sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O Herói Perdido - Leo

Capítulo XXXVI - Leo

QUANDO LEO VIU COMO PIPER E HEDGE estavam sendo bem tratados, ficou profundamente ofendido.
Imaginara os dois congelando na neve, mas a Caçadora Phoebe montara uma tenda prateada do lado de fora da caverna. Como ela fez isso tão rápido, Leo não tinha ideia, mas dentro havia um aquecedor a querosene mantendo-os quentes e um bando de almofadas confortáveis. Piper pareceria normal de novo, coberta por um novo casaco, luvas e uma calça camuflada, como uma Caçadora. Ela, Hedge e Phoebe estavam relaxados, bebendo chocolate quente.
— Ah, não mesmo — Leo falou. — Nós estávamos sentados em uma caverna e vocês ficam com a tenda de luxo? Quero uma hipotermia já! E também chocolate quente e um casaco!
Phoebe fungou.
— Garotos... — ela falou, como se fosse o pior insulto em que podia pensar.
— Está tudo bem, Phoebe — disse Thalia. — Eles vão precisar de casacos extras. E acho que podemos compartilhar algum chocolate.
Phoebe resmungou, mas logo Leo e Jason também estavam vestindo roupas de inverno prateadas que eram incrivelmente leves e quentes. O chocolate quente era de primeira.
— Saúde — disse o Treinador Hedge.
Ele mastigou e engoliu seu copo térmico de plástico.
— Isso não pode ser bom para seus intestinos — Leo comentou.
Thalia deu tapinhas nas costas de Piper. 
— Está pronta para seguirmos em frente?
Piper assentiu.
— Graças a Phoebe, sim. Vocês são mesmo muito boas nessa coisa de sobrevivência na selva. Eu poderia correr vinte quilômetros.
Thalia piscou para Jason.
— Ela é durona para uma filha de Afrodite. Gostei dela.
— Ei, eu poderia correr vinte quilômetros também — Leo se voluntariou. — Filho durão de Hefesto aqui. Manda ver.
Naturalmente, Thalia o ignorou.
Phoebe levou exatamente seis minutos para desmontar o acampamento, algo que Leo não podia crer. A tenda se encolheu em um quadrado do tamanho de uma caixinha de chicletes. Leo queria pedir detalhes para ela, mas eles não tinham tempo.
Thalia subiu montanha acima pela neve, abrindo um pequeno caminho pela lateral, e logo Leo lamentava tentar parecer o valentão, porque as Caçadoras o estavam fazendo comer poeira.
O Treinador Hedge estava saltitando em volta como um feliz bode montanhês, incentivando-os como costumava fazer nos dias de trilha na escola.
— Vamos, Valdez! Acerte o passo! Vamos cantar. Eu tenho uma garota em Kalamazoo...
— Não vamos não — Thalia rebateu.
Então, correram em silêncio.
Leo ficou para trás ao lado de Jason, no fim do grupo.
— Como está indo, cara?
A expressão de Jason foi suficiente para responder: Nada bem.
— Thalia leva isso tão bem — Jason disse. — Como se não fosse grande coisa eu ter aparecido. Não sei o que eu esperava, mas... ela não é como eu. Parece bem mais... tranquila.
— Ei, ela não está lutando contra uma amnésia — Leo falou. — E outra, ela teve mais tempo para se habituar a essa coisa toda de semideus. Se você luta com monstros e fala com os deuses, provavelmente se acostuma com as surpresas.
— Talvez — Jason respondeu. — Eu só queria entender o que aconteceu quando eu tinha dois anos, e porque minha mãe se livrou de mim. Thalia fugiu por minha causa.
— Ei, seja lá o que tenha acontecido, não foi sua culpa. E sua irmã é muito legal. Ela é bem parecida com você.
Jason ficou em silêncio. Leo se perguntou se havia dito as palavras certas. Queria fazer Jason se sentir melhor, mas isso estava fora da sua zona de conforto. Leo desejou poder enfiar a mão em seu cinto de ferramentas e pegar algo que consertaria a memória de Jason, talvez um pequeno martelo... uma batidinha no lugar certo e talvez tudo funcionasse direito. Seria muito mais fácil que tentar conversar sobre o assunto. Não sou bom com formas de vida orgânicas.
Obrigado por essa herança, pai, Leo pensou.
Leo estava tão perdido em pensamentos que não percebeu que as Caçadoras haviam parado. Ele se chocou contra Thalia e quase os mandou montanha abaixo. Felizmente, a Caçadora era rápida. Ela equilibrou os dois e então apontou para o alto.
— Aquilo sim — Leo engasgou-se — é uma pedra muito grande.
