segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Trono de Fogo - Sadie

Capítulo 15 - Camelos são maus...

SIM CARTER, TODO O NEGÓCIO com os demônios aquáticos deve ter sido horrível. Mas eu não sinto simpatia alguma por você, porque 1) você mesmo quis fazer essa viagem sozinho e 2) porque enquanto você estava resgatando Zia, eu estava lidando com camelos.
Camelos são nojentos. Você deve pensar: Mas, Sadie, eram camelos mágicos, convocados por um dos amuletos do Walt. Que cara inteligente, esse Walt! Sem dúvida, camelos mágicos são melhores que os camelos normais.
Eu posso agora atestar que camelos mágicos cospem, defecam, babam, mordem, comem e o pior, cheiram como camelos normais. Na verdade, a sujeira deles é magicamente realçada.
Não começamos com os camelos, claro. Começamos nosso caminho até eles com uma série de horríveis e progressivas maneiras de se transportar. Primeiro pegamos um ônibus para uma pequena cidade a oeste de Alexandria – um ônibus sem ar condicionado, no meio de homens que ainda não haviam descoberto os benefícios do desodorante.
Então alugamos um motorista para nos levar a Bahariya – um motorista que primeiro teve a coragem de tocar as melhores do Abba e comer cebolas, e que depois nos levou para o meio do nada e... surpresa! Nos apresentou para seus amigos, os bandidos, que estavam entusiasmados para roubar adolescentes americanos indefesos. Adorei mostrar a eles como meu cajado se transforma em um leão grande e faminto. Até onde eu sei, os bandidos e o motorista ainda estão correndo.
De qualquer maneira, o carro havia parado, e nenhuma quantidade de magia faria aparecer outro. Nessa situação, decidimos que era melhor permanecer longe da estrada. Eu podia dispensar o estranho estilo local. Podia dispensar a atração que seria uma menina – americana-inglesa com o cabelo com mechas roxas, viajando sozinha com um garoto que não parecia seu irmão.
Bem, certamente isso descrevia minha vida. Mas após o acidente com os bandidos na estrada, Walt e eu percebemos o quanto os locais estavam vigiando a gente, marcando-nos como alvo. Eu não tinha desejo nenhum de ter problemas com mais bandidos, ou com a polícia egípcia, ou pior, feiticeiros que podiam estar escondidos.
Decidimos, portanto, convocar camelos mágicos. Encantamos um punhado de areia para mostrar o caminho até Bahariya e nos lançamos para o deserto.
E como era o deserto, Sadie? Você pode se questionar. Obrigada pela pergunta.
Era quente. E outra coisa: porque desertos tem que ser tão abominavelmente gigantes? Porque eles não podem ter algumas centenas de metros de largura, apenas o suficiente para lhe dar a ideia de areia, seca e miséria, e então ceder a uma paisagem apropriada, como um hipódromo em um rio ou uma rua com lojas? Não tínhamos tanta sorte assim.
O deserto continuava para sempre. Eu podia imaginar Set, o deus das terras devastadas, rindo de nós enquanto nos arrastávamos pelas dunas. Se essa era a morada dele, não gostei muito do modo como ele a decorou.
Chamei o meu camelo de Katrina. Ela era um desastre natural. Descansava em qualquer lugar e parecia achar que minha mecha roxa no cabelo era algum tipo de fruta exótica. Era obcecada em tentar comer minha cabeça.
Nomeei o camelo do Walt de Hindenburg. Ele era quase tão grande quanto um dirigível e, definitivamente, quase tão cheio de gás.
Enquanto progredíamos, Walt parecia imerso em pensamentos, fitando o horizonte. Ele veio em meu socorro em Alexandria sem hesitação. Como eu suspeitava, nossos amuletos shen estavam conectados. Com um pouco de concentração, eu seria capaz de mandar uma mensagem telepática a ele sobre nossos apuros. Com um pouco mais, eu seria capaz de literalmente trazê-lo através do Duat para o meu lado.
