quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Sombra da Serpente - Sadie

Capítulo 18 - O garoto da morte ao resgate

As boas notícias: Amós não estava inteiramente sozinho.
As más notícias: seu reforço era o deus do mal.
Enquanto nós corríamos para dentro do Salão das Eras, nossa tentativa de resgate parava. Nós não esperávamos ver um balé aéreo mortal com relâmpagos e facas. Os hieróglifos normais que flutuavam no salão desapareceram. As cortinas holográficas dos dois lados do salão tremeluziam fracamente. Algumas tinham caído por completo.
Como eu suspeitava, um time de assalto de magos inimigos tinha se fechado aqui com Amós, mas parecia que eles estavam se arrependendo da sua escolha.
Pairando no meio do centro do salão, Amós estava envolto de um avatar estranho que eu nunca vi. Uma forma humana o rodeava vagamente – uma parte de tempestade de areia, parte fogo, parecido como o gigante Apófis que vimos lá em cima, exceto que mais feliz.
O guerreiro gigante vermelho ria enquanto lutava, rodando um cajado preto de dez metros com uma força descuidada. Suspenso em seu peito, Amós copiava os movimentos do gigante, seu rosto frisado com suor. Eu não podia dizer se Amós estava direcionando Set ou tentando contê-lo. Possivelmente os dois.
Os magos inimigos fizeram círculos ao seu redor. Kwai era fácil de detectar, com sua careca e túnica azul, correndo pelo ar como aqueles monges de arte marciais que podem desafiar a gravidade. Ele atirou raios de luz vermelhos no avatar de Set, mas eles não pareciam ter muito efeito.
Com o seu cabelo preto espetado e túnica branca, Sarah Jacobi parecia como uma bruxa esquizofrênica do oeste, especialmente por que ela estava surfando em uma nuvem de tempestade como um tapete voador. Ela segurava duas facas pretas como navalhas de barbeiro, que ela jogava várias e várias vezes como um show de malabarismo, arremessando contra o avatar de Set, e pegando-as assim que elas retornam as suas mãos. Eu já tinha visto facas que nem aquelas antes – lâminas netjeri, feitas de aço de meteorito. Elas eram usadas na maioria das vezes em cerimônias de funeral, mas pareciam funcionar muito bem como armas. Com cada pancada, eles cortavam cada vez mais a pele de areia do avatar, vagarosamente desgastando-a.
Enquanto eu a assistia jogar as suas facas, raiva se firmou em mim como um soco. Algum instinto me disse que Jacobi tinha cortado meu amigo russo Leonid com aquelas facas antes de deixá-lo para morrer.
Os outros rebeldes não estavam tão satisfeitos com seus ataques, mas eles com certeza eram persistentes. Alguns jogavam em Set jatos de vento ou água. Outros lançavam criaturas de shabti, como grifos e escorpiões gigantes. Uma bola de gordura foi atirada em Amós com pedaços de queijo. Honestamente, eu não tenho certeza se eu teria escolhido um Mestre do Queijo para meu esquadrão de elite, mas talvez Sarah Jacobi ficasse com fome durante as batalhas.
Set parecia estar se divertindo. O gigante guerreiro vermelho lançou seu cajado de aço para dentro do peito de Kwai e o mandou pelo ar em uma espiral. Ele lançou outro mago dentro das cortinas holográficas da era romana, e o pobre homem entrou em colapso com visões de togas de festas.
Set empurrou com sua mão livre o Mestre do Queijo. O mago gordo estava tragado pela tempestade de areia e começou a gritar, mas rapidamente, Set relaxou sua mão. A tempestade parou. O mago caiu no chão como uma boneca de pano, inconsciente, mas ainda vivo.
— Bah! — O guerreiro vermelho berrou. — Vamos lá, Amós, me deixe ter alguma diversão. Eu só queria arrancar a carne dos ossos deles!
O rosto de Amós estava concentrado. Claramente ele estava fazendo seu melhor para controlar o deus, mas Set tinha muitos outros inimigos para brincar.
