...
Ela se inclinou em minha direção e me beijou.
Eu tinha imaginado isso muitas vezes, mas eu estava tão despreparado, não agi de um modo muito legal com isso. Eu abaixei minha barra de proteína e respirei o perfume de canela dela. Quando ela parou, eu estava com a boca aberta como um peixe. Eu disse alguma coisa como:
— Humuh-hu.
— Você é gentil, Carter — ela disse. — E divertido. E apesar do fato de você ter acabado de ser empurrado para fora de uma janela e atirado por uma explosão, você é mesmo bonito. Tem sido tão paciente comigo. Mas eu tenho medo. Nunca fui capaz de cuidar de ninguém que eu goste... meus pais, Iskandar... Se eu for muito fraca para controlar o poder de Rá e eu acabar machucando você...
— Não — respondi imediatamente. — Você não vai, Zia. Rá não te escolheu porque você é fraca. Ele escolheu porque você é forte. E, hum… — olhei para o cajado e o mangual deitados ao meu lado. — Eles meio que apareceram... acho que eles apareceram por uma razão, você deve ficar com eles.
Eu tentei passá-los a ela mas ela fechou meus dedos sobre eles.
— Continue com eles. Você está certo: eles não apareceram por acidente, mas eles apareceram nas suas mãos. Eles podem ser de Rá, mas Hórus deve ser o faraó.
As armas pareceram esquentar, ou talvez fosse por Zia estar segurando minhas mãos. A ideia de usar o cajado e o mangual me deixava nervoso. Eu havia perdido meu khopesh– a espada usada pelos guardas do faraó – e ganho as armas do próprio faraó. E não de qualquer faraó... eu estava segurando os instrumentos de Rá, o primeiro rei dos deuses.
Eu, Carter Kane, um garoto de 15 anos, que estudou a vida toda em casa, que ainda estava aprendendo a fazer a barba, e que mal conseguia me vestir para uma baile – de alguma forma tinha sido considerado digno das armas mágicas mais poderosas da criação.
— Como você pode ter certeza? — perguntei. — Como elas podem ser para mim?
Zia sorriu.
— Talvez eu esteja ficando melhor em entender Rá. Ele precisa da ajuda de Hórus. Ele precisa de você.
Eu tentei pensar no que dizer, e se teria coragem de pedir outro beijo. Eu nunca imaginei que meu primeiro encontro seria na margem de um rio cheio de ossos na Terra dos Demônios, mas naquele momento não havia nenhum outro lugar onde eu quisesse estar.
Então eu ouvi um bonk – o som da cabeça de alguém batendo em um pedaço de madeira maciça. Setne xingou uma maldição abafada. Ele tinha conseguido rastejar até o local dos escombros. Atordoado e fora de equilíbrio, ele rolou até a água e começou a afundar.
— É melhor nós o pescarmos.
— Sim — Zia concordou. — Nós não queremos que o Livro de Tot seja danificado.
Nós trouxemos Setne até a praia. Zia cuidadosamente abriu as fitas em volta do peito dele para que pudesse tirar o livro de seus braços. Felizmente, o rolo de papiro parecia intacto.
Setne disse:
— Mmm-hmmpfh!
— Desculpe, não estamos interessados! — respondi. — Nós pegamos o livro, e então vamos deixar você aqui agora. Não estou mais a fim de ser apunhalado pelas costas ou de ouvir suas mentiras.
Setne rolou os olhos. Ele balançou a cabeça vigorosamente, murmurando o que era provavelmente uma explicação muito boa do porque de ele tomar o direito de virar meu servo demônio contra mim.
Zia abriu o pergaminho e estudou a escrita. Depois de algumas linhas, ela começou a franzir as sobrancelhas.
— Carter, isso é... uma coisa realmente perigosa. Só estou olhando por alto, mas eu vejo descrições dos palácios secretos dos deuses, feitiços para fazê-los revelar seus verdadeiros nomes, informação de como reconhecer todos os deuses, não importando qual forma eles tentem assumir...
Ela me olhou assustada.
— Com esse conhecimento, Setne poderia ter causado muito estrago. A única coisa boa... o quanto eu consigo dizer, a maioria dos feitiços só podem ser usados por um mágico vivo. Um fantasma não seria capaz de fazê-los.
— Talvez seja o porquê de ele ter nos mantido vivo até agora — eu disse.
— Ele precisava de nossa ajuda para pegar o livro. Depois ele planejava nos prender fazendo-nos fazer os feitiços que ele quisesse.
Setne gemeu em protesto.
— Nós podemos encontrar a Sombra de Apófis sem ele? — perguntei a Zia.
— Mm-mm! — Setne disse, mas eu o ignorei.
Zia estudou mais algumas linhas.