Que item mágico cômodo: garoto gostoso instantâneo.
Aqui, porém, ele foi se tornando cada vez mais quieto e desconfortável. Estava vestido como um adolescente americano normal numa excursão ao ar livre – uma regata preta que caía muito bem nele, calças de caminhada e botas.
Se você olhasse melhor, veria que ele trouxe muitos equipamentos mágicos que fez. Ao redor de seu pescoço estava um verdadeiro zoológico de amuletos animais. Três anéis brilhando em cada mão, e em sua cintura havia um cinto de corda que eu não tinha visto antes, então imaginei que tivesse poderes mágicos. Ele também carregava uma mochila, sem dúvida estufada com mais artefatos. Apesar de seu arsenal pessoal, Walt parecia terrivelmente nervoso.
― Tempo ótimo ― eu disse.
Ele franziu a testa, saindo de seus pensamentos.
― Desculpe, eu estava pensando.
― Sabe, às vezes falar ajuda. Por exemplo, ah, sei lá. Se eu tivesse um grande problema, algo que oferece risco de vida e eu tivesse confiado apenas em Jaz... e se Bes soubesse o que estava acontecendo, mas não falasse... e se eu tivesse concordado em começar uma aventura com uma boa amiga, e tivesse horas para conversar enquanto atravessássemos o deserto, talvez eu me sentisse tentada a dizer a ela o que estava errado.
― Hipoteticamente falando ― ele disse.
― Sim. E se essa garota fosse a última pessoa na Terra a saber o que estava errado comigo, e se realmente se importasse... Bem, eu posso imaginar que ela ficaria bem frustrada por ficar tanto tempo no escuro. E ela poderia, hipoteticamente, estrangular você... quero dizer eu. Hipoteticamente.
Walt deu um sorriso fraco. Apesar de eu não poder dizer que os olhos dele me derreteram tanto quando os de Anúbis, ele tinha um rosto maravilhoso. Não parecia nada com meu pai, mas ele tinha o mesmo tipo de força e beleza rude – um tipo de gravidade suave que me faz sentir mais segura, e com um pouco mais de pé no chão.
― É difícil pra mim falar disso ― ele disse ― não tinha intenção alguma de esconder nada de você.
― Felizmente, não é tarde demais.
Nossos camelos seguiam se arrastando. Katrina tentou beijar, ou possivelmente cuspir em Hindenburg, e Hindenburg peidou em resposta. Achei isso um comentário depressivo sobre relações menino-e-menina.
Walt começou a falar.
― Isso tem a ver com o sangue dos faraós. Vocês... quero dizer, os Kanes... vocês combinam duas linhagens reais poderosas, Narmer e Ramsés, o Grande, certo?
― Foi o que me contaram. Sadie, a Grande, soa bem.
Walt não respondeu a isso. Talvez ele estivesse me imaginando como faraó, o que eu tinha que admitir que era um conceito aterrorizante.
― Minha linhagem real... ― ele hesitou. ― O quanto você sabe sobre Amenófis?
― Na minha cabeça, ele foi um faraó. Provavelmente do Egito.
Walt riu, o que foi bom. Se eu pudesse manter seu humor não muito sério, talvez fosse mais fácil para ele se abrir.
― Amenófis foi o faraó que decidiu acabar com todos os deuses antigos e adotar apenas Aton, o sol.
― Ah... certo.
A história vagamente ligou um alarme, como se me fizesse sentir quase como um Geek egípcio como Carter.
― Ele foi o cara que mudou a capital, não?
Walt aquiesceu.
― Ele construiu uma cidade inteiramente nova em Amarna. Era um cara meio estranho, mas foi o primeiro a ter a ideia que os deuses antigos eram maus. Ele tentou banir sua adoração, destruindo seus templos. Ele queria adorar apenas um deus, mas fez uma escolha estranha para esse deus. Ele escolheu o sol. Não o deus do sol Rá, oatual disco do sol, Aton. De qualquer jeito, os antigos mágicos e sacerdotes, especialmente os sacerdotes de Amon-Rá...
