domingo, 16 de novembro de 2014

Os Arquivos do Semideus - Percy Jackson e a Cantora de Apolo

Eu sei o que você vai perguntar.
“Percy Jackson, por que você está pendurado em um outdoor na Times Square sem calças, prestes a cair para a morte?”
Boa pergunta. Você pode culpar Apolo, deus da música, do arco e flecha e da poesia – também é o deus que me obriga a cumprir missões estúpidas.
Esse desastre em particular começou quando eu trouxe para o meu amigo Grover algumas latinhas de alumínio para seu aniversário.
Talvez eu devesse mencionar que... Eu sou um semideus. Meu pai, Poseidon, é o senhor do mar, o que soa legal, eu acho, mas isso significa que minha vida é cheia de ataques de monstros e deuses gregos irritantes que tendem a aparecer no metrô ou no meio da aula de matemática ou quando eu estou tomando banho (é uma longa história. Nem me pergunte).
Pensei que talvez pudesse ter um dia sem loucuras assim por causa do aniversário de Grover, mas é claro que eu estava errado.
Grover e sua namorada, Juníper, passaram o dia no Prospect Park, no Brooklyn, fazendo coisas relacionadas a natureza, como dançar com as ninfas das árvores e fazer serenatas para os esquilos. Grover é um sátiro. Isso é o que ele chama de diversão.
Juníper, especialmente, parecia estar aproveitando o tempo. Enquanto eu e Grover estávamos sentados juntos num banco, ela saltitou por Long Meadow com outros espíritos da natureza, seus olhos cheios de clorofila reluzindo com a luz do sol. Desde que ela era uma dríade, a vida de Juníper era basicamente ficar num junípero em Long Island, mas Grover explicou que ela podia fazer viagens curtas se carregasse frutas de sua árvore nos bolsos. Eu não quis perguntar o que aconteceria se elas fossem esmagadas acidentalmente.
De qualquer forma, nós paramos por um tempo, conversando e aproveitando o bom tempo. Eu dei a Grover suas latinhas, o que pode parecer um presente horrível, mas é o seu lanchinho preferido.
Ele mastigou alegremente suas latas enquanto as ninfas começaram a discutir sobre qual jogo nós deveríamos jogar. Grover tirou uma venda do bolso e sugeriu “Coloque o Rabo no Humano”, o que me fez ficar um pouco nervoso, já que eu era o único humano lá.
Então, de repente, a luz solar se tornou incandescente. O ar se tornou desconfortavelmente quente. A grama a vinte metros de distância secou e uma nuvem de vapor surgiu, como se alguém tivesse aberto uma grande máquina de alta pressão numa lavanderia. O vapor dissipou, e bem na nossa frente surgiu o deus Apolo.
Deuses podem ter a aparência que quiserem, mas Apolo sempre usava um estilo “acabei de entrar numa banda”. Hoje ele estava arrasando em um jeans apertado, uma camisa que o deixava musculoso e óculos de sol Ray-Ban. Seu cabelo loiro ondulado reluzia. Quando ele sorriu, as dríades gritaram e riram.
— Ah, não... — Grover sussurrou. — Isso não pode ser bom.
— Percy Jackson! — Apolo sorriu pra mim. — E, hm, seu amigo bode...
— O nome dele é Grover — falei. — E nós estamos meio que estamos afastados de missões hoje, senhor Apolo. É o aniversário de Grover.
— Feliz aniversário! — Apolo exclamou. — Fico feliz que você tenha tirado o dia de folga. Isso significa que você tem tempo pra me ajudar com um probleminha!


Naturalmente, não era um probleminha.
Apolo levou Grover e eu para longe da festa, para que pudéssemos conversar privadamente. Juníper não queria que Grover fosse, mas ela não podia discutir com um deus. Grover prometeu voltar são e salvo. Eu esperava que fosse uma promessa que ele fosse capaz de cumprir.
Quando chegamos ao final do bosque, Apolo nos encarou.
— Deixem-me apresentá-los às chryseae celedones.
O deus estalou os dedos. Mais vapor surgiu do chão e três mulheres douradas apareceram em nossa frente. Quando eu digo douradas, quero dizer que elas eram realmente douradas. Suas peles metálicas brilhavam. Os vestidos sem mangas eram feitos com ouro suficiente para financiar um empréstimo. Seus cabelos dourados tinham tranças e no topo das cabeças havia algo como coques em forma de colmeias. Elas eram uniformemente lindas e assustadoras.
Eu vi estátuas vivas – autômatos – várias vezes antes. Bonitas ou não, elas quase sempre tentavam me matar.
— Uh... — dei um passo para atrás. — Quem você disse que elas eram? Krissy, Kelly alguma coisa?
— Chryseae celedones — Apolo corrigiu. — Cantoras douradas. Elas são minha banda acompanhadora!