— Apófis... o sheut de Apófis . Sim, aqui está. Ela descansa na Terra dos Demônios. Então nós estamos no lugar certo. Mas esse mapa...
Ela me mostrou uma parte do pergaminho, que estava cheia de hieróglifos e figuras. Eu não poderia nem dizer que era um mapa.
— Eu não tenho ideia de como lê-lo. A Terra dos Demônios é imensa. E pelo que está escrito aqui ela está constantemente mudando, se partindo e se reformando. E é cheia de demônios.
— Eu imaginei — tentei engolir o pedaço da barra que estava na minha boca. — Nós vamos ser tão forasteiros aqui como os demônios são no mundo mortal. Nós não seremos capazes de ir a lugar nenhum sem sermos vistos, e qualquer coisa que nos encontrar vai querer nos matar.
— Sim — Zia disse. — E nós estamos correndo contra o tempo.
Ela estava certa. Eu não sabia exatamente que horas eram no mundo mortal, mas nós tínhamos descido ao Duat no final da tarde. Até agora, o sol já deveria ter se posto. Não era provável que Walt sobrevivesse até depois do pôr do sol. Pelo que eu sabia, ele poderia estar morrendo agora mesmo, e minha pobre irmã... Não. Era muito doloroso pensar sobre isso.
Mas na madrugada de amanhã, Apófis se reergueria. Os magos rebeldes atacariam o Primeiro Nomo. Nós não tínhamos o luxo de ficar vagando por aí em uma terra hostil, lutando contra tudo o que aparecesse em nosso caminho até que nós encontrássemos o que nós estávamos procurando.
Eu olhei para baixo para Setne.
— Eu estou supondo que você pode nos guiar até a sombra.
Ele balançou a cabeça.
Eu me virei para Zia.
— Se ele disser ou fizer alguma coisa de que você não gostar, incinere-o.
— Com prazer.
Eu fiz as fitas liberarem apenas a boca dele.
— Santo Hórus, amigo! — ele reclamou. — Porque você me amarrou?
— Bem, vamos ver... talvez porque você tentou me matar?
— Ah, isso? — Setne suspirou. — Olha, amigo, se você for ter uma reação exagerada toda vez que eu tentar te matar...
— Exagerada? — Zia conjurou uma bola de fogo branco quentíssima na sua mão.
— Ok,Ok! — Setne disse. — Olha, aquele capitão demônio ia se voltar contra você de qualquer maneira, eu só apressei as coisas. E fiz isso por uma razão! Nós precisávamos chegar aqui, à Terra dos Demônios, certo? O seu capitão nunca concordaria em mudar o curso para cá a menos que ele pensasse que poderia matar você. Essa é a pátria dele! Demônios nunca trazem mortais aqui se eles não forem seus lanches.
Eu tinha que me lembrar que Setne era um mestre mentiroso. Tudo o que ele me disse era completa e absolutamente da qualidade do Touro Apis. Endureci minha força de vontade contra as palavras dele, mas ainda era muito difícil não achá-las razoáveis.
— Então você estava deixando Lâmina Suja de Sangue me matar, mas era por uma boa causa.
— Ah, eu sabia que você podia cuidar dele.
Zia levantou o pergaminho.
— E é por isso que você estava fugindo com o Livro de Tot?
— Fugindo? Eu estava indo explorar mais a frente! Eu queria encontrar a sombra, então eu poderia levá-los até ela! Mas isso não é importante. Se vocês me deixarem ir, eu ainda posso levá-los até ela.
— Como? — Zia perguntou.
Setne fungou indignado.
— Eu tenho estado praticando magia desde que os seus ancestrais estavam nas fraldas, boneca. E, embora seja verdade que eu não posso fazer todos os feitiços mortais que eu gostaria... — ele olhou melancolicamente para o Livro de Tot. — Eu peguei alguns truques que só fantasmas podem fazer. Me desamarre e eu vou te mostrar.
Eu olhei para Zia. Eu poderia dizer que nós estávamos pensando na mesma coisa: péssima ideia, mas nós não tínhamos uma melhor.
— Eu não acredito que você realmente considerou isso — ela resmungou.
Setne sorriu.
— Ei, você está sendo esperto. Essa é a sua melhor escolha. Além disso, eu quero que vocês tenham êxito! Como eu disse, eu não quero que Apófis me destrua. Você não vai se arrepender.
— Eu tenho certeza de que vou.
Estalei meu dedos e as Fitas de Hathor sumiram.

***

O plano brilhante de Setne? Ele nos transformou em demônios.
Bem, tá bom... era só um encantamento, então nós parecíamos com demônios, mas essa era a melhor ilusão mágica que eu já tinha visto.
Zia me deu uma olhada e começou a rir. Eu não podia ver meu próprio rosto, mas ela me disse que agora eu tinha um grande abridor de garrafas no lugar da cabeça. Eu percebi que minha pele estava roxa, e que eu tinha pernas peludas arqueadas como as de um chipanzé.