― Outro nome para Rá? ― chutei.
― Mais ou menos ― disse Walt. ― Então, os sacerdotes do templo de Amon-Rá não estavam muito felizes com Amenófis. Depois que ele morreu, eles desfiguraram suas estátuas, tentaram apagar seu nome de todos os monumentos, essas coisas. Amarna foi completamente abandonada. O Egito voltou aos dias antigos.
Eu absorvi aquilo. Milhares de anos antes de Iskandar emitir uma lei exilando os deuses, um faraó teve a mesma ideia.
― E ele era o que, seu ta-ta-ta-não-sei-o-que avô? ― perguntei.
Walt enrolou as rédeas dos camelos em volta de seu punho.
― Sou um dos descendentes de Amenófis, sim. Temos a mesma aptidão para magia que a maioria das linhagens reais, mas... temos problemas também. Os deuses não ficaram felizes com Amenófis, como você pode imaginar. O filho dele, Tutancâmon...
― Rei Tut? ― perguntei. ― Você é parente do rei Tut?
― Infelizmente ― Walt concordou. ― Tutancâmon foi o primeiro a sofrer a maldição. Ele morreu aos dezenove anos. E ele foi um dos mais sortudos.
― Espera aí. Que maldição?
Foi aí que Katrina começou um grito alto. Você pode protestar, dizer que camelos não gritam, mas está extremamente errado. Quando ela alcançou o topo de uma duna maciça, Katrina produziu um som agudo, muito pior que os freios de carro.
Hindenburg estava mais para um som de peido. Olhei para o outro lado da duna. Abaixo de nós, no meio do deserto, havia um nebuloso vale de campos verdes e palmeiras esparramadas, quase o tamanho do centro de Londres.
Pássaros voavam acima. Lagos pequenos brilhavam no sol da tarde. Fumaça rosa subiam de cozinhas em algumas habitações aqui e ali.
Após tanto tempo no deserto, meus olhos doeram de ver todas aquelas cores, como quando você sai de uma sala de cinema para uma tarde ensolarada. Eu entendi como viajantes anciãos devem ter caído, descobrindo um oásis como esse após dias no deserto. Era a coisa mais próxima que eu já tinha visto do Jardim do Éden.
Nossos camelos pararam para admirar o lindo cenário. Uma trilha de pegadas meio apagadas serpeava pela areia, em todo o caminho do oásis ao centro de nossa duna. E acima da colina, havia um gato bem descontente.
― Já era hora ― disse o gato.
Desci das costas de Katrina e encarei o gato. Não porque ele falou – eu já tinha visto coisas mais estranhas – mas porque reconheci a voz.
― Bastet? ― perguntei ― o que você está fazendo nesse... O que é isso, afinal?
O gato sentou-se nas patas traseiras e estendeu as dianteiras como se dissesse: Voilà!
― Um gato egípcio, claro. Lindas pintas de leopardo, pelo colorido...
― Parece que você acabou de sair de um liquidificador!
Eu não estava só sendo cruel. O gato estava terrivelmente mal. Grandes tufos de pelo estavam faltando. Deve ter sido bonito antes, mas eu estava mais inclinada a pensar que ele sempre foi assim. O pouco pelo restante estava sujo e embaraçado, e seus olhos estavam inchados e marcados como Vlad Menshikov‘s.
Bastet, ou o gato, ou o que quer que fosse, defecou e fungou indignadamente.
― Sadie, minha querida, acho que já falamos sobre cicatrizes de batalha em gatos. Esse Amigo aqui é um guerreiro!
Um guerreiro que perde, pensei, mas decidi não dizer.
Walt escorregou das costas de Hindenburg.
― Bastet, como... onde você está?