Olhei para Grover, me perguntando que tipo de piada era aquela.
Grover não estava rindo. Sua boca estava aberta de surpresa, como se as garotas douradas fossem o maior e mais gostoso pedaço de alumínio que ele já vira na vida.
— E-eu não acredito que elas sejam reais!
Apolo sorriu.
— Bem, tem alguns séculos desde que eu as trouxe. Se elas se apresentarem muito, você sabe, acaba com a surpresa. Elas costumavam viver no meu templo em Delphi. Cara, elas podiam detonar aquele lugar. Agora eu só as uso para ocasiões especiais.
Os olhos de Grover ficaram marejados.
— Você as trouxe para o meu aniversário?
Apolo riu.
— Não, tolo! Eu tenho um conserto hoje à noite no Olimpo. Todos estarão lá! As Nove Musas farão a abertura, e eu farei uma performance misturando as antigas favoritas e um material novo. Quero dizer, não é como se eu precisasse das celedones. Minha carreira solo é boa. Mas as pessoas esperam ouvir alguns dos meus hits clássicos com as garotas: “Daphne on My Mind”, “Stairay to Olympus”, “Sweet Home Atlantis”. Vai ser incrível!
Eu tentei não parecer enjoado. Já ouvi algumas poesias de Apolo antes, e se as músicas fossem tão ruins quanto aquilo, o concerto seria desastroso.
— Ótimo — falei. — Então qual é o problema?
Apolo deu um sorriso torto.
— Escutem.
Ele se virou para suas cantoras douradas e levantou as mãos como um maestro. Em seguida, elas cantaram com harmonia:
— Laaaa!
Era apenas um acorde, mas me deixou em estado de êxtase. Eu não conseguia me lembrar de onde estava ou o que estava fazendo. Se as cantoras douradas tivessem decidido me cortar em pedacinhos naquele momento, eu não teria resistido, desde que elas continuassem cantando. Nada importava pra mim, exceto o som.
As garotas douradas ficaram caladas. O sentimento passou. Seus rostos voltaram pra beleza natural, metal impassível.
— Isso... — eu engoli em seco. — Isso foi incrível.
— Incrível? — Apolo coçou seu nariz. — Só tem três delas! Sua harmonia soa vazia. Eu não posso fazer uma performance sem o quarteto completo.
Grover estava chorando de emoção.
— Elas são tão lindas! Elas são perfeitas!
Eu estava meio feliz por Juníper não estar escutando, porque ela era do tipo ciumenta.
Apolo cruzou seus braços bronzeados.
— Elas não são perfeitas, Sr. Sátiro. Eu preciso de todas as quatro ou o concerto será um fracasso. Infelizmente, minha quarta celedon se virou contra mim esta manhã. Eu não consigo encontrá-la em nenhum lugar.
Eu olhei para as três estátuas douradas, que encaravam Apolo silenciosamente, esperando por ordens.
— Uh... o que fez sua corista se virar contra você?
Apolo fez outro gesto de maestro e as cantoras iniciaram uma melodia de três partes. O som era tão depressivo que senti meu coração despedaçar. Então, tão rápido como aquilo começou, o sentimento dissipou.
— Elas não estão na garantia — o deus explicou. — Hefesto as fez para mim nos velhos tempos, e elas trabalhavam bem... Até o dia seguinte de sua garantia de dois mil anos expirar. Então, naturalmente, BOOM! A quarta saiu correndo histericamente para a grande cidade — ele gesticulou na direção de Manhattan. — Claro que tentei me queixar com Hefesto, mas ele apenas respondeu “Bem, você tem o meu pacote de Proteção extra?” E eu: “Eu não quero sua estúpida garantia estendida!” E ele age como se fosse minha culpa a celedon falhar, que eu deveria ter comprado o pacote extra. Eu poderia ter procurado o setor de reclamações, mas...
— Whoa, whoa, whoa — eu o interrompi. Eu realmente não queria entrar numa discussão de deus-versus-deus. Já estive em algumas delas. — Então você sabe que suaceledon está na cidade. Por que você mesmo não procura por ela?
— Eu não tenho tempo! Tenho que praticar. Escrever uma lista de músicas e checá-la! No entanto, é para isso que os heróis servem.
— Consertar os erros dos deuses — resmunguei.
— Exatamente — Apolo apertou suas mãos. — Presumo que a celedondesaparecida esteja no Theater District, procurando por um lugar bom para uma performance. Celedones têm um sonho – serem descobertas, liderar um musical na Broadway, esse tipo de coisa. Na maior parte do tempo, eu consigo manter as ambições delas sob controle. Quer dizer, eu não posso deixá-las me superar, posso? Mas tenho certeza de que sem mim, ela pensaria que é a próxima Katy Perry. Vocês precisam encontrá-la antes que ela cause algum problema. E se apressem! O concerto é hoje à noite e Manhattan é uma ilha grande.