— Puxa! — O deus vermelho atirou um relâmpago em uma esfinge de pedra que virou poeira. Ele riu insanamente e golpeou seu cajado em Sarah Jacobi. — Isso é diversão, pequenos magos! Vocês não tem mais nenhum truque?
Eu não tinha certeza quanto tempo nós paramos na porta, assistindo a batalha. Provavelmente não mais que alguns segundos, mas pareceu como uma eternidade.
Finalmente Jaz sufocou um soluço.
— Amós... ele está possuído de novo.
— Não — insisti. — Não, isso é diferente! Ele está no controle.
Nossos iniciados olharam para mim sem muita confiança. Eu entendia o pânico deles. Eu lembro melhor que todo mundo como Set quase destruiu a sanidade do meu tio. Era difícil de compreender que Amós voluntariamente tenha canalizado o poder do deus vermelho. Ainda que ele fizesse o impossível. Ele estava ganhando.
Entretanto, nem o Sacerdote-leitor Chefe podia canalizar tanto poder por muito tempo.
— Olhem para ele! — supliquei. — Nós temos que ajudá-lo! Amós não está possuído. Ele está controlando Set!
Walt franziu a testa.
— Sadie, isso... isso é impossível. Set não pode ser controlado.
Carter ergueu seu cajado e mangual.
— É óbvio que ele pode, por que Amós está conseguindo. Agora, vocês vão para a guerra, ou o quê?
Nós fomos para frente, mas hesitamos muito. Sarah Jacobi notou a nossa presença. Ela gritou para seus seguidores:
— Agora!
Ela podia ser má, mas não era boba. Seu ataque em Amós era simplesmente para distraí-lo e enfraquecê-lo. Com a sua deixa, o verdadeiro ataque começou. Kwai jogou relâmpagos na cara de Amós assim como os outros lançavam cordas mágicas no avatar de Set.
O guerreiro vermelho cambaleou quando as cordas o prenderam de uma vez, nas duas pernas e braços. Sarah Jacobi embainhou suas facas e fez um laço longo e preto. Dirigindo sua nuvem de tempestade acima do avatar, ela laçou com destreza a sua cabeça e puxou o laço apertado.
Set rugiu de indignação, mas o avatar começou a encolher. Antes que nós pudéssemos chegar mais perto, Amós estava ajoelhado no chão do Salão das Eras, rodeado por apenas um único escudo fino vermelho. As cordas mágicas o prendiam. Sarah Jacobi estava atrás dele, segurando o laço preto como uma coleira. Uma de suas netjeri estava pressionada contra o pescoço de Amós.
— Parem! — ela mandou. — Isso acaba agora.
Meus amigos hesitaram. Os magos rebeldes viraram e nos encararam.
Ísis falou na minha mente: Lamentável, mas nós precisamos deixá-lo morrer. Ele hospeda Set, nosso velho inimigo.
Esse é meu tio!, respondi.
Ele foi corrompido. Ísis disse. Ele já se foi.
— Não! — gritei.
Nossa conexão vacilou. Você não pode compartilhar a mente de um deus e ter um desacordo. Para ser o Olho, você precisa agir em perfeita sintonia.
Carter parecia ter o mesmo problema com Hórus. Ele invocou o guerreiro avatar, mas imediatamente se dissipou e jogou Carter no chão.
— Vamos lá, Hórus! — ele reclamou. — Nós temos que ajudar.
A risada de Sarah Jacobi soou como um metal arrastado na areia.
— Vocês veem? — Ela puxou a corda apertada no pescoço de Amós. — Isso é o que vem do caminho dos deuses! Confusão. Caos. Set em pessoa no Salão das Eras! Até mesmo vocês tolos desorientados não podem negar que isso é errado!
Amós feriu sua garganta. Ele rosnou com ultraje, mas era a voz de Set que falava.
— Eu tentei fazer algo bom, e é assim que me agradecem? Você deveria ter me deixado matar todos, Amós!
Eu dei um passo a frente, com cuidado para não fazer nenhum movimento brusco.