― Ainda no Duat ― ela suspirou. ― Não será hoje que encontrarei meu caminho de volta. As coisas aqui embaixo estão meio... caóticas.
― Você está bem? ― perguntei.
O gato assentiu.
― Eu só preciso ser cuidadosa. O abismo está cheio de inimigos. Todos os caminhos normais e pelos rios estão guardados. Eu terei um longo caminho a percorrer para voltar a salvo, e assim que o equinócio começar amanhã ao pôr-do-sol, o tempo será ainda menor. Eu achei melhor te mandar uma mensagem.
― Então... ― Walt uniu as sobrancelhas. ― Esse gato não é real?
― É claro que é real ― Bastet respondeu. ― Apenas controlado por um a parte do meuba. Posso falar através de gatos facilmente, sabe, pelo menos alguns minutos por vez, mas essa é a primeira vez que vocês estiveram perto de um. Entende isso? Inacreditável! Vocês realmente precisam andar mais perto de gatos. Pelo jeito, esse gato vai precisar de uma recarga quando eu for embora. Algum peixe bom, talvez, ou um pouco de leite...
― Bastet ― interrompi. ― Você disse que tinha uma mensagem?
― Certo. Apófis está acordando.
― Nós sabíamos!
― Mas é pior do que pensamos ― ela continuou. ― Ele tem uma legião de demônios trabalhando em sua prisão, e planeja se libertar ao mesmo tempo em que você acordar Rá. Na verdade, ele está contando com que você liberte Rá. É parte de seu plano.
Minha cabeça parecia ter virado geleia, mas deve ter sido porque Katrina, o camelo, estava mastigando meu cabelo.
― Apófis quer que libertemos seu arqui-inimigo? Isso não faz sentido.
― Não posso explicar ― Bastet disse ― mas quanto mais perto chego de sua prisão, eu posso captar seus pensamentos. Acho que por termos lutado tantos séculos, temos algum tipo de conexão. De qualquer jeito, o equinócio começa amanhã ao pôr-do-sol, como eu disse. Na alvorada seguinte, a manhã de 21 de março, Apófis pretende erguer-se do Duat. Ele planeja engolir o sol e destruir o mundo. E acredita que seu plano de acordar Rá o ajudará a fazer isso.
Walt franziu a testa.
― Se Apófis quer que o façamos, porque está tentando tanto nos impedir?
― Está mesmo? ― perguntei.
Dúzias de pequenos detalhes que me intrigaram durante dias de repente fizeram sentido. Porque Apófis apenas assustou Carter no Museu do Brooklyn, quando as Flechas de Sekhmet poderiam tê-lo destruído? Como escapamos tão facilmente de São Petersburgo? Por que Set tinha dito voluntariamente a localização do terceiro pergaminho?
― Apófis deseja o caos ― lembrei. ― Ele quer dividir seus inimigos. Se Rá retornar, isso poderia nos deixar no meio de uma guerra civil. Os mágicos já estão divididos. Os deuses estariam brigando entre eles. Não haveria regra clara. Se Rá não renascer numa nova forma forte... se ele é tão velho e frágil quanto eu vi em minha visão...
― Então não devemos acordar Rá? ― perguntou Walt.
― Essa também não é a resposta ― falei.
Bastet inclinou a cabeça.
― Estou confusa.
Minha mente trabalhava rápido. Katrina, o camelo, ainda estava mastigando meu cabelo, tornando-o uma desordem empapada, mas eu mal reparei.
― Nós temos que prosseguir com o plano. Precisamos de Rá. O Maat e o Caos precisam de equilíbrio, certo? Se Apófis retornar, Rá precisa retornar também.
Walt girou seus anéis.
― Mas se Apófis quer Rá acordado, se ele acha que isso vai ajudá-lo a destruir o mundo...
― Nós temos que acreditar que Apófis está errado.
Lembrei-me de uma coisa que Jaz me disse: Escolhemos Acreditar no Maat.