Grover coçou a nuca.
— Então... quer que nós a encontremos enquanto você checa o som?
— Pense nisso como um favor — Apolo disse. — Não só para mim, mas para todos os mortais em Manhattan.
— Ah — a voz de Grover foi ficando mais baixa. — Ah, não...
— O quê? — perguntei. — O que “ah, não”?
Alguns anos atrás, Grover criou uma ligação empática entre nós (longa história) e nós podemos sentir as emoções um do outro. Não era exatamente ler a mente, mas eu podia dizer que ele estava aterrorizado.
— Percy. Se a celedon começar a cantar em público, bem no horário de pico...
— Ela vai causar estragos — Apolo completou. — Cantará uma música romântica, uma cantiga de ninar ou uma música patriota de guerra, ou seja lá o que os mortais ouçam...
Eu engoli em seco. Um vislumbre das garotas douradas tinham me tirado do ar, mesmo com Apolo controlando-as. Eu imaginei uma celedon fugitiva cantando numa cidade lotada – colocando as pessoas para dormir, ou fazendo-as se apaixonar, ou incentivando-as a brigar.
— Ela tem de ser impedida — concordei. — Mas por que nós?
— Eu gosto de você! — Apolo comemorou. — Você encarou as sereias uma vez antes. Não é tão diferente. Apenas coloque um pouco de cera nos ouvidos. Seu amigo Grover aqui, é um sátiro, ele é naturalmente resistente a musicas mágicas. E ele ainda pode tocar a lira.
— Qual lira? — perguntei.
Apolo estalou os dedos. Repentinamente, Grover estava segurando o instrumento musical mais estranho que eu já vi na vida. A base era feita de casco de tartaruga. Dois braços de madeira polida subiam das laterais como chifres de touro, com uma barra no topo, e sete cordas iam do topo até a base de casco. Era uma combinação de harpa, banjo e cadáver de tartaruga.
— Oh! — Grover quase deixou a lira cair. — Eu não posso! É a sua...
— Sim — Apolo concordou feliz. — Esta é minha própria lira. Claro que se ela voltar com um arranhão, irei te incinerar, mas tenho certeza de que vai ser cuidadoso! Você sabe tocar lira, não sabe?
— Hmm... — Grover tocou algumas notas que soaram como um hino fúnebre.
— Continue praticando — disse Apolo. — Vocês precisarão da lira para capturar aceledon. Percy vai distraí-la enquanto você toca.
— Distraí-la — eu repeti.
Essa missão ia ficando pior e pior. Eu não conseguia ver como uma harpa de casco de tartaruga poderia derrotar um autômato de ouro, mas Apolo deu uns tapinhas no meu ombro, como se estivesse tudo certo.
— Excelente! Encontrarei vocês no Empire State Building ao pôr-do-sol. Traga-me a celedon. De um jeito ou de outro, vou persuadir Hefesto a consertá-la. Só não se atrasem! Eu não posso deixar meus expectadores esperando. E lembrem-se, não arranhem a lira.
Então os deus do sol e suas coristas desapareceram numa nuvem de vapor.
— Feliz aniversário para mim — Grover sussurrou, e tocou uma nota na lira.
Nós pegamos o metrô para a Times Square. Imaginamos que seria um bom lugar para começar a procurar. Ficava bem no meio do Theater District e era cheio de cantores de rua estranhos e cerca de um bilhão de turistas, então era um lugar natural para uma diva dourada que quer atenção.
Grover não se importou em se disfarçar. Em sua camiseta branca estava estampado: O que Pã faria? As ponta dos seus chifres aparecia em seu cabelo cacheado. Normalmente ele usava jeans para esconder suas pernas peludas e sapatos para esconder os cascos, mas hoje ele estava normal, natural como um bode.
Eu duvidava que fossem se importar. A maioria dos mortais não pode ver através da Névoa, que esconde a real aparência de monstros. Mesmo sem o disfarce normal de Grover, as pessoas teriam que olhar bem de perto para perceber que ele era um sátiro, e mesmo assim, eles provavelmente nem olhariam. Estávamos em Nova Iorque, afinal.
Enquanto andávamos na multidão, continuei procurando algo dourado, esperando encontrar a celedon fugitiva, mas a praça estava normal. Um menino vestindo apenas as roupas debaixo e segurando um violão estava tirando foto com alguns turistas. Policiais estavam parados nas esquinas, com aparente tédio. A intersecção da Broadway com a Rua 49 Oeste estava bloqueada e várias pessoas montavam algo parecido com um palco. Cambistas de ingressos e vendedores ambulantes gritavam, um mais alto do que o outro, tentando receber atenção. Música saía de dúzias de alto-falantes, mas não ouvi nenhuma cantoria mágica.
