domingo, 16 de novembro de 2014

Os Diários do Semideus - Percy Jackson e o Caduceu de Hermes


Annabeth e eu estávamos relaxando no Grande Gramado do Central Park quando ela me emboscou com uma questão.
― Você esqueceu, não foi?
Eu entrei em estado de alerta vermelho. É fácil entrar em pânico quando se é um novo namorado. Claro, eu lutei contra monstros com Annabeth por anos. Juntos, nós enfrentamos a ira dos deuses. Batalhamos contra Titãs e enfrentamos a morte várias vezes. Mas agora que estamos namorando, um olhar zangado dela e eu me apavoro. O que eu fiz de errado?
Eu revisei mentalmente a lista de piquenique: manta confortável? Checado. A pizza favorita de Annabeth com azeitonas extras? Checado. Chocolate caramelizado da La Maison du Chocolate? Checado. Água gaseificada com rodelas de limão? Checado. Armas para caso de acontecer um apocalipse mitológico Grego? Checado.
Então o que eu esqueci?
Eu estava tentado (brevemente) a blefar. Duas coisas me pararam. Primeiro, eu não queria mentir para Annabeth. Segundo, ela era esperta demais. Ela saberia que eu estava mentindo. Então eu fiz o que sei de melhor. A encarei sem expressão e agi como burro.
Annabeth revirou os olhos.
― Percy, hoje é 18 de setembro. O que aconteceu há exatamente um mês?
― Foi meu aniversário ― respondi.
Era verdade: 18 de agosto. Mas julgando pela expressão de Annabeth, essa não era a resposta pela qual ela estava esperando.
Não ajudava a minha concentração que Annabeth parecesse tão bonita hoje. Ela estava usando sua camiseta laranja de sempre e shorts, mas seus braços e pernas bronzeados pareciam brilhar na luz do sol. Seu cabelo loiro tomava conta de seus ombros. Ao redor do seu pescoço pendia um cordão de couro com contas coloridas do acampamento de treinamento de semideuses – o Acampamento Meio-Sangue. Seus olhos cinza tempestade estavam deslumbrantes como nunca. Eu só desejava que aquele olhar feroz não estivesse direcionado a mim.
Eu tentei pensar. Há um mês, nós derrotamos o Titã Cronos. Era isso que ela queria dizer? Então Annabeth definiu sua linha de prioridade.
― Nosso primeiro beijo, Cabeça de Alga  ela disse. ― É nosso aniversário de um mês.
― Bem... sim!
Eu pensei: As pessoas celebram coisas desse tipo? Eu tenho que lembrar datas de nascimento, feriados todos os aniversários?
Eu tentei sorrir.
― É por isso que estamos fazendo esse ótimo piquenique, certo?
Ela se sentou sobre as próprias pernas.
― Percy... eu amo a ideia do piquenique. Sério. Mas você prometeu me levar a um jantar especial essa noite. Lembra? Não é o que eu esperava, mas você disse que tinha algo planejado. Então...?
Eu podia ouvir esperança em sua voz, mas dúvida também. Ela estava esperando que eu admitisse o óbvio: Eu esqueci. Eu estava ferrado. Eu era um namorado morto.
Só porque eu esqueci, você não pode tomar isso como um sinal de que eu não me importava com Annabeth. Sério, o último mês com ela foi incrível. Eu era o semideus mais sortudo de todos. Mas um jantar especial... quando eu mencionei isso? Talvez eu tenha dito depois de Annabeth me beijar, o que meio que me enfiava numa neblina. Talvez um deus grego tenha feito se passar por mim e fez essa promessa a ela como uma pegadinha. Ou talvez eu fosse um péssimo namorado.
Momento de confessar. Eu limpei minha garganta.
― Bem...
De repente uma faixa de luz me fez piscar, como se alguém tivesse lançado um espelho no meu rosto. Eu olhei ao redor e vi um caminhão de entregas marrom estacionado no meio do gramado, onde carros não eram permitidos. Escrito na lateral estavam as palavras: NÓS SOMOS HÉRNIAS.
Espere... desculpe. Eu sou disléxico. Apertei os olhos e decidi que provavelmente estava escrito: HERMES EXPRESS.
― Ah, legal  murmurei. ― Temos correspondência.
― O quê?  Annabeth disse.
Eu apontei para o caminhão. O motorista estava saindo. Ele usava uma camisa de uniforme marrom e bermudas até o joelho com chuteiras e meias estilosas. Seu cabelo cacheado curto grisalho saía através do boné marrom. Ele parecia um cara na casa dos trinta, mas eu sei por experiência que ele estava atualmente na casa dos cinco mil.
Hermes. Mensageiro dos deuses. Amigo pessoal, distribuidor de missões heroicas e frequente causa de enxaqueca.
Ele parecia chateado. Continuava apalpando seus bolsos e retorcendo suas mãos. Como se tivesse perdido algo importante ou tivesse tomado expressos demais no Starbucks do Monte Olimpo. Finalmente, ele me viu e acenou, venha aqui!
O que podia significar muitas coisas. Se ele estivesse entregando pessoalmente mensagens dos deuses, significava más notícias. Se ele queria algo de mim, isso também significava más notícias. Mas levando em conta que ele tinha me salvado de me explicar para Annabeth, eu estava muito aliviado para me importar.
― Que pena.  Eu tentei soar pesaroso, como se ele não tivesse acabado de me tirar de uma fria. ― É melhor vermos o que ele quer.

***

Como você cumprimenta um deus? Se existe um guia de etiqueta para isso, eu não tinha lido. Nunca tinha certeza se eu deveria dar um aperto de mãos, me ajoelhar, ou me curvar e exclamar “Nós não somos dignos da sua presença.”
Eu conhecia Hermes melhor do que a maioria dos Olimpianos. Ao longo dos anos, ele havia me ajudado várias vezes. Infelizmente, no último verão, eu também tinha lutado contra seu filho semideus Luke, que tinha sido corrompido pelo titã Cronos, num combate mortal e severo pelo destino do mundo. A morte de Luke não foi totalmente minha culpa, mas isso colocou um freio no meu relacionamento com Hermes.
Eu decidi começar simples:
― Oi.
Hermes vasculhou o parque com os olhos como se estivesse com medo de estar sendo vigiado. Eu não tenho certeza do porque ele fez isso. Deuses normalmente são invisíveis aos mortais. Ninguém mais no gramado estava prestando atenção na van de entrega.
Hermes lançou seu olhar para Annabeth, e depois de volta para mim.
― Eu não sabia que a garota estaria aqui. Ela terá que jurar manter a boca calada.
Annabeth cruzou seus braços.
― garota consegue te ouvir. E antes de jurar alguma coisa, talvez fosse melhor você nos contar o que está errado.
Eu não acho que já tenha visto um deus parecer tão nervoso. Hermes pegou um cacho cinza de seu cabelo ao redor da orelha. Apalpou seus bolsos novamente. Suas mãos pareciam não saber o que fazer.
Ele se inclinou e baixou sua voz.
― Eu estou falando sério, garota. Se isso chegar a Atena, ela não vai parar de me provocar nunca. Ela já pensa ser muito superior a mim.
― Ela é  Annabeth respondeu.
É claro que ela é parcial. Atena é sua mãe.
Hermes olhou para ela.
― Prometa. Antes que eu explique o problema, vocês dois precisam prometer manter silêncio.
De repente algo me ocorreu.
― Onde está seu caduceu?
Os olhos de Hermes se contraíram. Ele parecia estar prestes a chorar.
― Ai, deuses  Annabeth disse. ― Você perdeu seu caduceu?
― Eu não o perdi!  Hermes respondeu. ― Foi roubado. E eu não estou pedindo suaajuda, garota!
― Ótimo. Resolva seu problema sozinho. Venha, Percy. Vamos sair daqui.
Hermes rosnou. Eu percebi que deveria apartar uma briga entre um deus imortal e minha namorada, e eu não queria estar de nenhum dos lados.
Uma pequena explicação: Annabeth costumava se aventurar com Luke, filho de Hermes. Ao longo do tempo, Annabeth desenvolveu uma paixãozinha por Luke. Conforme Annabeth ficou mais velha, Luke desenvolveu sentimentos por ela também. Luke se tornou mal. Hermes culpou Annabeth por não prevenir Luke sobre se tornar mal. Annabeth culpou Hermes por ser um péssimo pai e dado a Luke a capacidade de se tornar mal em primeiro lugar. Luke morreu em guerra. Hermes e Annabeth culpam um ao outro.
Confuso? Bem vindo ao meu mundo.
De qualquer forma, eu percebi que as coisas iriam ficar feias se esses dois brigassem, então me arrisquei a ficar entre os dois.
― Annabeth, isso parece importante. Deixe me ouvi-lo e eu te encontro de volta na manta do piquenique, ok?
Eu sorri para ela esperando que isso transmitisse algo como: Ei, você sabe que eu estou do seu lado. Deuses são tão idiotas! Mas o que eu posso fazer?
Provavelmente minha expressão transmitiu: Não é minha culpa! Por favor, não me mate!
Antes que ela pudesse protestar ou me causar danos corporais, eu agarrei o braço de Hermes.
― Vamos para o seu escritório.