Eles estavam perto do topo de Pikes Peak. Abaixo deles, o mundo estava coberto por nuvens. O ar era tão rarefeito que Leo mal conseguia respirar. A noite já tinha caído, mas uma grande lua cheia brilhava e as estrelas estavam incríveis. Se estendendo de norte a sul, picos de outras montanhas surgiam entre as nuvens, como ilhas  ou dentes. Mas o show de verdade estava acima deles. Pairando no céu, a cerca de quinhentos quilômetros de distância, estava uma enorme ilha flutuante feita de rocha lilás.
Era difícil julgar seu tamanho, mas Leo percebeu que era tão grande quanto um estádio de futebol e tão alta quanto. As laterais eram como penhascos crivados de cavernas, e de vez em quando surgia uma rajada de vento que soava como um tubo de órgão. No topo da rocha, muros de bronze rodeavam uma espécie de fortaleza.
A única coisa ligando o topo de Pikes Peak com a rocha flutuante era uma estreita ponte de gelo que brilhava ao luar.
Então Leo percebeu que a ponte não era exatamente feita de gelo, porque não era sólida. Tal qual os ventos mudavam de direção, a ponte serpenteava, borrando e afinando, em alguns pontos até mesmo quebrando em uma linha pontilhada, como o rastro de vapor de um avião.
— Nós não vamos mesmo atravessar isso, certo? — perguntou Leo.
Thalia deu de ombros.
— Eu não sou uma grande fã de altura, admito. Mas se vocês querem chegar à fortaleza de Éolo, esse é o único jeito.
— A fortaleza sempre fica flutuando aí? — Piper perguntou. — Como as pessoas não percebem isso no topo de Pikes Peak?
— A Névoa — Thalia respondeu. — Ainda assim, os mortais a notam. Tem dias que Pikes Peak parece lilás. As pessoas dizem que é um efeito de luz, mas na verdade é o palácio de Éolo refletindo na montanha.
— É enorme — Jason falou.
Thalia riu.
— Você deveria ver o Olimpo, maninho.
— Sério? Você já esteve lá?
Thalia fez uma careta, como se não fosse uma boa recordação.
— Nós devemos atravessar em dois grupos. A ponte é frágil.
— Isso é tranquilizador — Leo disse. — Jason, você não pode simplesmente nos levar voando?
Thalia riu. Então pareceu notar que a pergunta de Leo não era uma piada.
— Espere... Jason, você pode voar?
Jason encarou a fortaleza flutuante.
— Bem, mais ou menos. É mais como se eu controlasse o vento. Mas os ventos aqui em cima são tão fortes, não sei se gostaria de tentar. Thalia, quer dizer que... você não pode voar?
Por um segundo, Thalia pareceu genuinamente assustada. Então ela controlou novamente sua expressão. Leo percebeu que ela tinha bem mais medo de altura do que deixava transparecer.
— Sinceramente — ela disse — eu nunca tentei. Talvez seja melhor nos atermos a ponte.
Treinador Hedge bateu no vapor de gelo com o casco, então pulou para a ponte.
Surpreendentemente, ela suportou seu peso.
— Moleza! Eu vou primeiro! Piper, vamos lá, garota. Eu te dou uma mão.
— Não, está tudo bem — Piper começou a dizer, mas o treinador segurou sua mão e a içou pra a ponte.
Quando eles estavam quase na metade, a ponte continuou segurando-os bem. Thalia se virou para sua amiga Caçadora.
— Phoebe, eu volto logo. Vá achar as outras. Diga a elas que estou bem.
— Tem certeza? — Phoebe estreitou os olhos para Leo e Jason, como se eles fossem sequestrar Thalia ou algo do tipo.
— Está tudo bem — Thalia prometeu.
Phoebe concordou, relutante, e depois desceu correndo pelo caminho da montanha, os lobos brancos em seu encalço.
— Jason, Leo, apenas tomem cuidado onde pisam — Thalia falou. — Ela quase nunca quebra.
— Ela não me conheceu ainda — Leo murmurou, mas ele e Jason caminharam pela ponte.


No meio da subida, as coisas deram errado, e é claro que a culpa era de Leo. Piper e Hedge já estavam sãos e salvos no topo, acenando para eles, encorajando-os a continuar subindo, mas Leo se distraiu. Ele estava pensando em pontes  como ele projetaria algo bem mais estável que aquele caminho de vapor móvel, se esse fosse o seu palácio. Ele pensava sobre corrimãos e colunas de suporte. Em seguida, uma revelação súbita interrompeu sua linha de pensamento.
— Por que eles tem uma ponte? — questionou.
Thalia franziu o cenho.
— Leo, este não é um bom lugar para parar. O que você quer dizer?
— Eles são espíritos do vento — Leo disse. — Não podem voar?
— Sim, mas em algumas ocasiões precisam de uma forma de se ligar ao mundo abaixo.