Grover me deu uma bola de cera para tampar os ouvidos quando fosse necessário. Ele me disse que sempre tinha um pouco em mãos, como chiclete, o que não me ajudou a querer usar isso.
Ele esbarrou num carrinho de pretzels e escorregou para trás, abraçando a lira de Apolo protetoramente.
— Você sabe como usar essa coisa? — perguntei. — Quer dizer, que tipo de mágica isso faz?
Grover semicerrou os olhos.
— Você não sabe? Apolo construiu os muros de Tróia só com essa lira. Com a canção certa, pode-se construir quase qualquer coisa.
— Como uma cela para a celedon?
— Hm... sim.
Ele não soava muito confiante, e eu não tinha certeza se queria jogar Guitar Hero com um banjo-tartaruga divino.
Com certeza, Grover podia fazer algumas mágicas com suas flautas de bambu. Num bom dia, ele poderia fazer plantas crescerem e enrolarem seus inimigos. Num dia ruim, ele só conseguia se lembrar músicas do Justin Bieber, que não faziam nada além de me dar uma bela dor de cabeça.
Tentei pensar num plano. Eu desejei que minha namorada, Annabeth, estivesse lá. Ela era do tipo estrategista. Infelizmente, ela estava em São Francisco, visitando seu pai.
Grover agarrou meu braço.
— Lá.
Eu segui seu olhar pasmo. Do outro lado da praça, acima do palco, trabalhadores instalavam as luzes nas armações, preparavam os suportes para microfones e os conectavam a alto-falantes gigantes.
Então eu a vi – uma garota dourada caminhando na plataforma. Ela escalou as barricadas da polícia que contornavam a intersecção, espremeu-se entre trabalhadores que a ignoraram completamente, e pela direção dos passos, estava indo para o palco. Ela olhou para a multidão da Times Square e sorriu, como se imaginasse que eles estivessem aplaudindo-a. Então foi para o microfone do centro.
— Oh, deuses! — Grover berrou. — Se o sistema de som estiver ligado...
Coloquei a cera no meu ouvido enquanto corríamos para o palco.
Lutar contra um autômato é suficientemente ruim. Lutar contra um autômato numa multidão de mortais é uma receita para desastre. Eu não queria me preocupar sobre a minha segurança e a dos mortais e pensar sobre como capturar a celedon. Eu tinha que evacuar a Times Square sem causar pânico.
Enquanto nós nos empurrávamos contra a multidão, agarrei o ombro do policial mais próximo.
— Ei! — Eu o chamei. — Comitiva presidencial vindo! É melhor vocês evacuarem as ruas!
Eu apontei para a Sétima Avenida. É claro que não havia nenhuma comitiva, mas fiz o meu máximo para imaginar uma.
Veja, alguns semideuses conseguem controlar a Névoa. Eles podem fazer as pessoas verem o que eles quiserem. Eu não era muito bom nisso, mas era uma tentativa que valia a pena. Visitas presidenciais eram bastante comuns, com a ONU na cidade e tudo, então imaginei que o policial fosse acreditar.
Aparentemente, ele acreditou. Ele olhou para a minha comitiva imaginária, fez uma cara desgostosa e disse algo em seu rádio. Com a cera no meu ouvido, não consegui ouvir o que ele disse, mas todos os outros guardas na praça começaram a desviar a multidão nas ruas.
Infelizmente, a celedon alcançou o palco central. Nós estávamos a quinze metros de distância quando ela pegou o microfone e deu uns tapinhas nele. BOOM, BOOM, BOOM ecoou pelas ruas.
— Grover — eu gritei — é melhor você começar a tocar aquela lira.
Caso ele tenha respondido, não ouvi. Arranquei para o palco. Os trabalhadores estavam ocupados demais discutindo com os guardas para tentarem me parar. Eu subi os degraus, tirei a caneta do bolso e a destampei. Minha espada, Contracorrente, apareceu, mas eu não tinha certeza se aquilo me ajudaria. Apolo não ficaria muito feliz comigo caso eu decapitasse sua cantora.
Eu estava a seis metros da celedon quando várias coisas aconteceram de uma vez.
A cantora dourada entoou uma nota com tanta força que eu ainda pude ouvi-la, mesmo com a cera. Sua voz era de partir o coração, cheia de saudade. Mesmo abafada pelo tampão improvisado, me fez querer deitar e chorar – o que foi a atitude de milhares de pessoas na Times Square. Carros pararam. Policiais e turistas caíram de joelhos, em prantos, se abraçando em busca consolo.
Então eu ouvi um som diferente – Grover tocando a lira freneticamente. Eu não conseguia realmente ouvir, mas podia sentir a vibração da mágica envolvendo o ar, fazendo o palco debaixo de mim tremer. Graças à ligação empática, entendi alguns pensamentos de Grover. Ele estava cantando sobre paredes, tentando criar uma cela em volta da celedon.