***

Hermes e eu sentamos na parte de trás do caminhão de entrega em um par de caixas rotulada SERPENTES TÓXICAS. ESTE LADO PARA CIMA. Talvez esse não fosse o melhor lugar para sentar, mas era melhor que algumas das outras encomendas, que estavam rotuladas EXPLOSIVOS, NÃO SENTE EM CIMA, e OVOS DE DRAKON, NÃO OS ALOQUE PERTO DE EXPLOSIVOS.
― Então o que aconteceu?  perguntei a ele.
Hermes se afundou em suas caixas de entrega. Ele encarou suas mãos vazias.
― Eu só os deixei sozinho por um minuto.
― Eles... Ah, George e Martha?
Hermes assentiu desajeitado.
George e Martha eram as duas cobras que envolviam o seu caduceu – seu objeto de poder. Você provavelmente já viu imagens do caduceu nos hospitais, uma vez que é muitas vezes usado como um símbolo dos médicos. (Annabeth argumentaria e diria que a coisa toda é um equívoco. Supostamente deveria ser o caduceu de Asclépio o deus da medicina, blá, blá, blá. Mas enfim.)
Eu era meio afeiçoado a George e Martha. Eu tinha a sensação de que Hermes também, mesmo ele estando constantemente discutindo com eles.
― Eu cometi um erro estúpido  ele murmurou ― eu estava atrasado com uma entrega. Parei no Rockefeller Center e estava entregando uma caixa de capachos a Jano...
― Jano. O cara de dois rostos, deus das portas.
― Sim, sim. Ele trabalha lá. Rede de televisão.
― O que você disse?
A última vez que encontrei Jano ele estava em um labirinto mágico mortal, e a experiência não foi muito prazerosa.
Hermes revirou os olhos.
― Com certeza você o viu recentemente na rede de TV. É claro que eles não sabem se estão entrando ou saindo. É por isso que Jano é responsável pela programação. Ele adora encomendar novos programas e os cancelar depois de dois episódios. Deus dos inícios e dos fins, afinal. De qualquer forma, eu estava levando a ele alguns capachos mágicos, e estava ocupando uma vaga dupla...
― Você tem que se importar com a vaga dupla?
― Você vai me deixar contar a história?
― Desculpa.
― Então deixei meu caduceu no painel do caminhão e saí correndo com a caixa. Depois percebi que precisava ter a assinatura de Jano para a entrega, então corri de volta para o caminhão...
― E o caduceu já havia desaparecido.
Hermes assentiu.
― Se aquele bruto feioso tiver machucado minhas cobras, eu juro pelo Estige...
― Calma aí. Você sabe quem pegou o caduceu?
Hermes bufou.
― Mas é claro. Eu chequei as câmeras de segurança da área. Conversei com as ninfas do vento. O ladrão é claramente Caco.
― Caco.
Eu tenho anos de prática em parecer burro quando as pessoas soltam nomes gregos que eu não conheço. É uma habilidade minha. Annabeth continua me dizendo para ler um livro de mitologia grega, mas eu não vejo necessidade. É mais fácil apenas ter gente para explicar as coisas.
― Grande e velho Caco  eu disse. ― Eu provavelmente deveria saber quem é...
― Oh, ele é um gigante  Hermes falou com desprezo. ― Um gigante pequeno, não um dos grandes.
― Um gigante pequeno.
― Sim. Talvez uns três metros de altura.
― Minúsculo, então  concordei.
― Ele é um ladrão bem conhecido. Roubou o gado de Apolo uma vez.
― Eu pensei que você tivesse roubado o gado de Apolo.
― Bem, sim. Mas eu fiz isso primeiro, e com muito mais estilo. Em alguns contos, Caco está sempre roubando coisas dos deuses. Muito irritante. Ele costumava se esconder numa caverna em Capitoline Hill, onde Roma foi fundada. Nos dias de hoje, ele está em Manhattan. Em algum lugar do subsolo, tenho certeza.
Respirei fundo. Eu vi onde isto estava indo.
― Agora você está prestes a explicar para mim porque você, um deus superpoderoso, não pode apenas ir pegar seu caduceu de volta sozinho, e porque precisa que eu, um garoto de 16 anos, faça isso por você.
Hermes inclinou a cabeça.
― Percy, isso quase soa como sarcasmo. Você sabe muito bem que os deuses não podem sair por aí estourando cabeças e dilacerando cidades mortais procurando por seus objetos perdidos. Se fizéssemos isso, Nova York seria destruída toda vez que Afrodite perdesse sua escova de cabelos, e acredite em mim, isso acontece bastante. Nós precisamos de heróis para esse tipo de coisa.
― Hum-hum. E se você sair por aí procurando seu caduceu por si só, seria um pouco vergonhoso.
Hermes franziu os lábios.
― Certo. Sim. Os outros deuses iriam certamente perceber. Eu, deus dos ladrões, foi roubado. E meu caduceu, nada menos, que meu símbolo de poder! Eu seria ridicularizado por séculos. A ideia é horrível demais. Eu preciso disso resolvido rapidamente e discretamente antes que eu me torne a chacota do Olimpo.
― Então... você quer que nós encontremos este gigante, pegue de volta seu caduceu, e o devolva a você. Discretamente.
Hermes sorriu.
― Que ótima oferta! Obrigado. E preciso dele antes das cinco da tarde para que então eu possa finalizar minhas entregas. O caduceu serve como meu bloco de notas, GPS, telefone, permissão de estacionamento, meu iPod Shuffle... sério, eu não consigo fazer nada sem ele.
― Às cinco.  Eu não tinha um relógio, mas tinha plena certeza de que já era pelo menos uma da tarde. ― Você pode ser mais especifico sobre como Caco é?
Hermes deu de ombros.
― Eu tenho certeza de que você pode imaginar. E só um aviso: Caco sopra fogo.
― Naturalmente  eu disse.
― E seja cuidadoso com o caduceu. A ponta pode transformar uma pessoa em pedra. Eu tive que fazer isso uma vez com um fofoqueiro horrível chamado Bato... mas eu tenho certeza de que você será cuidadoso. E é claro que você irá manter isso como nosso pequeno segredo.
Ele sorriu vitorioso. Eu estava imaginando que talvez ele estivesse apenas ameaçando me petrificar se eu contasse a alguém sobre o roubo.
Eu engoli o gosto de serragem na minha boca.
― É claro.
― Você irá fazer isso, então?
Uma ideia me ocorreu. Sim... Eu tenho ideias ocasionalmente.
― Que tal uma troca de favores?  sugeri. ― Eu ajudo você com sua situação embaraçosa; você me ajuda com a minha.
Hermes levantou uma sobrancelha.
― O que você tem em mente?
― Você é o deus das viagens, certo?
― Claro.
Contei a ele o que eu queria como recompensa.