― Apófis não imagina que alguém pode unir os mágicos e os deuses ― eu disse. ― Ele pensa que o retorno de Rá irá nos enfraquecer ainda mais. Precisamos provar que ele está errado. Precisamos criar ordem a partir do caos. É o que o Egito sempre fez. É um risco, um risco enorme, mas se não fizermos nada porque temos medo, cairemos, iremos direto para as mãos de Apófis.
É difícil dar um discurso extraordinário com um camelo lambendo seu cabelo, mas Walt assentiu. O gato não pareceu assim tão entusiasmado. Mas gatos raramente o fazem.
― Não subestime Apófis. Você não lutou com ele. Eu lutei.
― E é por isso que precisamos de você rapidamente.
Contei a ela sobre a conversa de Vlad Menshikov com Set e seus planos de destruir a Casa do Brooklyn.
― Bastet, nossos amigos estão em grande perigo. Menshikov é provavelmente até mais louco do que Amós acha. Assim que você puder, vá para o Brooklyn. Sinto que nossa última parada será lá. Conseguiremos o terceiro pergaminho e encontraremos Rá.
― Não gosto de paradas ― disse o gato. ― Mas você está certa. Isso soa mal. Onde estão Bes e Carter?
Ela olhou suspeitosa para os camelos.
― Você não os transformou naquilo ali, transformou?
― É uma boa ideia ― respondi ― mas não.
Contei a ela, resumidamente, o que Carter estava fazendo. Bastet assobiou com desgosto.
― Um desvio tolo! Terei coisas a dizer para aquele anão sobre deixar você ir sozinha.
― Eu sou o que, invisível? ― Walt protestou.
― Desculpe, querido, eu não quis dizer...
Os olhos do gato estremeceram. Tossiu como se tivesse uma bola de pelo.
― Minha conexão está falhando. Boa sorte, Sadie. A melhor entrada para as tumbas está numa pequena fazenda antiga, a sudeste. Procure por uma torre negra. E cuidado com os romanos. Eles são bem...
O gato estendeu a cauda. Então piscou e olhou em volta, confuso.
― Que romanos? ― perguntei. ― Eles são bem o que?
Miau.
O gato me encarou com uma expressão que dizia: Quem é você e onde está a comida?Empurrei o nariz do camelo para longe do meu cabelo empapado.
― Vamos, Walt ― resmunguei. ― Vamos encontrar algumas múmias.
Nós demos ao gato pedaços de carne e um pouco de água de nossos suprimentos. Não era tão bom quanto peixe e leite, mas o gato pareceu feliz o suficiente. Como ele estava no oásis e obviamente sabia seu caminho melhor que nós, nós o deixamos completar sua refeição.
Walt transformou os camelos novamente em amuletos, graças a Deus, e trilhamos o caminho para Bahariya a pé.
A fazenda não foi difícil de encontrar. A torre negra era vista de longe da propriedade, e era a maior estrutura à vista. Caminhamos em volta dela, entrelaçando-nos entre acres de palmeiras, o que causou certa sombra. Uma casa de fazenda podia ser vista ao longe, mas não vimos ninguém. Provavelmente os egípcios sabiam melhor onde ficar no calor da tarde.
Quando alcançamos a torre, eu não vi nenhuma entrada óbvia de tumba. A torre parecia bem antiga – quatro postes de aço enferrujado segurando um tanque redondo do tamanho de uma garagem a quinze metros no ar. O tanque tinha uma fenda pequena. A cada poucos segundos, água vinha do céu e batia na areia dura abaixo.
Não havia muito mais à vista exceto palmeiras, algumas ferramentas manchadas e um compensado jogado no chão. O símbolo estava pintado de spray em árabe e inglês, provavelmente em alguma tentativa do dono de vender seus artigos em marketing. O inglês dizia: Encontros, o melhor breço. Bebsi gelada.
― Bebsi? ― perguntei.