A boa notícia: isso meio que funcionou. Uma parede de tijolos irrompeu no palco entre eu e a celedon, derrubando o microfone e interrompendo a música dela. A má notícia: quando percebi o que estava acontecendo, era tarde demais para parar. Eu colidi contra a parede, que não tinha argamassa, então rapidamente caí sobre ela, derrubando milhares de tijolos na celedon.
Meus olhos marejaram. Pensei ter quebrado o nariz. Antes que eu pudesse retomar os sentidos, a celedon se debateu na pilha de tijolos e me empurrou para longe. Moveu os braços para parecer que tudo havia sido uma façanha programada.
Ela cantou, “Ta-daaaaah!”
Ela não tinha mais um amplificador, mas sua voz era suficiente. Os mortais pararam de soluçar e jogaram rosas aos pés dela, aplaudindo e comemorando pelaceledon.
— Grover! — gritei, sem ter certeza se ele conseguiria me ouvir. — Toque mais alguma coisa!
Peguei minha espada e me esforcei para me levantar. Abordei a garota dourada, mas era como se eu estivesse tentando mover um poste. Ela me ignorou e começou uma nova música.
Enquanto eu me debatia com ela, tentando fazê-la perder o equilíbrio, a temperatura começou a subir. A letra da canção era em grego antigo, mas eu entendi algumas palavras: Apolo, luz do sol, fogo dourado. Era algo como um hino em homenagem ao deus. Sua pele metálica esquentou. Eu senti cheiro de algo queimado, então percebi que vinha da minha camisa.
Cambaleei para longe dela, com minhas roupas queimando. A cera nos meus ouvidos derreteu, então eu conseguia ouvir a canção perfeitamente. Em toda a Times Square, as pessoas começaram suar com o calor.
Nas barricadas, Grover tocava loucamente a lira, mas ele estava ansioso demais para se concentrar. Tijolos aleatórios caíam do céu. Um dos alto-falantes se transformou em galinha. Um prato de enchiladas apareceu aos pés da celedon.
— Não está ajudando! — Eu gritei com dor por causa do calor. — Cante sobre celas! Ou mordaças!
O ar estava quente como o de uma fornalha. Se a celedon continuasse, Midtown iria entrar em combustão. Eu não podia continuar nessa brincadeira. Assim que aceledon começou outro verso, eu a ataquei com minha espada.
Ela cambaleou para longe com uma velocidade surpreendente. Minha espada não a alcançou por centímetros. Eu a fiz parar de cantar, o que não a deixou muito feliz. Ela me encarou com raiva, então se concentrou em minha espada. Uma expressão amedrontada apareceu em sua face. A maioria dos seres mágicos conhecia o suficiente para respeitar Bronze Celestial, desde que isso poderia vaporizá-los ao mais simples contato.
— Renda-se e eu não vou te machucar. Nós só queremos te levar de volta para Apolo.
Ela abriu seus braços. Eu estava com medo de que ela fosse começar a cantar de novo, mas ao invés disso, a celedon mudou de forma. Seus braços se transformaram em asas douradas. Seu rosto alongou, crescendo um bico. Seu corpo diminuiu até eu estar observando um passarinho de metal do tamanho de uma codorna. Antes que eu pudesse reagir, a celedon lançou-se ao ar e voou para o topo do prédio mais próximo.
Grover tropeçou no palco perto de mim. Por toda a Times Square, a maioria dos mortais que tinham entrado em colapso por causa do calor estava começando a se recuperar. A pavimentação continuava derretida. Policiais começaram a gritar ordens, agora fazendo um grande esforço para evacuar a área. Ninguém prestou atenção em nós.
Eu assisti o pássaro dourado subir em espiral até desaparecer no topo do outdoor mais alto, a Times Tower. Você provavelmente viu o prédio em fotos: o alto e fino que é cheio de propagandas e telas Jumbotron.
Para ser totalmente honesto, eu não me sentia bem. Eu tinha cera quente derretendo nos meus ouvidos. Eu tinha uma queimadura de grau média. Meu rosto parecia ter se chocado com uma parede de tijolos... porque se chocou mesmo. Eu tinha o gosto metálico de sangue na boca e estava começando a odiar mesmo música. E codornas.
Eu me virei em direção a Grover.
— Você sabia que ela podia se transformar em um pássaro?
— Hmm, sim... Mas eu meio que esqueci.
— Ótimo — cutuquei o prato de enchilada com o pé. — Você pode tentar convocar algo útil na próxima vez?
— Desculpe — ele murmurou. — Fico com fome quando estou nervoso. O que faremos agora?
Encarei o topo da Times Tower.
— A garota dourada ganhou o round um. Hora do round dois.