***

Eu estava em melhor espirito quando me juntei a Annabeth novamente. Combinei me encontrar com Hermes no Rockefeller Center antes das cinco, e seu caminhão de entrega desapareceu em um flash de luz. Annabeth esperou em nosso local de piquenique com seus braços dobrados com indignação.
― Então?  ela exigiu.
― Boas notícias.
Eu disse a ela o que tínhamos que fazer.
Ela não me deu um tapa, mas pareceu que ia.
― Por que rastrear um gigante cuspidor de fogo é uma boa notícia? E por que eu iria querer ajudar Hermes?
― Ele não é tão mau  respondi. ― Além disso, duas cobras inocentes estão em apuros. George e Martha devem estar aterrorizados...
― Isto é uma brincadeira elaborada?  ela perguntou.  Diga-me que você planejou tudo isso com Hermes, e que nós estamos atualmente indo a uma festa surpresa para nosso aniversário.
― Hã... Bem, não. Mas depois, eu prometo...
Annabeth levantou sua mão.
― Você é uma gracinha e um doce, Percy. Mas por favor, nada de mais promessas. Vamos encontrar este gigante.
Ela arrumou nossa manta em sua mochila e jogou fora a comida. Triste... afinal eu nem mesmo tinha provado um pouco da pizza. A única coisa que ela manteve com ela foi seu escudo.
Como outros itens mágicos, o escudo foi criado para se transformar em um item menor para ser mais fácil carregar. O escudo adquiria o tamanho de um prato, que era como estávamos o usando. Ótimo para queijo e biscoitos.
Annabeth jogou fora as migalhas e jogou o prato no ar, que se expandiu em um giro. Quando atingiu a grama, era um escudo de bronze tamanho grande, altamente polido refletindo o céu.
O escudo veio a calhar durante nossa guerra contra os titãs, mas eu não tinha certeza de como ele poderia nos ajudar agora.
― Essa cosia só nos mostra imagens aéreas, certo?  perguntei. ― Caco supostamente está no subsolo.
Annabeth deu de ombros.
― Não custa nada tentar. Escudo, eu quero ver se Caco está por aí.
Luz rompeu através da superfície de bronze.
Ao invés de reflexo, nós estávamos olhando para uma paisagem de armazéns degradados e estradas em ruínas. Uma elevada torre de água enferrujada acima da deterioração urbana.
Annabeth bufou.
― Esse escudo estupido tem senso de humor.
― O que você quer dizer?  perguntei.
― Isto é Secaucus, Nova Jersey. Leia o letreiro na torre de água.
Ela bateu os nós dos dedos na superfície de bronze.
― Okay, muito engraçado, escudo. Agora quero ver... quer dizer, me mostre onde se encontra o gigante cuspidor de fogo Caco.
A imagem mudou.
Desta vez eu vi uma parte familiar de Manhattan: armazéns renovados, ruas de tijolos pavimentados, um hotel de vidro e um trilho de trem elevado que havia sido transformado em um parque com árvores e flores silvestres. Eu me lembro de minha mãe e meu padrasto me levando lá há alguns anos quando abriu pela primeira vez.
― É o High Line Park  eu disse. ― No Distrito de Meatpacking.
― Sim  Annabeth concordou. ― Mas onde está o gigante?
Ela franziu o cenho em concentração. O escudo deu zoom em uma intersecção bloqueada com barricadas laranja e sinais de desvio.
O equipamento de construção ficou parado na sombra do High Line. Cinzelado na rua estava um grande buraco quadrado, isolado com uma fita policial amarela. Vapor subia do poço.
Cocei a cabeça.
― Por que a polícia isolaria um buraco na rua?
― Eu me lembro disso  Annabeth disse. ― Estava no noticiário ontem.
― Eu não assisto ao noticiário.
― Um funcionário da construção se machucou. Algum acidente bizarro muito abaixo da superfície. Eles estavam escavando um novo túnel de serviço, ou algo do tipo, e ocorreu um incêndio.
― Um incêndio. Tal como, talvez um gigante cuspidor de fogo?
― Isso faria sentido  ela concordou. ― Os mortais não entenderiam o que aconteceu. A névoa obscureceria o que eles realmente viram. Eles pensariam que o gigante seria... não sei... uma explosão de gás ou algo assim.
― Então vamos pegar um táxi.
Annabeth olhou melancolicamente para todo o gramado.
― O primeiro dia ensolarado em semanas, e meu namorado quer me levar a uma caverna perigosa para lutar contra um gigante cuspidor de fogo.
― Você é incrível  eu disse.
― Eu sei  Annabeth respondeu. ― É melhor você ter algo bom planejado para o jantar.