— Jacobi, você não entende. Amós está canalizado o poder de Set, mas ele está no controle. Ele podia ter te matado, mas ele não o fez. Set era um tenente de Rá. Ele é uma ajuda utilizável, propriamente controlado.
Set bufou.
— Utilizável, sim! Eu não sei sobre o negócio de propriamente controlado. Deixe me ir, punir magos, então eu posso te arrebentar!
Eu olhei para o meu tio.
— Set! Não está ajudando!
A expressão de Amós mudou de raiva para consentimento.
— Sadie! — ele disse com a sua própria voz. — Vá! Lute contra Apófis. Me deixe aqui!
— Não. Você é o Sacerdote-leitor Chefe. Nós lutaremos pela Casa da Vida.
Eu não olhei para trás, mas eu esperava que meus amigos concordassem. Caso contrário, meu ultimo discurso seria curto, muito curto.
Jacobi zombou.
— Seu tio é um servo de Set! Você e seu irmão estão sentenciados a morte. E o restante de vocês, abaixem suas armas. Como sua nova Sacerdote-Leitora Chefe, eu irei lhes dar anistia. Então nós batalharemos contra Apófis juntos.
— Você tem uma aliança com Apófis! — gritei.
A cara de Jacobi petrificou.
— Traição.
Ela tirou seu cajado.
— Ha-di.
Eu ergui minha varinha, mas Ísis não estava me ajudando nesse momento. Eu era apenas Sadie Kane, e minhas defesas eram vagarosas. A explosão invadiu meus escudos fracos e me jogou para dentro de uma cortina de luz. Imagens da Era dos Deuses crepitavam ao meu redor – a fundação do mundo, a coroação de Osíris, a batalha de Set e Hórus – como se eu tivesse sessenta diferentes filmes sendo baixados dentro do meu cérebro enquanto era eletrocutada. A luz se apagou, e eu fiquei no chão, atordoada e esgotada.
— Sadie! — Carter vinha em minha direção, mas Kwai lançou contra ele um relâmpago vermelho.
Carter caiu de joelhos. Eu não tinha nem forças para gritar.
Jaz correu até mim. A pequena Shelby gritou.
— Parem! Parem!
Nossos outros iniciados pareciam atordoados, incapazes de se mexer.
— Levantem — Jacobi disse.
Eu percebi que ela estava falando com palavras de poder, assim como o fantasma de Setne tinha feito. Ela estava usando magia para paralisar meus amigos.
— Os Kanes não trouxeram nada para vocês além de problemas. É tempo de acabar com isso.
Ela levantou sua netjeri do pescoço de Amós. Rápida que nem a luz, ela a jogou em mim. Enquanto a lâmina flutuava, minha mente parecia se acelerar. Em um milésimo de segundo, eu entendi que Sarah Jacobi não perderia. Meu fim seria doloroso como o pobre Leonid, que foi sangrado para morrer sozinho no outro túnel. Eu não podia fazer nada para me defender.
Uma sombra passou na minha frente. Uma mão descoberta arrebatou a lâmina no ar. O ferro meteórico virou cinzas e desmoronou.
Os olhos de Jacobi se alargaram. Ela rapidamente pegou sua segunda faca.
— Quem é você? — ela exigiu.
— Walt Stone — ele respondeu. — Sangue dos faraós. E Anúbis, deus da morte.
Ele avançou na minha frente, me protegendo dos inimigos. Talvez minha visão estivesse com problemas por que eu bati minha cabeça, mas eu vi os dois com a mesma clareza – os dois lindos e poderosos, os dois com raiva.
— Nós falamos em uma só voz — Walt disse. — Especialmente nessa situação.Ninguém fere Sadie Kane.
Ele estendeu a mão. O chão se dividiu entre os pés de Sarah Jacobi, e as almas dos mortos surgiram como erva daninha – mãos esqueléticas, pessoas brilhantes, sombras com presas, e bas com suas garras prolongadas. Eles encurralaram Sarah Jacobi, envolvendo-a em roupa de fantasma e arrastaram-na para o abismo gritando. O chão se fechou atrás dela, não deixando nenhum traço de que ela alguma vez tivesse existido.