Você provavelmente está se perguntando por que eu não coloquei mais cera nos ouvidos. Por um motivo: eu não tinha mais. E por outro: a cera derretida saindo dos ouvidos doía. E uma parte de mim pensava: Ei, eu sou um semideus. Dessa vez eu estou preparado. Grover me assegurou de que iria tocar a lira direito. Nada mais deenchiladas ou tijolos caindo do céu. Eu só tinha que encontrar a celedon, pegá-la de surpresa e distraí-la com... Bem, eu ainda não decidi essa parte.
Nós pegamos o elevador para o andar mais alto e encontramos escadas para a cobertura. Eu desejei voar, mas esse não é um dos meus poderes, e meu amigo pégaso Blackjack não atendeu meus pedidos de ajuda mais cedo (ele fica um pouco distraído na primavera, quando ele está procurando por alguma pégaso fêmea bonitinha).
Uma vez no telhado, a celedon foi encontrada facilmente. Ela estava na forma humana, parada na borda do prédio, com os braços abertos, cantando para a Times Square se rendendo a “New York, New York.”
Eu realmente odeio aquela música. Não conheço ninguém que seja de Nova Iorque e não odeie aquela música, mas ouvir a celedon cantá-la me fez odiá-la bem mais.
De qualquer forma, ela estava de costas para nós, então estávamos com vantagem. Eu estava tentado a rastejar até ela e agarrá-la, mas ela era tão forte que eu não tinha sido capaz de segurá-la antes. No entanto, ela provavelmente iria se transformar em pássaro de novo e... Hmm. Um pássaro.
Uma ideia se formou em minha mente. Sim, eu tenho ideias às vezes.
— Grover — eu disse — você pode convocar uma gaiola com a lira? Uma bem forte, feita de Bronze Celestial?
Ele mordeu os lábios.
— Suponho que sim, mas pássaros não deveriam ser engaiolados, Percy. Eles deveriam ser livres! Eles deveriam voar e... — Ele olhou para a celedon. — Ah, você quer...
— Sim.
— Vou tentar.
— Bom. Apenas espere o meu sinal. Você ainda tem aquela venda do Coloque o Rabo no Humano?
Ele me entregou a tira de pano. Fiz minha espada voltar à forma de caneta e a coloquei no bolso. Eu precisaria das duas mãos livres para isso. Engatinhei até ela, que agora estava chegando ao último refrão.
Mesmo sabendo que ela estava cantando para o outro lado, a música dela me encheu de vontade de dançar (acredite em mim, você nunca vai querer ver). Eu me esforcei a continuar andando, mas lutar contra sua magia era como abrir caminho entre pesadas cortinas.
Meu plano era simples: amordaçar a celedon. Ela iria se transformar em um pássaro e tentar escapar. Eu iria segurá-la e colocá-la dentro da gaiola. O que poderia dar errado?
Na última linha de “New York, New York”, eu pulei em suas costas, prendendo minhas pernas em sua cintura e colocando a venda na sua boca, como uma rédea de cavalo.
O “grand finale” dela foi interrompido com um “New Yor-urff!”
— Grover, agora! — Eu gritei.
celedon cambaleou para frente. Eu tive uma visão confusa do caos na Times Square – guardas tentando evacuar a rua, linhas de turistas fazendo passos de danças como a Radio City Rockettes. Os telões eletrônicos da Times Tower pareciam exagerados, com slides psicodélicos, com nada mais do que uma dura calçada no topo.
celedon vacilou para trás, se debatendo e balbuciando com a mordaça.
Grover tocou a lira desesperadamente. As cordas enviavam vibrações mágicas para o ar, mas a voz de Grover falhava:
— Hm, pássaros! — ele cantarolou. — La, La, La! Pássaros em gaiolas! Gaiolas bem fortes! Pássaros!
Ele não ganharia um Grammy com aquela letra, e eu estava perdendo minha posição. A celedon era forte. Eu montei num Minotauro antes, e a garota dourada era pelo menos tão forte quanto.
celedon girou, tentando me derrubar. Ela colocou seus braços em volta dos meus e apertou. A dor tomou meus ombros.
Eu gritei:
— Grover, depressa! — mas com minha boca fechada, as palavras saíram mais como, “Grr- huh.”
— Pássaros em gaiolas! — Grover dedilhou outra corda. — La, La, La, gaiolas!
Incrivelmente, uma gaiola apareceu na borda da cobertura. Eu estava bastante ocupado sendo espremido pra dar uma boa olhada, mas Grover parecia ter feito um bom trabalho. A gaiola era grande o suficiente para um papagaio, ou uma codorna gorda, e as barras eram revestidas de... Bronze Celestial.
Agora eu só precisava fazer a celedon tomar a forma de pássaro. Infelizmente, ela não estava cooperando. Ela girou com força, acabando com o meu aperto e me lançando para o outro lado do prédio.