***

O táxi nos deixou na Décima Quinta leste. As ruas estavam lotadas de um misto de camelôs, trabalhadores, compradores e turistas. Por que um lugar chamado Distrito de Meatpacking, que quer dizer frigorífico, era de repente um lugar excitante para passar o tempo, eu não sei. Mas esse é o legal de Nova York. Está sempre mudando. Aparentemente até os monstros querem ficar aqui.
Fizemos nosso trajeto até o local de construção. Dois oficiais estavam na intersecção, mas eles não prestaram atenção em nós quando voltamos à calçada e depois dobramos de volta, nos escondendo atrás da barricada.
O buraco na rua era do tamanho de uma porta de garagem. Andaimes estavam pendurados sobre ele com uma espécie de sistema de guincho, e degraus de escalada de metal tinham sido fixados na lateral do poço, levando para baixo.
― Ideias?  perguntei a Annabeth.
Eu imaginei que deveria perguntar. Sendo filha da deusa da sabedoria e da estratégia, Annabeth gostava de fazer planos.
― Nós descemos  ela disse. ― Encontramos o gigante. Pegamos o caduceu.
― Uau ― falei ― inteligente e estratégico ao mesmo tempo.
― Cala a boca.
Subimos sobre a barricada, passamos debaixo da fita policial e rastejamos para o buraco. Eu mantive um olhar cauteloso na polícia, mas eles não estavam por perto. Se esgueirar em um poço perigoso e fumegante no meio de uma intersecção de Nova York se provou perturbadoramente fácil.
Nós descemos. E descemos.
Os degraus pareciam ir para baixo eternamente. O quadrado de luz do dia sobre nós ia ficando menor e menor até que se tornou do tamanho de um selo postal. Eu não conseguia mais ouvir o trafego da cidade, apenas o eco de água gotejando. A cada seis metros mais ou menos, uma luz fraca piscava próxima a escada, mas a descida continuava sendo sombria e arrepiante.
Eu estava vagamente ciente de que o túnel estava se abrindo atrás de mim em um espaço muito maior, mas eu me mantive focado na escada, tentando não pisar nas mãos de Annabeth que estava descendo abaixo de mim. Eu não percebi que havíamos chegado ao fundo até que ouvi os pés de Annabeth fazerem splash.
― Santo Hefesto  ela disse. ― Percy, olhe.
Me deixei cair próximo a ela em uma poça rasa de lama. Virei e descobri que estávamos numa caverna do tamanho de uma fábrica. Nosso túnel chegava a ela como uma chaminé estreita. A parede de rochas eriçadas com cabos antigos, tubos e tubulações de alvenaria – talvez fundações de antigas construções. Tubos de água quebrados, possivelmente velhas tubulações de esgoto, mandavam uma garoa constante de água pelas paredes, tornando o chão lamacento. Eu não queria saber o que tinha nessa água.
Não havia muita luz, mas a caverna parecia um cruzamento de uma zona de construção e uma feira. Dispersos pela caverna haviam caixotes, caixas de ferramenta, paletas de madeira e pilhas de tubo de aço. Havia até mesmo uma escavadeira meio atolada na lama.
Ainda mais estranho: havia vários carros velhos que de alguma forma tinham sido trazidos da superfície, cada um cheio de malas e um monte de bolsas. Prateleiras de roupas que haviam sido descuidadamente jogadas por toda parte como se alguém tivesse feito uma limpa em uma loja de departamento. E o pior de tudo, pendurados em ganchos de carne em um cavalete de aço inoxidável, estava uma fila de carcaças de vaca – esfoladas, esvisceradas e prontas para o abate. Julgando pelo cheiro e pelas moscas, não eram muito frescas. Isso foi quase o bastante para me tornar vegetariano, exceto pelo desenvolto fato de que eu amo cheeseburgers.
Nenhum sinal do gigante. Eu esperava que ele não estivesse em casa. Então Annabeth apontou para o fundo da caverna.
― Talvez ali embaixo.
Levando para a escuridão estava um túnel de seis metros de diâmetro, perfeitamente redondo, como se feito por uma cobra gigantesca. Opa... pensamento ruim.
Eu não gostava da ideia de caminhar até o outro lado da caverna, especialmente através da feira de maquinários pesados e carcaças de vaca.
― Como todas essas coisas vieram parar aqui? ― Eu senti a necessidade de sussurrar, mas minha voz ecoou de qualquer forma.
Annabeth examinou a cena. Ela obviamente não gostou do que viu.
― Eles provavelmente fizeram a escavadeira a pedaços e a montaram aqui embaixo ela determinou. ― Acho que é dessa forma que eles escavavam o sistema de metrô há um tempo atrás.
― E as outras coisas?  perguntei. ― Os carros e, hã, os produtos a base de carne?
Ela franziu as sobrancelhas.
― Algumas destas coisas se parecem com mercadoria de vendedores de rua. Essas bolsas e casacos... o gigante deve tê-los trazido para cá por alguma razão. ― Ela gesticulou em direção a escavadeira. ― Essa coisa parece já ter estado no meio de um combate.
Quando meus olhos se ajustaram a escuridão, consegui ver o que ela dizia. A esteira da máquina estava quebrada. O banco do motorista estava carbonizado como uma batata frita. Na frente do equipamento, a lamina da pá estava danificada como se tivesse sido atingida por alguma coisa... ou perfurada.
O silêncio era estranho. Olhando para o minúsculo ponto de claridade do dia sobre nós, tive vertigem. Como podia uma caverna desse tamanho existir abaixo de Manhattan sem que a cidade desmoronasse, ou o Rio Hudson inundasse tudo? Nós devíamos estar há dezenas de metros abaixo do nível do mar.
O que realmente me perturbava era aquele túnel no lado mais distante da caverna.
Eu não estou dizendo que eu posso sentir o cheiro de monstros da mesma forma que meu amigo Grover, o sátiro, consegue. Mas de repente eu entendi porque ele odiava estar no subsolo. Parecia opressivo e perigoso. Semideuses não pertencem a esse lugar. Algo estava à espera nesse túnel.
Eu olhei para Annabeth, esperando que ela tivesse uma grande ideia – como sair correndo. Ao invés disso, ela começou a ir em direção a escavadeira.
Nós tínhamos chegado apenas na metade da caverna quando um gemido ecoou vindo da parte distante do túnel. Nós nos abaixamos atrás da escavadeira enquanto o gigante aparecia vindo da escuridão, esticando seus braços maciços.
― Café da manhã  ele rugiu.
Eu podia vê-lo claramente agora, e desejava que não pudesse.
Quão feio ele era? Vamos colocar dessa forma: Secaucus, Nova Jersey, era muito mais bonito que Caco, o gigante, e isso não é um elogio a ninguém.
Como Hermes disse, o gigante tinha cerca de 3 metros de altura, o que fazia dele pequeno comparado a alguns outros gigantes que vi. Mas Caco compensava isso sendo brilhante e vistoso. Ele tinha cabelo cacheado laranja, pele pálida e sardas alaranjadas. Sua cara estava marcada permanentemente com um beicinho, nariz arrebitado, olhos arregalados e sobrancelhas arqueadas, então ele parecia assustado e infeliz ao mesmo tempo. Ele usava um roupão de veludo vermelho com chinelos combinando. O roupão estava aberto, revelando um bermudão de seda estampado de Dia dos Namorados e um luxuoso peito com pelos de cor vermelha/rosa/laranja nunca antes encontrada na natureza.
Annabeth fez um pequeno barulho engasgado.
― É o gigante ruivo.
Infelizmente, o gigante tinha uma audição extremamente boa. Ele franziu a testa e examinou a caverna, acabando em nosso esconderijo.
― Quem está aí?  ele berrou. ― Você... atrás da escavadeira.
Annabeth e eu olhamos um para o outro. Ela pronunciou sem som, Oops.
― Qual é?  o gigante disse ― Eu não gosto de covardes! Mostre-se.
Isto soou como uma terrível ideia. Então, novamente nós estávamos praticamente pegos. Talvez o gigante ouvisse a razão, a despeito do fato dele estar vestindo um bermudão de Dia dos Namorados.
Eu peguei minha caneta esferográfica e a destampei. Minha espada de bronze, Contracorrente, ganhou vida. Annabeth puxou seu escudo e adaga. Nenhuma de nossas armas pareciam muito intimidadoras contra um cara desse tamanho, mas juntos fomos para campo aberto.
O gigante sorriu.
― Bem! São vocês, semideuses? Eu pedi café da manhã, e dois aparecem? Isto é bastante confortável.
― Nós não somos café da manhã  Annabeth disse.
― Não?  O gigante se esticou preguiçosamente. Filetes iguais de fumaça escaparam por suas narinas. ― Imagino o gosto maravilhoso que vocês teriam com tortilhas, salsa e ovos. Huevos semidiós. Só de pensar já fico com fome!
Ele caminhou pela fileira de carcaças de vaca lotada de moscas.
Meu estômago revirou. Eu murmurei:
― Ah, ele não vai realmente...
Caco arrancou uma das carcaças de um gancho. Soprou fogo nela – uma torrente de chamas vermelhas que cozinhou a carne em segundos, mas que não pareceu machucar as mãos do gigante de qualquer forma. Uma vez que a vaca estava crocante e crepitante, Caco deslocou sua mandíbula, abrindo sua boca num tamanho impossível e tragou a carcaça em três mordidas compactas, ossos e tudo o mais.
― Sim  Annabeth disse fracamente. ― Ele realmente comeu.
O gigante arrotou. Ele limpou suas mãos gordurosas em seu roupão e sorriu para nós.
― Então, se vocês não são o café da manhã, devem ser clientes. O que posso lhes oferecer?
Ele soou relaxado e amigável, como se estivesse feliz em conversar conosco. Considerando isso e o roupão de veludo vermelho, ele quase não parecia perigoso. Exceto é claro por ele ter 3 metros de altura, soprar fogo e comer vacas em três mordidas.