Eu não culpava Zia por rir, mas ela não parecia muito melhor. Ela agora era uma garota demônio musculosa com a pele verde brilhante, um vestido com listras de zebras, e a cabeça de uma piranha.
— Perfeito — Setne disse. — Vocês vão se misturar.
— E quanto a você? — perguntei.
Ele estendeu suas mãos. Ele ainda estava vestindo seus jeans, tênis brancos, e jaqueta preta. Seus anéis de diamantes rosa e o amuleto ankh dourado refletia a luz vulcânica. A única diferença era que em sua camisa vermelha agora estava escrito: VÃO DEMÔNIOS!
— Você não pode melhorar a perfeição, amigo. Essa roupa funciona em qualquer lugar. Os demônios não vão nem bater o olho em mim... assumindo que eles tenham olhos. Agora, venham!
Ele adentrou a ilha, sem esperar para ver se nós estávamos o seguindo.
De vez em quando, Setne checava o Livro de Tot procurando por direções. Ele explicou que seria impossível encontrar a sombra nessa paisagem móvel sem consultar o livro, que servia como uma combinação de bússola, guia turístico e almanaque de cronogramas de fazendeiro.
Ele nos prometeu que essa seria uma viagem curta, mas ela parecia bem longa para mim. Um pouco mais de tempo na Terra dos Demônios e não tenho certeza se eu teria saído de lá são.
A paisagem era como uma ilusão de ótica. Nós vimos uma cadeia de montanhas à distância, depois andamos 50 metros e descobrimos que as montanhas eram tão pequenas que nós poderíamos pular por cima delas. Eu parei em uma pequena poça e depois me vi afundando em um pântano de cerca de 50 metros de profundidade.
Imensos templos egípcios se derrubavam, e depois se reerguiam como se algum gigante invisível estivesse brincando com blocos de montar. Paredões de calcário explodiam do nada, já esculpidos com estátuas monumentais de monstros grotescos. Os rostos de pedra se viraram e nos assistiam enquanto passávamos.
E, havia os demônios. Eu havia visto muitos deles em baixo da montanha Camelback, onde Set construiu sua Pirâmide vermelha, mas aqui em seu habitat natural, eles estavam em um número muito maior e eram ainda mais horríveis. Alguns pareciam vítimas de torturas, com feridas abertas e membros contorcidos. Outros tinham asas de insetos, ou muitos braços, ou tentáculos feitos de trevas. Quanto às cabeças, praticamente todos os animais do zoológico e todas as partes de um canivete suíço estavam ali sendo bem representados.
Os demônios vagavam em hordas por toda a paisagem escura. Alguns construíam fortalezas. Outros às botavam abaixo. Nós vimos pelo menos uma dúzia de batalhas em larga escala. Demônios alados circulavam no ar fumacento, ocasionalmente descendo e capturando monstros menores distraídos e os levando embora. Mas nenhum deles se preocupou conosco.
À medida que caminhávamos com dificuldades, eu me tornava cada vez mais consciente da presença do Caos. A agitação começou com um frio na minha barriga, e depois, espalhando-se pelas minhas pernas como se as minhas células sanguíneas tivessem congelado. Eu tinha sentido isso antes na prisão de Apófis, quando a doença do Caos tinha quase me matado, mas esse lugar parecia ainda mais venenoso.
Depois de um tempo, percebi que tudo na Terra dos Demônios estava sendo puxado na direção em que estávamos viajando. Toda a paisagem estava inclinada e desmoronando, o tecido da matéria estava se desemaranhando. Eu sabia que a mesma força estava puxando as moléculas do meu corpo.
Zia e eu devíamos estar mortos. Mas mesmo com o frio e as náuseas parecendo muito ruins, eu achava que elas seriam piores se fosse o caso. Alguma coisa estava nos protegendo, uma camada de calor invisível que estava mantendo o Caos fora.
É ela, disse a voz de Hórus, com um respeito relutante. Rá está nos sustentando.
Eu olhei para Zia. Ela ainda parecia ser uma garota-demônio-verde-com-cabeça-de-piranha, mas o ar em volta dela brilhava como vapor que sai de uma estrada quente.
Setne continuava olhando para trás. A cada vez, ele parecia surpreso em descobrir que nós ainda estávamos vivos. Mas ele dava de ombros e continuava.
O número de demônios diminuiu e eles estavam mais espalhados uns dos outros. A paisagem se tornou ainda mais retorcida. Formações rochosas, dunas de areias, árvores mortas, até mesmo pilares de fogo, tudo estava inclinado na direção no horizonte.