Eu gostaria de dizer que fiz alguns movimentos acrobáticos, segurei a borda de um outdoor e voltei para a cobertura em um perfeito flip triplo.
Não. Quando atingi a primeira tela Jumbotton, um pedaço de metal prendeu-se em meu cinto e me impediu de cair. E isso também me deu o maior “cuecão” de todos os tempos. Então, o impulso me separou das calças.
Eu despenquei de cabeça para a Times Square, tentado agarrar selvagemente qualquer coisa que me desacelerasse. Felizmente, o topo do outdoor mais perto tinha um degrau, talvez para trabalhadores extremamente corajosos amarrarem seus cabos de segurança.
Agarrei-o e me virei para cima. Meus braços quase foram arrancados do lugar, mas de alguma forma eu continuei segurando. E foi assim que eu acabei pendurado em um outdoor na Times Square sem calças.
Para responder sua próxima questão: Boxer.
Boxer simples e azul.
Sem carinhas sorrindo.
Sem corações.
Ria o quanto quiser. Elas são mais confortáveis que cuecas normais.
celedon sorriu pra mim da cobertura, cerca de 15 metros acima de mim. Bem abaixo dela, meus jeans estavam pendurados na estrutura de metal, balançando ao vento como se estivessem me dando adeus. Eu não conseguia ver Grover. A música dele havia parado.
Minhas mãos fraquejaram. A calçada deveria estar a duzentos metros abaixo, o que me daria uma boa oportunidade de gritar bastante enquanto caía para a morte. O brilho da tela Jumbotton estava cozinhando lentamente meu estômago.
Enquanto eu estava pendurado lá, a celedon começou uma serenata especial só pra mim. Ela cantou sobre deixar ir, abandonar meus problemas descansando na beira de um rio. Eu não lembro direito da letra, mas você entendeu a ideia.
O máximo que eu podia fazer era me segurar. Eu não queria cair, mas a música daceledon penetrou em mim, desmanchando meu poder de decisão. Eu imaginei que fosse deslizar com segurança até o chão. Eu iria para a beira de um rio, onde eu teria um piquenique relaxante com minha namorada.
Annabeth.
Lembrei da vez em que salvei Annabeth das sereias no Mar de Monstros. Eu a segurei enquanto ela lutava e nadava, tentando encontrar a maravilhosa ilha prometida. Então imaginei-a me segurando. Eu conseguia ouvir o que ela dizia: É uma armadilha, Cabeça de Alga! Você tem que contra-atacar ou vai morrer. E se você morrer, eu nunca vou te perdoar!
Aquilo quebrou o feitiço da celedon. Annabeth irritada era mais assustadora que monstros, mas não conte a ela que eu disse isso.
Eu olhei para os meus jeans, balançando inutilmente acima. Minha espada estava no bolso, em forma de caneta, o que não me ajudava. Grover começou a cantar novamente sobre pássaros, mas não estava funcionando. Aparentemente, a celedon só se transformava em pássaro quando estava assustada.
Espere...
Sem desespero, eu formei o Plano Estúpido Versão 2.0.
— Ei! — Eu gritei. — Você é realmente incrível, senhorita Celedon! Antes de eu morrer, posso receber um autógrafo seu?
celedon interrompeu a música pela metade. Ela parecia surpresa, então sorriu com prazer.
— Grover! — Chamei. — Venha cá!
A música da lira parou. A cabeça de Grover apareceu do outro lado.
— Oh, Percy... E-eu sinto muito...
— Está tudo bem! — Eu forcei um sorriso, usando a ligação empática para contá-lo como eu realmente me sentia. Eu não podia enviar pensamentos completos, mas tentei passar os pontos principais do que estava acontecendo: Ele deveria estar pronto. Deveria ser rápido. E deveria ser bom capturando coisas.
— Você tem uma caneta e papel? — perguntei. — Quero que essa moça me dê um autógrafo antes que eu morra.
Grover piscou.
— Uh... caramba. Não. Mas você não guarda uma caneta no seu bolso?
Melhor. Sátiro. De todos. Ele entendeu totalmente o plano.
— Você está certo! — Eu olhei para a celedon implorando. — Por favor? Último pedido? Você poderia pegar a caneta no meu bolso e assinar com ela? Então poderei morrer feliz.
Estátuas douradas não podem corar, mas a celedon parecia totalmente lisonjeada. Ela se abaixou, buscou meus jeans, e tirou minha caneta do bolso.
Prendi meu fôlego. Eu nunca havia visto Contracorrente nas mãos de um monstro antes. Se algo desse errado e ela percebesse que era um truque, poderia usar o Bronze Celestial para matar Grover.
Ela examinou a caneta como se nunca tivesse usado uma antes.