Dei um passo a frente. Me chame de cara à moda antiga, mas eu queria manter seu foco em mim e não em Annabeth. E acho que é educado para um cara proteger sua namorada de uma incineração instantânea.
― Hã, é  eu disse. ― Nós podemos ser clientes. O que você vende?
Caco riu.
― O que eu vendo? Tudo, semideus! A preço de custo, e você não consegue achar preços menores que esses!  Ele gesticulou mostrando toda a caverna. ― Eu tenho bolsas com design, ternos italianos, hã... alguns equipamentos de construção, aparentemente, e se você estiver interessado em um Rolex...
Ele abriu seu roupão. Preso na parte interna estava um reluzente conjunto de relógios dourados e prateados.
Annabeth estalou os dedos.
― Falsos! Eu já vi essas coisas antes. Você pegou tudo isso dos vendedores de rua, não pegou? São imitações.
O gigante pareceu ofendido.
― Não é qualquer imitação, mocinha. Eu roubo apenas o melhor! Sou um filho de Hefesto. Eu reconheço falsificações de qualidade quando as vejo.
Eu franzi o cenho.
― Um filho de Hefesto? Então você não deveria estar fabricando coisas ao invés de estar as roubando?
Caco bufou.
― Dá trabalho demais! Ah, algumas vezes, se encontro um item de alta qualidade, faço minhas próprias cópias. Mas é mais fácil roubar as coisas. Eu comecei como ladrão de gado, sabe, de volta aos velhos tempos. Amo gado! É por isso que me estabeleci no Distrito de Meatpacking. Então descobri que eles tem mais do que carne aqui!
Ele sorriu como se isso fosse uma descoberta incrível.
― Camelôs, Boutiques top de linha... essa cidade é incrível, melhor até que a antiga Roma! E os trabalhadores foram bastante gentis em fazer esta caverna para mim.
― Antes de você os expulsar  Annabeth disse ― e quase matá-los.
Caco reprimiu um bocejo.
― Vocês tem certeza de que não são café da manhã? Porque vocês estão começando a me aborrecer. Se vocês não querem comprar nada, vou pegar a salsa e as tortilhas...
― Nós estamos procurando por algo especial  interrompi. ― Algo original. E mágico. Mas acho que você não tem alguma coisa desse tipo.
― Há!  Caco bateu palmas. ― Um cliente exigente. Se eu não tiver o que você precisa em estoque, eu posso roubar, por um preço justo, claro.
― O caduceu de Hermes ― falei.
O rosto do gigante ficou vermelho como seu cabelo. Seus olhos se estreitaram.
― Compreendo. Eu deveria saber que Hermes mandaria alguém. Quem são vocês dois? Filhos do deus dos ladrões?
Annabeth levantou sua faca.
― Ele me chamou de filha de Hermes? Eu vou esfaqueá-lo no...
― Eu sou Percy Jackson, filho de Poseidon ― respondi ao gigante. E coloquei meu braço ao redor de Annabeth. ― Esta é Annabeth Chase, filha de Atena. Nós ajudamos os deuses algumas vezes com pequenas coisas, como... ah, matar Titãs, salvar o Monte Olimpo, coisas assim. Talvez você tenha ouvido as histórias. Então sobre o caduceu... seria mais fácil devolve-lo antes que as coisas fiquem desagradáveis.
Eu o olhei nos olhos e esperei que minha ameaça funcionasse. Eu sei que isso parece ridículo, um garoto de 16 anos encarar um gigante cuspidor de fogo. Mas eu já tinhaderrotado alguns monstros bastante perigosos antes. E mais, eu me banhei no Rio Estige, o que me faz ser imune a maioria dos ataques físicos. Isso merece algum crédito, certo? Talvez Caco já tenha ouvido sobre mim. Talvez ele tremesse e choramingasse,Ah, Sr. Jackson. Eu sinto muito! Eu não imaginava!
Ao invés disso, ele jogou a cabeça para trás e riu.
― Ah, entendi! Isso era para me assustar! Mas infelizmente, o único semideus que um dia me derrotou foi o próprio Hércules.
Eu me virei para Annabeth e sacudi minha cabeça em exasperação.
― Sempre Hércules. O que há com ele?
Annabeth deu de ombros.
― Ele tinha um grande publicitário.
O gigante continuou se vangloriando.
― Por séculos, eu fui o terror da Itália! Eu roubei algumas vacas, mais que qualquer outro gigante. Mães costumavam assustar seus filhos com meu nome. Elas diziam, “Comporte-se, criança, ou Caco vem roubar suas vacas!”
― Horripilante  Annabeth falou.
O gigante sorriu.
― Eu sei! Certo? Então podem desistir, semideuses. Vocês nunca pegarão o caduceu. Eu tenho planos com ele!
Ele levantou sua mão e o caduceu de Hermes apareceu em seu poder. Eu o vi várias vezes antes, mas continuava me dando arrepios na espinha. Itens divinos emanam poder. O caduceu era de madeira branca lisa com aproximadamente noventa centímetros de comprimento, no topo havia uma esfera prata e asas de pombo, que tremulavam nervosamente. Entrelaçadas ao redor do caduceu estavam duas vivas, e muito agitadas serpentes.
Percy! Uma voz réptil disse na minha mente. Graças aos deuses!
Uma outra voz ofídica, profunda e mal humorada, disse, É, eu não sou alimentado há horas.
― Martha, George  eu disse. ― Vocês estão bem?
Melhor se tivesse alguma comida, George queixou-se. Tem alguns bons ratos aqui embaixo. Você pode pegar alguns?
George, pare! Martha o censurou. Nós temos problemas maiores. Esse gigante quer ficar com a gente!
Caco olhou de um lado pro outro para mim e para as cobras.
― Espere... Você consegue conversar com as cobras, Percy Jackson? Excelente! Diga a elas que é melhor começar a cooperar. Eu sou o seu novo mestre, e elas irão ser alimentadas quando começarem a cumprir ordens.
Uma ova! Martha gritou. Diga a esse imbecil ruivo...
― Calma aí  Annabeth interrompeu. ― Caco, as cobras nunca irão obedecer a você. Elas trabalham apenas para Hermes. Uma vez que você não pode usar o caduceu, ele não trará a você nenhum benefício. Apenas devolva-o e nós fingiremos que nada aconteceu.
― Ótima ideia  concordei.
O gigante rosnou.
― Ah, eu irei descobrir o poder do caduceu, garota. Eu irei fazer com que as cobras cooperem!
Caco sacudiu o caduceu. George e Martha se contorceram e assobiaram, mas pareceram presos ao caduceu. Eu sabia que o caduceu poderia se transformar em todo tipo de coisa que pudesse ajudar – uma espada, um celular, um scanner de preço para uma fácil comparação de preços. E uma vez George mencionou algo perturbador sobre “modo laser”. Eu realmente não queria que Caco descobrisse esse aspecto.
Finalmente, o gigante rosnou em frustração. Ele jogou o caduceu contra a carcaça de vaca mais próxima que se transformou imediatamente em pedra. Uma onda de petrificação se espalhou de carcaça para carcaça até que o cavalete se tornou tão pesado que desmoronou. Meia dúzia de vacas de granito se quebraram em pedaços.
― Agora sim, isto é interessante!  Caco sorriu.
― Oh-oh  Annabeth deu um passo para trás.
O gigante balançou o caduceu em nossa direção.
― Sim! Em breve irei controlar esta coisa e ser tão poderoso quanto Hermes. Eu serei capaz de ir a qualquer lugar! Eu roubarei o que quiser, farei imitações de alta qualidade, e as venderei pelo mundo. Eu serei o senhor dos vendedores ambulantes!
― Isso é realmente perverso ― respondi.
― Ha-ha!  Caco levantou o caduceu em triunfo. ― Eu tinha minhas dúvidas, mas agora estou convencido. Roubar este caduceu foi uma excelente ideia! Agora vamos ver como eu posso matar vocês com isso.
― Espere!  Annabeth disse. ― Você quis dizer que não foi sua ideia roubar o caduceu?
― Mate-os!  Caco ordenou às cobras.
Ele apontou o caduceu para nós, mas a extremidade prateada apenas expeliu tiras de papel. Annabeth apanhou um e o leu.
― Você está tentando nos matar com cupons de desconto  ela anunciou. ― Oitenta e cinco por cento de desconto em aulas de piano.
― Gah!  Caco olhou para as cobras e soprou fogo em sinal de advertência sobre suas cabeças. ― Obedeçam-me!
George e Martha se contorceram alarmados.
Pare com isso! Martha choramingou.
Nós temos sangue frio! George protestou. Fogo não é nada bom!
― Ei, Caco!  gritei, tentando tomar de volta sua atenção. ― Responda a nossa pergunta. Quem te disse para roubar o caduceu?
O gigante zombou.
― Semideus tolo. Quando você derrotou Cronos, pensou que tinha eliminado todos os inimigos dos deuses? Você só atrasou a queda do Olimpo um pouco mais. Sem o caduceu, Hermes não será capaz de entregar mensagens. As linhas de comunicação Olimpiana serão interrompidas, e este é apenas o começo do caos que meus amigos planejaram.
― Seus amigos?  Annabeth perguntou.
Caco dispensou a pergunta.
― Não importa. Vocês não viverão o bastante, e eu estou nisso apenas por dinheiro. Com este caduceu, eu ganharei milhões! Talvez até milhares de milhões! Agora fiquem quietos. Talvez eu consiga um bom preço por duas estátuas de semideuses.
Eu não gostava de ameaças como essa. Eu tive o bastante há alguns anos quando lutei com Medusa. Não estava ansioso para lutar com esse cara, mas também sabia que eu não podia deixar George e Martha a sua mercê. Além disso, o mundo tem vendedores ambulantes o bastante. Ninguém merecia atender a porta e encontrar um gigante cuspidor de fogo com um caduceu mágico e uma coleção de imitações de Rolex.
Eu olhei para Annabeth.
― Hora de lutar?
Ela me deu um sorriso doce.
― A coisa mais inteligente que você disse durante toda a manhã.