O laço negro ao redor do pescoço de Amós afrouxou, e a voz de Set riu com prazer.
— Esse é meu garoto!
— Cala a boca, pai — Anúbis respondeu.
No Duat, Anúbis parecia como ele sempre foi, com seu cabelo preto desgrenhado e olhos marrons amáveis, mas eu nunca o tinha visto preenchido de raiva. Percebi que se alguém se atrevesse a me machucar iria sofrer sua ira completa, e Walt não estava lá para pará-lo.
Jaz ajudou Carter a se levantar. Sua camisa estava queimada, mas ele parecia estar bem. Eu supus que o relâmpago não era a pior coisa que tinha acontecido com ele ultimamente.
— Magos! — Carter se ajeitou para se levantar e parecer confiante, abordando tanto os iniciados quanto os rebeldes. — Nós estamos perdendo tempo. Apófis está lá em cima, a ponto de destruir o mundo. Alguns deuses corajosos estão segurando-o por nossa causa, por causa do Egito e pelo mundo mortal, mas eles não podem fazer isso sozinhos. Jacobi e Kwai os levaram ao erro. Soltem o Sacerdote-leitor Chefe. Nós temos que trabalhar juntos.
Kwai rosnou. Eletricidade vermelha saiu entre os seus dedos.
— Nunca. Nós não nos curvaremos para os deuses.
Eu me levantei.
— Ouçam meu irmão. Vocês não confiam nos deuses? Eles já estão nos ajudando. Entretanto, Apófis quer que nós lutemos entre nós. Por que vocês acham que o ataque de vocês foi hoje de manhã, no mesmo momento que Apófis está se levantando? Kwai e Jacobi venderam todos vocês. O inimigo está na sua frente!
Até os rebeldes agora se viraram para encarar Kwai. As cordas restantes caíram de Amós.
Kwai zombou.
— Vocês estão muito atrasados.
Sua voz soava com poder. Suas vestes ficaram de azul para cor de sangue. Seus olhos brilharam, suas pupilas viraram reptilianas.
— Até agora, meu mestre está destruindo os velhos deuses, entrando pelas fundações do seu mundo. Ele irá engolir o sol. Todos vocês irão morrer.
Amós ficou em pé. Areia vermelha girou ao seu redor, mas eu não tinha dúvidas de quem estava no comando agora. Suas vestes brancas reluziam com poder. A capa de pele de leopardo de Sacerdote-leitor Chefe brilhava nos seus ombros. Ele mexeu seu cajado e hieróglifos multicoloridos voaram pelo ar.
— Casa da Vida — ele clamou — para a guerra!
Kwai não desistiu fácil.
Eu suponho que é o que acontece quando a Serpente do Caos está invadindo seus pensamentos e preenchendo-o com raiva e magia.
Kwai mandou uma corrente de raios vermelhos pelo salão, derrubando uma parte dos outros magos, incluindo seus seguidores. Ísis deve ter me protegido, pois um veio até mim sem nenhum efeito. Amós não parecia incomodado com o tornado vermelho. Walt tropeçou, mas por um instante. Até Carter em seu estado debilitado conseguiu desviar do raio com o seu cajado de faraó.
Os outros não foram tão sortudos. Jaz desabou. Depois Julian. Depois Felix e seu esquadrão de pinguins. Todos os iniciados e rebeldes estavam inconscientes no chão. Muito para uma ofensiva maciça.
Eu invoquei o poder de Ísis. Comecei a conjurar um encanto de ligação; mas Kwai não tinha acabado com seus truques. Ele levantou suas mãos e criou sua própria tempestade de areia. Dezenas de turbilhões giravam pelo salão, formando criaturas de areia – esfinges, crocodilos, lobos e leões. Eles atacaram em todas as direções, até nos nossos amigos indefesos.