— Você tem que tirar a tampa — instruí.
Meus dedos começaram a escorregar.
Ela colocou a calça jeans numa na beira do telhado, perto da gaiola. Ela destampou a caneta e Contracorrente veio à vida.
Se eu não estivesse prestes a morrer, teria sido a coisa mais engraçada que já vi na vida. Você conhece aqueles potes de doce com uma cobra de brinquedo colada dentro?
Era como se eu estivesse vendo uma pessoa abrir uma daquelas, exceto que no lugar da cobra de brinquedo surgiu uma espada de 90 centímetros.
A espada celestial chegou ao seu tamanho completo e a celedon a empurrou para longe, cambaleando para trás com um grito não muito musical. Ela se transformou em pássaro, mas Grover estava pronto. Ele soltou a lira de Apolo e pegou a codorna gorda e dourada com as duas mãos.
Grover a colocou na gaiola e trancou a portinhola com força. A celedonenlouqueceu, grasnando e se contorcendo, mas ela não tinha espaço para voltar à forma humana, e na forma de pássaro – graças aos deuses – ela não tinha nenhum poder mágico em sua voz.
— Bom trabalho! — Eu disse a Grover.
Ele pareceu doente.
— Acho que arranhei a lira de Apolo. E eu engaiolei um pássaro. Acho que é o pior aniversário de todos.
— De qualquer forma — eu o lembrei — eu estou prestes a cair para a morte aqui.
— Ah!
Grover pegou a lira e tocou uma canção rápida. Agora que ele não estava em perigo e o monstro estava preso, ele não parecia ter nenhum problema com a mágica da lira.
Típico.
Ele convocou uma corda e a jogou para mim. De alguma forma, conseguiu me puxar para cima, onde desabei.
Abaixo de nós, a Times Square continuava um completo caos. Turistas vagavam em transe. Os policiais estavam completando os últimos passos de dança. Alguns carros estavam pegando fogo, e o palco foi reduzido a uma pilha de fogo, tijolos e equipamento de som quebrado.
Cruzando o rio Hudson, o sol estava descendo. Tudo que eu queria era deitar ali na cobertura e aproveitar o sentimento de não estar morto. Mas o nosso trabalho ainda não havia terminado.
— Nós temos de levar a celedon para Apolo.
— Sim — Grover concordou. — Mas, uh... não seria melhor você vestir suas calças primeiro?


Apolo estava nos esperando na entrada do Empire State Building. Suas três cantoras douradas pareciam nervosas atrás dele.
Quando ele nos viu, ele reluziu – literalmente. Uma aura brilhante apareceu em torno de sua cabeça.
— Excelente! — Ele pegou a gaiola. — Vou levá-la para Hefesto consertar, e dessa vez não vou aceitar desculpas sobre garantias expiradas. Meu show começa em meia hora!
— Por nada — eu disse.
Apolo pegou a lira com Grover. A expressão do deus mudou para perigosamente violenta.
— Você a arranhou.
Grover choramingou.
— Senhor Apolo...
— Era o único modo de capturar a celedon — interrompi. — No entanto, ela precisa ser lustrada. Mande Hefesto fazer isso. Ele te deve uma, certo?
Por um segundo, pensei que Apolo fosse nos transformar em cinzas, mas ele finalmente resmungou:
— Suponho que você esteja certo. Bem, bom trabalho, vocês dois! E como recompensa, vocês estão convidados para assistir a minha performance no Monte Olimpo!
Grover e eu nos entreolhamos. Insultar um deus era perigoso, mas a última coisa que eu queria fazer era ouvir mais música.
— Nós não somos dignos — menti. — Adoraríamos, mas, você sabe, nós provavelmente explodiríamos se ouvíssemos sua música divina em volume máximo.
Apolo assentiu pensativo.
— Você está certo. Se vocês explodissem, atrapalhariam minha performance. Quanta consideração sua — ele sorriu. — Bem, eu já vou, então. Feliz aniversário, Percy!
— É o aniversário de Grover! — Eu corrigi, mas Apolo e suas cantoras já haviam desaparecido em um flash de luz.
— Tanto para um dia só — comentei, me virando para Grover.
— Voltamos para o Prospect Park? — Ele sugeriu. — Juníper deve estar morta de preocupação.
— É — concordei. — E eu estou realmente faminto.
Grover assentiu entusiasmadamente.
— Se nós sairmos agora, podemos pegar Juníper e chegar ao Acampamento Meio-Sangue a tempo da cantoria. Eles têm s’mores!
Eu estremeci.
— Nada de cantoria, por favor. Mas eu vou pelos s’mores.
— Fechado! — Grover disse.
Eu lhe dei uns tapinhas no ombro.
— Vamos lá, Homem-Bode. Seu aniversário vai terminar bem, afinal.

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