***

Você está provavelmente pensando: Espere, vocês atacaram sem um plano?
Mas Annabeth e eu já estivemos juntos em brigas por anos. Nós sabemos as habilidades um do outro. Podemos antecipar os movimentos um do outro. Eu posso me sentir estranho e nervoso sendo seu namorado, mas lutar com ela? Era natural.
Humm... isso soou errado. Ah, bem.
Annabeth desviou para a esquerda do gigante. Eu o ataquei sobre a cabeça. Eu ainda estava fora do alcance da espada quando Caco deslocou sua mandíbula e soprou fogo.
Minha próxima descoberta surpreendente: hálito de fogo é quente.
Eu consegui saltar para um lado, mas podia sentir meus braços começando a ficar quentes e minhas roupas a inflamar. Eu rolei sobre a lama para apagar as chamas e derrubei um cabideiro de casacos femininos.
O gigante rugiu.
― Olha o que você fez! Estas eram genuínas falsificações Prada!
Annabeth usou sua distração para atacar. Ela investiu contra Caco por trás e o esfaqueou na parte de trás do joelho – normalmente um bom ponto fraco em monstros. Ela saltou para longe, e Caco balançou o caduceu, e errou. A extremidade prata acertou a escavadeira a transformando em pedra num todo.
― Eu vou matar você!
Caco tropeçou, icor dourado vazando de sua perna ferida.
Ele soprou fogo em Annabeth, mas ela se esquivou do sopro. Eu avancei com Contracorrente e golpeei minha lâmina contra a outra perna do gigante.
Você pensou que fosse o suficiente, certo? Mas não.
Caco berrou de dor. Ele se virou com uma velocidade surpreendente, me atingindo com a parte de trás da mão. Eu saí voando e colidi com uma pilha de vacas de pedra quebradas. Minha visão ficou borrada. Annabeth gritou “Percy!” mas sua voz soou como se estivesse debaixo d'água.
Mova-se! A voz de Martha disse em minha mente. Ele está prestes a atacar!
Role para a esquerda! George disse, o que foi uma das sugestões mais úteis que ele fez. Eu rolei para a esquerda no momento em que o caduceu acertou a pilha de pedras onde eu estava deitado.
Eu ouvi um CLANG! E o gigante gritou:
― Gah!
Cambaleei de pé. Annabeth havia golpeado a parte de trás do gigante com seu escudo. Sendo um expert em ser expulso da escola, eu havia sido chutado de várias academias militares onde eles ainda acreditavam que remar era bom para a alma. Eu tinha uma ideia razoável de como era ser acertado por uma superfície plana, e meu traseiro se firmou em solidariedade.
Caco cambaleou, mas antes que Annabeth pudesse discipliná-lo novamente, ele se virou e arrancou o escudo dela. Ele amassou o bronze celestial como papel e o jogou por cima do ombro.
Tanto por um item mágico.
― Basta!  Caco dirigiu o caduceu a Annabeth.
Eu ainda estava tonto. Minha espinha parecia ter sido tratada com uma noite no Palácio de Camas d'Água do Crosta, mas eu tropecei para a frente, determinado a ajudar Annabeth. Antes que eu pudesse chegar lá, o caduceu mudou de forma. Ele se transformou em um telefone celular e tocou ao som de "Macarena." George e Martha, agora do tamanho de minhocas, se enrolaram ao redor da tela.
Boa, George exclamou.
Nós dançamos essa no nosso casamento, Martha comentou. Lembra, querido?
― Cobras estúpidas!  Caco sacolejou o celular violentamente.
Ai! Martha reclamou.
Ajudem-me! a voz de George soou estremecida. Deve-obedecer-roupão-vermelho!
O telefone voltou a forma de caduceu.
― Agora, comportem-se!  Caco advertiu as cobras. ― Ou eu irei transformar vocês dois em uma bolsa falsa Gucci!
Annabeth correu para o meu lado. Juntos, nós recuamos até estarmos perto da escada.
― Nosso jogo de estratégia não está funcionando muito bem  ela notou.
Ela estava respirando pesadamente. A manga esquerda da sua camiseta estava fumegando, mas por outro lado ela parecia bem.
― Alguma sugestão?
Meus ouvidos zumbiam. A voz dela continuava soando como se ela estivesse debaixo d'água.
Espere... debaixo d'água.
Eu olhei para a parte de cima do túnel – todos esses tubos quebrados embutidos na rocha: canos de água, dutos de esgoto. Sendo filho do deus do mar, eu as vezes consigo controlar a água. Eu pensei...
― Eu não gosto de vocês!  Caco gritou. Ele seguiu em nossa direção, fumaça saindo das suas narinas. ― Está na hora de acabar com isso.
― Espere aí  eu disse a Annabeth.
Envolvi minha mão livre ao redor da sua cintura.
Eu me concentrei em achar água sobre nós. Não foi difícil. Eu senti uma quantidade perigosa de pressão nos canos de água da cidade, e convoquei tudo aos tubos quebrados.
Caco se ergueu sobre nós, sua boca brilhando como uma fornalha.
― Últimas palavras, semideus?
― Olhe para cima ― falei.
Ele olhou.
Nota mental: No caso do sistema de esgoto de Manhattan explodir, não permaneça embaixo dele.
Toda a caverna retumbou no momento em que mil tubos de água explodiram por sobrecarga. Uma cachoeira não tão limpa acertou Caco no rosto. Eu arranquei Annabeth pra fora do caminho, então saltei para trás para a extremidade da torrente, carregando Annabeth comigo.
― O que você está...?  ela fez um barulho estrangulado. ― Ahhh!
Eu nunca tinha tentado isso antes, mas quis me movimentar rio acima como um salmão, pulando de corrente em corrente enquanto a água jorrava para dentro da caverna. Se você já tentou subir em um escorregador de água, era mais ou menos como isso, exceto por estar em um angulo de noventa graus e sem escorregador – apenas água.
Muito abaixo, ouvi Caco berrando com milhões, até mesmo milhares de galões de água imunda acertando-o. Enquanto isso, Annabeth alternadamente gritava, amordaçava, me batia, me chamava dos nomes mais carinhosos como “Idiota! Estúpido! Imundo! Imbecil” e coroou tudo isso com "Vou matar você!”
Finalmente nós disparamos para fora da terra em cima de um gêiser repugnante e pousamos com segurança em cima da calçada.
Pedestres e policiais recuaram, gritando em alarme a nossa versão esgoto do Old Faithful. Freios guincharam e carros batiam nas traseiras um dos outros enquanto os motoristas paravam para assistir o caos.
Eu desejei que estivesse seco – um truque útil – mas continuei cheirando muito mal. Annabeth tinha bolas de algodão velho presas em seu cabelo e uma embalagem de doces colada no seu rosto.
― Isso  ela disse ― foi horrível!
― Pelo lado bom, nós estamos vivos.
― Sem o caduceu!
Eu fiz uma careta. É... pequeno detalhe. Talvez o gigante se afogasse. Então ele se dissolveria e retornaria ao Tártaro da forma como monstros derrotados fazem, e nós poderíamos recolher o caduceu.
Parecia razoável o bastante.
O gêiser retrocedeu, seguido por um som horrendo de água drenando para baixo do túnel, como se alguém no Olimpo tivesse dado descarga no toalete divino.
Então uma distante voz ofídica falou em minha mente.
Amordace-me, disse George. Até mesmo para mim isso foi repugnante, e eu como ratos.
Apoiada! Martha alertou. Ah não! Eu achei que o gigante tinha resolvido...
Uma explosão balançou a rua. Um feixe de luz azul disparou para fora do túnel, esculpindo uma vala ao lado de um edifício de escritórios de vidro, derretendo janelas e vaporizando concreto. O gigante subiu pelo poço, seu roupão de veludo fumegante, seu rosto respingado de lama.
Ele não parecia feliz. Em suas mãos, o caduceu agora se assemelhava a uma bazuca com cobras envolvendo o cano e um bocal azul brilhante.
― Certo  Annabeth falou fracamente. ― Hã, o que é isso?
― Isso  eu adivinhei ― deve ser o modo laser.