Chegamos a um campo de crateras, cheia do que pareciam ser enormes flores lótus negras. Elas se levantavam rapidamente, espalhavam suas pétalas e explodiam. Só quando nós chegamos perto que eu percebi que eram bolas de tentáculos de sombras entrelaçados, como Sadie havia descrito no baile da Academia do Brooklyn. Cada vez que uma explodia, ela cuspia um espírito que havia sido arrastado do mundo superior. Esses fantasmas, não mais que pedaços claros de névoa, agarravam desesperadamente por algo que pudesse ancorá-los, mas eles eram rapidamente dispersados e sugados na direção em que estávamos viajando.
Zia franziu a testa para Setne.
— Você não está sendo afetado?
O mago fantasma se virou. Pela primeira vez, sua expressão estava sombria. Sua cor estava pálida e suas roupas e joias estavam desbotando.
— Vamos só seguir em frente, hein? Eu odeio esse lugar.
Eu congelei. À nossa frente estava um penhasco e eu o reconheci – era o mesmo que eu vi na visão que Apófis havia me mostrado. Só que agora não havia nenhum espírito se abrigando nele.
— Minha mãe estava ali.
Zia pareceu entender. Ela pegou minha mão.
— Esse deve ser um penhasco diferente. A paisagem está sempre mudando.
De algum modo, eu sabia que esse era o mesmo lugar. Eu sentia que Apófis o tinha mantido ali para me provocar.
Setne mexeu seus anéis rosados.
— A sombra da Serpente se alimenta de espíritos, amigo. Nenhum deles dura muito. Se sua mãe estava aqui...
— Ela era forte — insisti. — Um maga, como você. Se você pode lutar contra isso, ela também poderia.
Setne hesitou. Depois ele deu de ombros.
— Claro, amigo. Nós estamos perto agora. É melhor continuar em frente.
Logo eu ouvi um rugido ao longe. O horizonte brilhava vermelho. Nós parecíamos estar nos movendo mais rápido, como se tivéssemos pisado em uma passarela rolante.
Então chegamos na crista de uma colina e nós vimos nosso destino.
— Chegamos — Setne disse. — O Mar do Caos.
Diante de nós espalhava-se um oceano de névoa, fogo ou água, era impossível dizer qual. Uma matéria agitada de vermelho cinzento, fervendo e fumegando, tudo subindo assim como o meu estômago. Ele se estendia até quão longe eu podia ver – e alguma coisa me dizia que não tinha fim.
A borda do oceano parecia mais uma cachoeira invertida do que uma praia. O terreno sólido que encostava no oceano desaparecia. Uma pedra do tamanho de uma casa veio sobre a colina à nossa direita, rolou até a praia e se dissolveu no oceano. Pedaços de terra, árvores, construções e estátuas voavam constantemente por cima de nossas cabeças em direção ao oceano, e se vaporizavam quando tocavam as ondas. Nem mesmo os demônios eram imunes. Alguns alados desviaram da praia, e tarde demais perceberam que haviam voado perto demais, e desapareceram gritando no meio naquele turbilhão enevoado.
Nós também estávamos sendo puxados. Em vez de andar para frente, eu estava instintivamente indo para trás, só para ficar no lugar. Se nós chegássemos mais perto, eu tinha medo de que não seríamos capazes de parar.
Só uma coisa me dava esperança. A algumas centenas de metros ao norte, sobressaindo-se das ondas, havia uma contínua faixa de terra, como um píer. Na extremidade havia um obelisco branco como o Monumento Washington. O pináculo brilhava com luz. Eu sentia que era antigo – ainda mais velho que os deuses. Tão bonito como o obelisco era, eu não pude deixar de pensar na Agulha de Cleópatra nas margens do rio Tâmisa, onde minha mãe tinha morrido.
— Nós não podemos ir lá embaixo — falei.
Setne riu.
— O Mar do Caos? Isso é de onde todos nós viemos, amigo. Você não ouviu como o Egito foi formado?
— Ele ergueu-se desse mar — Zia disse, quase em transe. — O Maat apareceu do Caos... a primeira terra, a criação vinda da destruição.
— Sim — Setne anunciou. — As duas grandes forças do universo. E ali estão elas.
— Aquele obelisco é... a primeira terra? — perguntei.
— Não sei — Setne respondeu. — Eu não estava lá. Mas é o símbolo do Maat com certeza. Todo resto é o poder de Apófis, sempre tentando engolir a criação, sempre comendo e destruindo. Você me diz, qual força é mais poderosa?
Eu tentei engolir.
— Onde está a Sombra de Apófis?
Setne riu.
— Ah, está aqui. Mas para vê-la, para capturá-la, você vai ter que fazer o feitiço dali, da ponta do píer.
— Nós nunca vamos conseguir — Zia disse. — Um passo em falso...
— Claro — Setne concordou alegremente. — Isso vai ser divertido!

Nenhum comentário:

Postar um comentário