― Pepsi ― disse Walt. ― Li sobre isso na internet. Não existe “p” em árabe. Todo mundo chama de Bebsi.
― Então você brecisa comer Bebsi com bizza?
― Brovavelmente.
Limpei a garganta.
― Se é um terreno de escavação, não deveria ter mais atividade? Arqueólogos? Cabines de ingresso? Vendedores de souvenires?
― Talvez Bastet nos mandou a uma entrada secreta ― disse Walt. ― Melhor que passar escondido no meio de um monte de guardas e zeladores.
Uma entrada secreta parecia bem intrigante, mas a não ser que a torre fosse um ponto de teletransporte, ou uma das árvores tivesse uma porta escondida, eu não tinha certeza que era tão ah-que-grande-ajuda-de-entrada-deve-ser.
Eu chutei o símbolo da Bebsi. Não havia mais nada a não ser a areia, tornando-se lama lentamente, conforme a água pingava no chão.
― Espere aí ― falei.
A água estava empoçada como um pequeno canal, como se a areia tivesse uma fissura subterrânea. A fenda tinha mais ou menos um metro de largura e não mais espessa que um lápis, mas muito reta para ser natural. Eu toquei a areia. Seis centímetros abaixo, minhas unhas arranharam pedra.
― Ajude-me a limpar isso ― pedi a Walt.
Um minuto depois, desenterramos uma pedra pavimentada de mais ou menos um metro quadrado. Tentei puxar pelas bordas molhadas, mas a pedra era grande e pesada demais para levantar.
― Podemos usar algo como alavanca ― Walt sugeriu.
― Ou... ― eu falei ― vá pra trás.
Walt parecia prestes a protestar, mas quando peguei meu cajado, ele entendeu que era melhor sair do meu caminho. Com o meu novo entendimento da magia dos deuses, eu não pensei muito sobre o que eu precisava, apenas senti uma conexão com Ísis. Lembrei-me de uma situação que ela encontrou o caixão de seu marido dentro de um tronco de cipreste, e em sua raiva e desespero ela partiu a árvore. Canalizei aquelas emoções e apontei para a pedra:
― Ha-di!
Notícia boa: o feitiço funcionou melhor que em São Petersburgo. O hieróglifo brilhou no final do meu cajado, e a pedra explodiu, revelando um buraco escuro abaixo dela.
Notícia ruim: não foi só isso que eu destruí. Em volta do buraco, o chão começou a se desfazer. Walt e eu nos arrastamos para trás enquanto mais pedras caíam na fissura, e reparei que eu desestabilizei toda a entrada de um cômodo subterrâneo. O buraco alargou-se até que alcançou os suportes da torre. A torre começou a rachar.
― Corre! ― gritou Walt.
Não paramos até que estivéssemos escondidos atrás de uma palmeira treze metros longe. A torre tinha centenas de diferentes rachaduras, e sacudia-se para frente e para trás como um bêbado, e então se inclinou em nossa direção e caiu, encharcando-nos da cabeça aos pés e inundando as fileiras de palmeiras. O barulho foi tão ensurdecedor que deve ter sido ouvido através do oásis.
― Oops ― eu disse.
Walt olhou para mim como se eu estivesse louca. Eu estava me sentindo tão culpada quanto era. Mas é tão tentador fazer as coisas voarem pelos ares, não é?
Corremos para A Cratera Memorável de Sadie Kane. Agora era do tamanho de uma piscina. Cinco metros abaixo, sobre uma pilha de areia e rochas, havia fileiras de múmias, todas enroladas em roupas antigas e acamadas em pedra. As múmias agora estavam achatadas. Estava com medo, mas pude dizer que elas estavam pintadas de vermelho, azul e dourado.
― Múmias douradas.
Walt pareceu horrorizado.
― Parte do sistema da tumba que não havia sido escavado ainda. Você acabou de arruinar...
― Eu disse Oops. Agora, me ajude aqui, antes que o dono dessa torre apareça com uma espingarda.

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