***

Para todos vocês que moram no Distrito de Meatpacking, minhas desculpas. Por causa da fumaça, dos detritos e do caos, vocês provavelmente o chamam de Distrito do Lixo agora, uma vez que muitos de vocês tiveram que se mudar. Por outro lado, a real surpresa é que nós não provocamos mais danos.
Annabeth e eu fugimos no momento em que outro raio laser abriu um buraco na rua a nossa esquerda. Pedaços de asfalto choveram como confetes.
Atrás de nós, Caco berrou:
― Vocês arruinaram meus Rolexes falsificados! Eles não são a prova de água, sabe! Por isso, vocês vão morrer!
Nós continuamos correndo. Minha esperança era levar o monstro para longe dos mortais inocentes, mas isso é um pouco difícil de se fazer no meio de Nova York. Tráfego entupia as ruas. Pedestres gritavam e corriam em todas as direções. Os dois oficiais que eu tinha visto antes não estavam a vista, talvez tivessem sido arrastados pela multidão.
― O parque!  Annabeth apontou para os trilhos elevados do High Line. ― Se nós pudéssemos tirá-lo do nível da rua...
BOOM! O laser cortou completamente um caminhão de comida próximo. O vendedor mergulhou para fora pela sua janela de serviço com um punhado de churrasquinhos.
Annabeth e eu corremos para as escadas do parque. Sirenes soavam a distância, mas eu não queria mais policiais envolvidos. A aplicação das leis mortais iria apenas fazer as coisas ficarem mais complicadas, e por meio da Névoa, a polícia podia até mesmo pensar que Annabeth e eu éramos o problema. Nunca se sabe.
Nós subimos para o parque. Eu tentei me orientar. Sob circunstâncias diferentes, eu teria aproveitado a vista do reluzente rio Hudson e os telhados da vizinhança ao redor. O clima estava bom. Os canteiros de flores do parque irrompiam cor. O High Line estava vazio, talvez por ser um dia útil, ou talvez pelos visitantes serem espertos e terem fugido quando ouviram as explosões.
Em algum lugar atrás de nós, Caco estava rugindo, xingando e oferecendo a mortais em pânico grandes descontos em Rolexes levemente umedecidos. Percebi que tínhamos apenas alguns segundos antes que ele nos encontrasse.
Eu examinei o parque, esperando achar alguma coisa que pudesse ajudar. Tudo que vi foram bancos, passarelas e um monte de plantas. Eu desejei que tivéssemos um filho de Deméter conosco. Talvez eles pudessem enredar o gigante em videiras, ou transformar flores em estrelas ninja. Eu nunca vi um filho de Deméter fazer isso, mas seria legal.
Eu olhei para Annabeth.
― Sua vez de ter uma ideia brilhante.
― Estou trabalhando nisso.
Ela era linda em combate. Eu sei isso é algo louco de se dizer, especialmente depois de termos subido uma cachoeira de esgoto, mas seus olhos cinzentos brilhavam quando ela estava lutando por sua vida. Seu rosto resplandecia como o de uma deusa, e acredite em, eu já vi deusas. A forma como suas contas do Acampamento Meio-Sangue repousavam contra sua garganta... Okay, desculpe. Me distraí um pouco.
Ela apontou.
― Lá!
Uns trinta metros a frente, a velha ferrovia se dividia e a plataforma elevada formava um Y. O pedaço menor do Y era um beco sem saída – parte do parque ainda estava em construção. Pilhas de saco de terra para vasos e vasinhos de planta assentavam-se no cascalho. Sobressaindo sobre a borda da grade estava o braço de um guindaste que deve ter sido assentado ao nível do solo. Muito acima de nós, uma garra de metal pendia do braço do guindaste – provavelmente o que eles estavam usando para içar as fontes do jardim.
De repente eu entendi o que Annabeth estava planejando, e eu senti como se estivesse tentando engolir uma moeda.
― Não  eu disse. ― Perigoso demais.
Annabeth levantou a sobrancelha.
― Percy, você sabe que eu arraso em jogos de agarrar.
Isso era verdade. Eu a levei a arcada em Coney Island, e nós voltamos com um saco cheio de animais de pelúcia. Mas esse guindaste era enorme.
― Não se preocupe  ela disse. ― Eu supervisiono equipamentos maiores no Monte Olimpo.
Minha namorada: estudante de honra do segundo ano, semideusa, e, ah sim, arquiteta chefe do reprojetamento do palácio dos deuses no Monte Olimpo em seu tempo livre.
― Mas você consegue operá-lo?  perguntei.
― Moleza. Apenas o atraia até lá. Mantenha-o ocupado enquanto eu o agarro.
― E depois o quê?
Ela sorriu de um jeito que me fez ficar feliz por não ser o gigante.
― Você verá. Se você puder pegar o caduceu enquanto ele estiver distraído, seria ótimo.
― Mais alguma coisa?  perguntei. ― Você gostaria de batatas fritas e uma bebida, talvez?
― Cala a boca, Percy.
― MORTE!  Caco rugiu acima dos degraus até o High Line.
Ele nos viu e se arrastou lentamente com uma determinação sombria.
Annabeth correu. Ela chegou ao guindaste e saltou para o lado dos trilhos, refulgindo o braço de metal como se fosse um galho de árvore. Ela desapareceu de vista.
Eu levantei minha espada e encarei o gigante. Seu roupão vermelho de veludo estava em farrapos. Ele havia perdido seus chinelos. Seu cabelo ruivo estava colado a sua cabeça como uma touca de banho gordurosa. Ele apontou sua bazuca reluzente.
― George, Martha  chamei, esperando que me ouvissem. ― Por favor, saiam do modo laser.
Nós estamos tentando, querido! Martha respondeu.
Meu estomago dói, George disse. Eu acho que ele machucou minha barriga.
Eu recuei lentamente abaixo das faixas de sem saída, avançando em direção ao guindaste. Caco me seguiu. Agora que ele tinha me alcançado, não parecia ter pressa em me matar. Ele parou há seis metros de distância, um pouco além da sombra do gancho do guindaste. Eu tentei parecer encurralado e apavorado. Não foi difícil.
― Então  Caco rosnou. ― Últimas palavras?
― Socorro. Caramba. Au. Que tal essas? Ah, e Hermes é um vendedor ambulante bemmelhor que você.
― Gah!  Caco baixou o laser do caduceu.
O guindaste não se moveu. Mesmo se Annabeth já tivesse começado, eu tentava imaginar como ela conseguiria ver o alvo lá de baixo. Eu provavelmente deveria ter pensado nisso antes.
Caco puxou o gatilho, e de repente o caduceu mudou de forma. O gigante tentou me zapear com uma máquina de cartão de crédito, mas a única coisa que saiu foi um recibo de papel.
Ah, sim! George gritou em minha mente. Um ponto para as cobras!
― Caduceu estúpido!
Caco jogou o caduceu no chão com desgosto, que era a chance pela qual eu estava esperando. Eu me lancei para frente, agarrei o caduceu e rolei por baixo das pernas do gigante.
Quando fiquei de pé, nós tínhamos trocado as posições. Caco estava de costas para o guindaste. O braço estava exatamente atrás dele, a garra perfeitamente posicionada acima de sua cabeça.
Infelizmente, o guindaste continuava sem se mexer. E Caco continuava querendo me matar.
― Você extinguiu meu fogo com aquele maldito esgoto  ele grunhiu. ― Agora roubou meu caduceu.
― Que você roubou primeiramente.
― Isso não importa  Caco estalou suas juntas. ― Você não pode usar o caduceu também. Eu vou simplesmente matar você com minhas próprias mãos.
O guindaste se deslocou, devagar e quase silenciosamente. Eu percebi que ali haviam espelhos fixados ao longo da lateral do braço – como um retrovisor para guiar o operador. E refletido em dos espelhos estavam os olhos cinzentos de Annabeth.
A garra se abriu e começou a descer.
Eu sorri para o gigante.
― Atualmente, Caco, eu tenho outra arma secreta.
Os olhos do gigante iluminaram-se com ganância.
― Outra arma? Eu irei roubá-la! Eu irei fazer cópias e vender as imitações com lucro! O que é esta arma secreta?
― Seu nome é Annabeth. E ela é insubstituível.
O gancho desceu, acertando Caco na cabeça derrubando-o no chão. Enquanto o gigante estava tonto, a garra se fechou ao redor do seu peito e levantando-o no ar.
― O que... o que é isso?  O gigante retomou os sentidos a seis metros de altura. Me ponha no chão!
Ele se contorceu inutilmente e tentou soprar fogo, mas apenas conseguiu tossir um pouco de lama.
Annabeth balançava o braço do guindaste de um lado para o outro, com um ímpeto construtivo enquanto o gigante xingava e lutava. Eu estava com medo de que o guindaste tombasse, mas o controle de Annabeth era perfeito. Ela balançou o braço pela última vez e abriu a garra quando o gigante estava no topo do seu arco.
― Aahhhhhhhhh!
O gigante passou por cima dos telhados direto sobre o Chelsea Piers, e começou a cair em direção ao rio Hudson.
― George, Martha  falei. ― Vocês acham que podem assumir o modo laser apenas mais uma vez para mim?
Com prazer, George respondeu.
O caduceu se transformou em uma estranha bazuca de alta tecnologia.
Eu mirei no gigante que caia e gritei:
― Atirar!
O caduceu explodiu seu raio de luz azul, e o gigante se desintegrou numa bonita explosão estelar.
Isso, George disse, foi excelente. Posso ter um rato agora?
Eu tenho que concordar com George, Martha disse. Um rato agora seria encantador.
― Vocês merecem ― respondi― Mas primeiro é melhor checar Annabeth.
Ela me encontrou nas escadas do parque, sorrindo como louca.
― Isso não foi incrível?  ela perguntou.
― Foi incrível  concordei.
É difícil se sujeitar a um beijo romântico quando vocês dois estão encharcados de lama, mas nós fizemos nossa melhor tentativa.
Quando finalmente parei para respirar, eu disse,
― Ratos.
― Ratos?  ela perguntou.
― Para as cobras. E depois...
― Ai, deuses  ela puxou seu telefone e checou as horas. ― Já são quase cinco. Nós precisamos devolver o caduceu a Hermes!

