segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A Pirâmide Vermelha - Carter

Capítulo 37 - Leroy consegue a sua vingança

TALVEZ EU NÃO SEJA DO TIPO QUE APRENDE DEPRESSA, CERTO?
Porque foi só naquele momento, quando me deparei com o deus Set no meio de sua sala do trono, no coração de uma pirâmide do mal, com um exército de demônios do lado de fora e o mundo prestes a explodir, que pensei: Vir aqui não foi boa ideia.
Set levantou-se do trono. Ele tinha a pele vermelha e era musculoso, usava uma armadura de fogo e seu cajado era de ferro negro. A cabeça mudava de forma, ora animal, ora humana. Em um momento, tinha o olhar faminto e as mandíbulas poderosas de meu velho amigo Leroy, o monstro do aeroporto de Washington. No outro, era um homem louro e de boa aparência, mas de rosto severo, olhos inteligentes que sugeriam humor e um meio sorriso de crueldade.
Ele chutou nosso tio para fora do caminho, e Amós gemeu, o que significava que, pelo menos, estava vivo.
Eu segurava a espada com tanta força que a lâmina tremia.
— Zia estava certa — falei. — Você possuiu Amós.
Set abriu as mãos, tentando parecer modesto.
— Bem, não foi uma possessão completa. Os deuses podem existir em muitos lugares ao mesmo tempo, Carter. Hórus poderia ter contado, se fosse honesto com você. Tenho certeza de que ele procurava um bom monumento de guerra onde se instalar, ou uma academia militar em algum lugar, qualquer coisa, menos essa sua forma magricela. A maior parte de meu ser foi agora transferida para esta magnífica estrutura.
Ele abriu os braços, orgulhoso, mostrando a sala do trono.
— Uma porção de minha alma foi suficiente para controlar Amós Kane.
Ele levantou o dedinho e um fio de fumaça vermelha se dirigiu a Amós, penetrando em suas roupas. Meu tio arqueou as costas como se tivesse sido atingido por um raio.
— Pare! — gritei.
Corri até Amós, mas a fumaça vermelha já tinha se dissipado. Ele estava imóvel, inerte.
Set deixou cair as mãos, como se aquilo o entediasse.
— Não restou muito dele, infelizmente. Amós lutou bem. Foi muito divertido, exigiu muita energia, mais do que eu havia previsto. Aquela magia do caos... Aquilo foi ideiadele. Ele fez de tudo para preveni-los, para deixar claro que eu o controlava. O engraçado é que eu o forcei a usar a própria reserva de magia para fazer os feitiços. Ele quase queimou a alma tentando enviar aqueles avisos flamejantes. Transformá-los em tempestade? Francamente! Quem ainda faz isso?
— Você é uma besta! — gritou Sadie.
Set fingiu surpresa.
— É mesmo? Eu?
Ele gargalhou, enquanto Sadie tentava arrastar Amós para longe daquela situação perigosa.
— Amós estava em Londres naquela noite — comecei a dizer, esperando mantê-lo atento a mim. — Ele deve ter nos seguido até o British Museum, e desde então você o está controlando. Desjardins nunca foi o hospedeiro.
— Ah, aquele plebeu? Por favor — Set desdenhou. — Sempre preferimos sangue de faraós, como já devem saber. Mas adorei enganar vocês. Achei que o bonsoir foi um toque especialmente encantador.
— Você sabia que meu ba estava lá, observando. Forçou Amós a sabotar a própria casa para permitir a entrada dos monstros. Você o fez cair na emboscada. Por que não o fez simplesmente nos sequestrar?
Set estendeu as mãos.
— Como eu disse, Amós lutou muito. Havia certas coisas que eu não poderia tê-lo obrigado a fazer sem destruí-lo completamente, e eu não queria estragar meu novo brinquedinho tão depressa.
A raiva queimava dentro de mim. O comportamento estranho de Amós fazia sentido. Sim, ele tinha sido controlado por Set, mas lutara o tempo todo. O conflito que eu havia percebido nele era o resultado de seu esforço para nos prevenir. Ele quase tinha se destruído tentando nos salvar, e Set o descartara como um brinquedo quebrado.
Deixe-me ficar no comando, Hórus pediu. Vamos vingar seu tio.
Eu cuido disso, respondi.
Não! Eu preciso cuidar disso. Você não está preparado, Hórus insistiu.
Set riu como se pudesse ouvir nossa discussão.
— Ah, pobre Hórus. Seu hospedeiro ainda precisa de rodinhas, como aquelas que impedem que a criança caia enquanto está aprendendo a andar de bicicleta. Espera mesmo me desafiar com isso?
Pela primeira vez, Hórus e eu sentimos a mesma coisa exatamente no mesmo momento: ódio.
Sem pensar, levantamos a mão, expandindo nossa energia até Set. Um punho brilhante atingiu o Deus Vermelho. Ele foi jogado para trás com tanta força, que colidiu com uma coluna, que caiu em cima dele.
Por um instante, só se ouvia o ruído de escombros e terra caindo. Depois, do meio dos destroços, ouvimos uma gargalhada. Set se levantou, atirando para o lado um enorme pedaço de rocha.
— Muito bom! — rosnou ele. — Completamente inútil, mas bom! Vai ser um prazer fazê-lo em pedaços, Hórus, como fiz com seu pai. Vou sepultar todos vocês nesta câmara para aumentar o poder de minha tempestade: meus quatro preciosos irmãos. A tormenta será forte o bastante para envolver o mundo!
Eu pisquei, de repente confuso.
— Quatro?
— Ah, sim. — Os olhos de Set se voltaram para Zia, que se recolhera em silêncio para um canto da sala. — Não me esqueci de você, minha cara.
Zia me olhou com desespero.
— Carter, não se preocupe comigo. Ele só quer distrair você.