— Sadie! — Amós avisou. — Proteja-os!
Eu rapidamente mudei o feitiço – fazendo escudos rapidamente sobre os iniciados inconscientes. Amós explodiu os monstros um por um, mas eles continuavam se reformando.
Carter invocou seu avatar. Ele foi atrás de Kwai, mas o jato mágico vermelho o atingiu com um novo tipo de raio. Meu pobre irmão bateu em uma coluna de pedra, o que o deixou confuso. Eu podia apenas esperar que o seu avatar tivesse pegado a maior parte do impacto.
Walt defendeu uma dezena de magos de uma vez – suas esfinges, camelos, íbis, até Filipe da Macedônia. Eles atacaram as criaturas de areia, tentando mantê-las longe dos magos caídos.
Então Walt se virou para Kwai.
— Anúbis — Kwai sibilou. — Você deveria ter ficado em sua funerária, menino deus. Você será superado.
No momento da resposta, Walt estendeu as mãos. Em cada lado dele, o solo se abriu. Dois chacais pularam das fendas, com seus dentes arreganhados. A forma de Walt tremeluziu. De repente ele estava vestido com uma armadura egípcia, com um cajadowas girando em suas mãos como um ventilador mortal.
Kwai rosnou. Ele atacou os chacais com ondas de areia. Ele arremessou raios e palavras de poder em Walt, mas Walt os rebateu com o cajado, reduzindo os ataques de Kwai em cinzas.
Os chacais cercaram Kwai de todos os lados, afundando os dentes na sua perna, enquanto Walt deu um passo a frente e mexeu seu cajado como um taco de golfe. Ela bateu tão forte em Kwai, eu imaginei que isso ecoou por todo o caminho do Duat. O mago caiu. Suas criaturas de areia sumiram.
Kwai poderia estar morto. Uma linha de sangue escorreu de sua boca. Seus olhos estavam vidrados. Mas enquanto eu estudava seu rosto, ele pegou ar e deu uma risada fraca.
— Idiotas — ele falou asperamente. — Sahei.
Um hieróglifo vermelho sangue queimou contra seu peito:


Suas roupas queimaram em chamas. Diante de nossos olhos, ele se dissolveu em areia e uma onda fria – o poder do Caos – ondulou pelo Salão das Eras. Colunas sacudiram. Pedaços de pedras caíram do teto. Uma laje do tamanho de um forno se cochou contra o trono, quase se chocando no trono do faraó.
— Trazer abaixo — traduzi, percebendo o que os hieróglifos significavam. Até Ísis parecia espantada pela invocação. — Sahei é trazer abaixo.
Amós praguejou em Egito antigo – algo sobre burros pisoteando o fantasma de Kwai.
— Ele usou sua vida para lançar essa maldição. O salão está enfraquecido. Nós temos que ir antes que sejamos enterrados vivos.
Eu olhei para os magos caídos. Alguns dos nossos iniciados estavam começando a se mexer, mas não tinha nenhuma maneira de que nós pudéssemos tirá-los em segurança a tempo.
— Nós temos que parar isso — insisti. — Nós temos quatro deuses presentes! Não podemos salvar o salão?
Amós franziu o cenho.
— O poder de Set não irá ajudar nisso. Ele só pode destruir, não restaurar.
Walt – que parecia calmo para um guerreiro com armadura – balançou sua cabeça.
— Isso está além de Anúbis. Desculpe-me.
O chão tremeu. Nós só tínhamos alguns segundos de vida. Então nós seríamos apenas outros bando de egípcios em tumbas.
— Carter? — perguntei.
Ele me olhava impotente. Ele ainda estava fraco, e percebi que a sua magia de batalha não seria de muita ajuda nesse momento.
Eu suspirei.
— Então é comigo, como sempre. Tudo bem. Vocês três protejam os outros o melhor que conseguirem. Se isso não funcionar, vão embora rápido.
— Se o que não funcionar? — Amós disse, e mais pedaços de teto caíram em nós — Sadie, o que você está planejando?