— Então a ponte não fica sempre aqui? — Leo perguntou.
Thalia balançou a cabeça.
— Os espíritos do vento não gostam de se ancorar à terra, mas algumas vezes é necessário. Como agora. Eles sabem que vocês estão chegando.
A mente de Leo estava a mil. Ele estava tão empolgado que quase podia sentir sua temperatura corporal aumentando. Ele não conseguia colocar seus pensamentos em palavras, mas sabia que estava chegando a algo importante.
— Leo? — Jason chamou. — No que está pensando?
— Oh, deuses — Thalia disse. — Continue andando. Olhe para seus pés.
Leo recuou. Com horror, percebeu que sua temperatura realmente estava aumentando, tal como tinha acontecido anos atrás, na mesa de piquenique debaixo de uma árvore, quando sua ira fugiu do controle. Agora, a empolgação estava causando a mesma reação. Suas calças soltavam vapor no ar frio. Seus sapatos estavam literalmente fumegando, e a ponte não gostou. O gelo estava afinando.
— Leo, pare com isso — Jason avisou. — Você vai derreter a ponte.
— Vou tentar — Leo disse. Mas seu corpo estava superaquecendo sozinho, indo tão rápido quanto seus pensamentos. — Escuta, Jason, de que Hera te chamou naquele sonho? Ela falou que você era uma ponte.
— Leo, sério, acalme-se — Thalia disse. — Não sei do que está falando, mas a ponte está...
— Apenas escutem — Leo insistiu. — Se Jason for uma ponte, o que ele está conectando? Talvez dois lugares diferentes que normalmente não tem contato... como o palácio no ar e o chão. Você tinha que estar em algum lugar antes disso, certo? E Hera falou que era uma troca.
— Uma troca. — Os olhos de Thalia se arregalaram. — Ah, deuses.
Jason franziu o cenho.
— Do que vocês dois estão falando?
Thalia murmurou algo como uma oração.
— Agora entendo porque Ártemis me mandou aqui. Jason... ela me pediu para caçar Licáon, pois assim eu encontraria uma pista sobre Percy. Você é a pista. Ártemis queria que nos encontrássemos para que eu pudesse ouvir sua história.
— Eu não entendo — ele protestou. — E não tenho uma história. Não me lembro de nada.
— Mas Leo está certo — Thalia disse. — Está tudo conectado. Se apenas soubéssemos onde...
Leo estalou os dedos.
— Jason, como você chamou aquele lugar no seu sonho? Aquela casa em ruínas. A Casa do Lobo?
Thalia quase se engasgou.
— A Casa do Lobo? Jason, porque você não me contou isso antes? Esse é o lugar onde estão mantendo Hera?
— Você sabe onde fica? — Jason perguntou.
Em seguida, a ponte se dissolveu. Leo teria caído para a morte, mas Jason segurou sua blusa e o puxou em segurança. Os dois escalaram a ponte e, quando se viraram, Thalia estava do outro lado de um abismo de nove metros. A ponte continuava a derreter.
— Vão! — Thalia gritou, recuando na ponte enquanto ela se desintegrava. — Descubra onde o gigante está mantendo o pai de Piper. Salvem-no! Eu vou levar as Caçadoras para a Casa do Lobo e esperar a chegada de vocês. Podemos fazer as duas coisas!
— Mas onde é a Casa do Lobo? — Jason gritou de volta.
— Você sabe onde é, maninho!
Ela estava tão distante agora que eles mal podiam ouvir sua voz sobre o vento. Leo tinha quase certeza de ter ouvido: "Vejo vocês lá. Prometo."
Então ela se virou e correu pela ponte que dissolvia.
Leo e Jason não tiveram tempo para ficar lá. Eles escalaram por suas vidas, o gelo afinando sob seus pés. Várias vezes Jason agarrou Leo e usou os ventos para mantê-los no alto, mas parecia mais um bungee jumping que um voo.
Quando chegaram à ilha flutuante, Piper e Treinador Hedge os colocaram a bordo assim que o final da ponte de vapor se dissolveu. Eles tentaram recuperar o fôlego na base de uma escadaria de pedra esculpida ao lado do penhasco, levando até a fortaleza.
Leo olhou para baixo. O topo de Pikes Peak flutuava abaixo deles em um mar de nuvens, mas não havia sinal de Thalia.
— O que aconteceu? — Piper exigiu. — Leo, por que suas roupas estão fumegando?
— Eu me esquentei um pouco — ele murmurou. — Desculpe, Jason. Honestamente. Eu não...
— Está tudo bem — Jason disse, mas sua expressão era sombria. — Nós temos menos de vinte e quatro horas para resgatar uma deusa e o pai de Piper. Vamos ver o rei dos ventos.

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