— Deusa adorável — murmurou Set — essa forma não lhe faz jus, mas você não tinha muitas opções, não é?
Set caminhava até ela, e seu cajado começava a brilhar.
— Não! — gritei.
Eu avancei, mas Set era tão bom quanto eu em empurrões mágicos. Ele apontou para mim e me arremessou contra a parede, onde fiquei, como se um time inteiro de futebol americano me segurasse.
— Carter! — gritou Sadie. — Ela é Néftis. Pode cuidar de si mesma!
— Não!
O instinto me dizia que ela não podia ser Néftis. No início, eu pensara que sim, no entanto, quanto mais considerava essa ideia, mais ela parecia errada. Não sentia nela nenhuma magia divina, e algo me dizia que eu perceberia, se ela realmente hospedasse uma deusa.
Set ia destruí-la, a menos que eu impedisse. E, se queria me distrair, estava conseguindo. Ele caminhava para Zia, e eu me debatia contra a magia dele, mas não conseguia me libertar. Quanto mais tentava unir meu poder ao de Hórus, como fizera antes, mais o medo e o pânico me atrapalhavam.
Entregue o comando!, Hórus insistia, e nós dois disputávamos o controle de minha mente, o que me deu uma terrível dor de cabeça.
Set deu mais um passo até Zia.
— Ah, Néftis. No início dos tempos, você foi minha irmã traiçoeira. Em outra encarnação, em outra era, foi minha esposa traiçoeira. Agora, acho que você será um aperitivo saboroso. Sim, você é a mais fraca de todos nós, mas ainda é uma dos cinco, eexiste poder em capturar o conjunto completo.
Ele fez uma pausa e riu.
— Agora, vamos consumir sua energia e sepultar sua alma, que tal?
Zia apontou a varinha. Uma esfera vermelha de energia defensiva a cercou, mas até eu podia dizer que era fraca. Set disparou um jato de areia com seu cajado e a esfera se desfez. Zia cambaleou para trás, com areia caindo dos cabelos e das roupas. Tentei me mover, mas ela gritou:
— Carter, não sou importante! Mantenha o foco! Não resista!
Ela ergueu o cajado e continuou:
— A Casa da Vida!
Zia disparou um raio de fogo contra Set – um ataque que deve ter consumido toda a energia que lhe restava.
Set desviou as chamas para o lado, na direção de Sadie, que precisou levantar a varinha para proteger a si e Amós do fogo. Set puxou o ar como a uma corda invisível, e Zia voou até ele feito uma boneca de pano, direto para suas mãos.
“Não resista.” Como Zia podia dizer tal coisa? Resisti como um louco, mas foi inútil. Tudo o que eu pude fazer foi olhar, impotente, enquanto Set aproximava o rosto do de Zia, examinando-a.
No início, ele pareceu triunfante, alegre, mas sua expressão mudou rapidamente. Ficou confusa. Ele franziu o cenho e seus olhos brilharam.
— Que truque é esse? Onde a escondeu?
— Você não a terá — Zia conseguiu responder, quase sufocada pelas mãos de Set.
— Onde ela está? — Set a jogou para o lado.
Zia bateu contra a parede e teria escorregado para dentro do fosso, mas Sadie gritou: “Vento!”
Uma rajada ergueu o corpo de Zia um instante antes de cair, empurrando-a no chão.
Sadie correu para tirá-la de perto da trincheira brilhante.
Set urrou.
— Isso é um truque seu, Ísis?
Ele lançou outro jato de areia contra as duas, mas Sadie levantou a varinha. A tempestade encontrou um campo de força que desviou o vento e a areia para as paredes da câmara, deixando marcas na rocha.
Não entendi por que Set estava tão zangado, mas não podia permitir que ele machucasse Sadie. Quando a vi sozinha, protegendo Zia da ira de um deus, algo despertou dentro de mim, como um motor cuja marcha é engatada. Meu pensamento tornou-se mais rápido e nítido. A raiva e o medo não desapareceram, mas percebi que eles não eram importantes. Não me ajudariam a salvar minha irmã.
“Não resista”, Zia dissera.
Ela não se referia a resistir a Set. Falava de não resistir a Hórus. O deus falcão e eu lutávamos havia dias pelo controle de meu corpo. Mas nenhum de nós podia ter o comando. Essa era a resposta. Tínhamos de agir em uníssono, confiar um no outro completamente, ou ambos morreríamos.
Sim, Hórus pensou, e parou de me pressionar. Eu parei de resistir, deixando nossos pensamentos fluírem juntos. Entendi seu poder, suas lembranças e seus medos. Vi cada hospedeiro em que ele havia estado por milhares de vidas. E ele viu minha mente – tudo, até aquilo de que eu não me orgulhava.
É difícil descrever o sentimento. E eu sabia, pelas recordações de Hórus, que esse tipo de união era muito raro – como quando uma moeda não cai mostrando cara ou coroa, mas permanece em pé, perfeitamente equilibrada.
Ele não me controlava. Eu não o usava para ter o poder. Agíamos como se fôssemos um. Nossas vozes disseram em harmonia:
— Agora!
E os elos mágicos que nos prendiam se partiram.
Meu avatar de combate se formou à minha volta, tirando-me do chão e envolvendo-me com aquela energia dourada. Dei um passo à frente e levantei a espada. O guerreiro falcão fez o mesmo, perfeitamente sintonizado com meus desejos.
Set se virou e me olhou com frieza.
— Ah, Hórus. Conseguiu encontrar os pedais da sua bicicletinha? Mas isso não quer dizer que saiba andar nela.
— Sou Carter Kane, Sangue dos Faraós, Olho de Hórus. E agora, Set, irmão, tio, traidor, vou esmagá-lo como um inseto.

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