— Apenas uma palavra, querido tio.
Eu ergui meu cajado e chamei pelo poder de Ísis.
Ela imediatamente entendeu o que eu precisava. Juntas, nós tentamos acalmar o Caos. Eu me concentrei nos momentos pacíficos da minha vida – e não eram muitos. Me lembrei da minha festa do meu sexto aniversário em Los Angeles com Carter, meu pai e mãe – a última memória clara que eu tinha de todos nós juntos como uma família. Eu imaginei ouvir a música no meu quarto na Casa do Brooklyn enquanto Khufu comia Cheerios na minha cômoda. Me imaginei sentada na varanda com meus amigos, tendo um ótimo café da manhã enquanto Filipe da Macedônia nadava na piscina – Muffin no meu colo, o jogo de rúgbi do vovô na televisão, e os biscoitos horríveis da vovó com chá fraco na mesa. Tempos bons, eram esses.
Mais importante, eu baixei o meu caos. Aceitei minha mistura de emoções sobre o tempo que morei em Londres ou Nova York, enquanto era uma maga ou uma estudante. Eu era Sadie Kane, e se eu sobrevivesse hoje, eu poderia balancear tudo. E, sim, eu aceitei Walt e Anúbis... Eu abandonei minha raiva e medo. Imaginei os dois comigo, e se era peculiar, então bem, isso se encaixava direito com o resto da minha vida. Eu fiquei em paz com a ideia. Walt estava vivo. Anúbis estava em carne e osso. Eu calei minha inquietação e deixei ir minhas dúvidas.
— Maat — falei.
Eu me senti como se estivesse presa contra as fundações da terra. Uma harmonia profunda ressoava pelos níveis do Duat.
O Salão das Eras se calou. Colunas se levantaram e se restauraram sozinhas. As rachaduras no teto se selaram. Cortinas holográficas de luz estavam mais uma vez de cada lado do salão, e hieróglifos mais uma vez preenchiam o ar.
Eu cai nos braços de Walt. Com minha visão embaçada, o vi sorrindo para mim. Anúbis também. Eu podia ver os dois, e percebi que não tinha que escolher.
— Sadie, você conseguiu. Você é incrível.
— Uhum — murmurei. — Boa noite.
Eles me disseram que eu fiquei fora por alguns segundos, mas pareceu séculos. Quando acordei, os outros magos estavam novamente em pé. Amós sorriu para mim.
— Se levante, minha garota.
Ele me ajudou a ficar de pé. Carter me abraçou entusiasticamente, quase como se ele me apreciasse pela primeira vez.
— Ainda não acabou — Carter avisou. — Nós temos que conseguir chegar à superfície. Estão prontos?
Eu balancei a cabeça, nenhum de nós dois estava em boa forma. Nós usamos muita energia na luta no Salão das Eras. Até com os deuses ajudando, nós não estávamos em condições de encarar Apófis. Mas tínhamos uma pequena escolha.
— Carter — Amós disse formalmente, gesticulando para o trono vazio. — Você é sangue dos faraós, Olho de Hórus. Você carrega o cajado e mangual, dados por Rá. O navio real é seu. Você nos liderará, deuses e mortais, contra o inimigo?
Carter ficou ereto. Eu podia ver a dúvida e medo nele, mas possivelmente isso era apenas por que eu o conhecia. Eu falei seu nome secreto. Por outro lado, ele parecia confiante, forte, adulto – até mesmo majestoso.
[Sim, eu disse isso. Não fique se achando, querido irmão. Você continua um grande idiota.]
— Eu liderarei vocês — Carter anunciou. — Mas o trono terá que esperar. Agora, Rá precisa de nós. Nós temos que ir para a superfície. Você pode nos mostrar o caminho mais rápido?
Amós balançou a cabeça.
— E o resto de vocês?
Os outros magos assentiram – até os rebeldes.
— Nós não somos muitos — Walt observou. — Quais suas ordens, Carter?
— Primeiro nós temos que conseguir reforços. É hora de invocar uns deuses para a guerra.

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