***

As ruas estavam entupidas de veículos de emergência e pequenos acidentes, então pegamos o metrô na volta. Além disso, o metrô tinha ratos. Sem entrar nos detalhes horripilantes, eu posso lhe dizer que George e Martha ajudaram com o problema de pragas. Enquanto seguíamos para o norte, eles se enroscaram em volta do caduceu e cochilaram contentes, de barriga cheia.
Nós encontramos Hermes na estátua de Atlas no Rockefeller Center. (A estátua, aliás, não se parece em nada com o Atlas de verdade, mas essa é outra história.)
― Graças as Parcas!  Hermes gritou. ― Eu estava praticamente desistindo!
Ele pegou o caduceu e afagou as cabeças de suas cobras adormecidas.
― Aí, aí, meus amigos. Vocês estão em casa agora.
Zzzzz, disse Martha.
Delícia, George murmurou em seu sono.
Hermes suspirou de alívio.
― Obrigado, Percy.
Annabeth limpou a garganta.
― Ah, sim  o deus adicionou ― e você, também, garota. Eu só tenho tempo para finalizar minhas entregas! Mas o que aconteceu com Caco?
Nós contamos a história a ele. Quando relatei o que Caco disse sobre alguém dando-lhe a ideia de roubar o caduceu, e sobre os deuses terem outros inimigos, o rosto de Hermes se enevoou.
― Caco queria cortar as linhas de comunicação dos deuses, não é?  Hermes ponderou. ― Isso é irônico, considerando que Zeus tem ameaçado...
Sua voz sumiu.
― O quê?  Annabeth perguntou. ― Zeus tem ameaçado o quê?
― Nada  Hermes disse.
Era obviamente uma mentira, mas eu aprendi que era melhor não confrontar os deuses quando eles mentem na sua cara. Eles tendem a te transformar em pequenos mamíferos felpudos ou vasos de plantas.
― Certo... ― falei. ― Alguma ideia do que Caco quis dizer com outros inimigos, ou quem queria que ele roubasse seu caduceu?
Hermes se inquietou.
― Ah, podem ser vários inimigos. Nós deuses temos muitos.
― Difícil de acreditar  Annabeth disse.
Hermes assentiu. Aparentemente ele não tinha pegado o sarcasmo, ou tinha outras coisas em mente. Eu tinha a sensação de que os avisos do gigante viriam nos assombrar cedo ou tarde, mas Hermes obviamente não iria nos esclarecer agora.
O deus conseguiu dar um sorriso.
― De qualquer maneira, bom trabalho, vocês dois! Agora eu preciso ir. Tantas paradas...
― Há a pequena questão da minha recompensa  eu o lembrei.
Annabeth franziu o cenho.
― Que recompensa?
― É nosso aniversário de um mês ― respondi― Com certeza você não esqueceu.
Ela abriu a boca, mas fechou novamente. Eu não a deixava sem palavras com muita frequência. Eu tinha que aproveitar esses raros momentos.
― Ah, sim, sua recompensa  Hermes nos olhou de cima a baixo. ― Eu acho que devemos começar com roupas novas. O esgoto de Manhattam não é um visual que você pode usar por aí. Então o resto deve ser fácil. Deus das viagens, a seu serviço.
― Sobre o que ele está falando?  Annabeth perguntou.
― Uma surpresa especial para o jantar ― falei― Eu prometi.
Hermes esfregou as mãos.
― Digam adeus, George e Martha.
Adeus, George e Martha, disse George sonolento.
Zzz, disse Martha.
― Eu não devo te ver por um bom tempo, Percy  Hermes alertou. ― Mas... bem, aproveite a noite.
Ele fez isso soar tão ameaçador, eu pensei de novo no que ele não estava me contando. Então ele estalou os dedos, e o mundo se dissolveu ao nosso redor.

***

Nossa mesa estava pronta. O maitre nos acomodou no terraço com vista para as luzes de Paris e barcos no rio Sena. A Torre Eiffel reluzia à distância.
Eu estava vestindo um terno. Eu esperava que alguém tirasse uma foto, porque eu nãouso ternos. Gratamente, Hermes tinha arrumado isso de forma mágica. Caso contrário, eu não teria conseguido dar um nó na gravata. Auspiciosamente eu parecia bem, porque Annabeth estava esplêndida. Ela usava um vestido sem mangas verde escuro que exibia seu longo cabelo loiro e sua figura atlética magra. Seu cordão do acampamento havia sido substituído por um colar de pérolas cinza que combinavam com seus olhos.
O garçom trouxe pães frescos e queijo, uma garrafa de água gaseificada para Annabeth e uma Coca com gelo para mim (porque eu sou um bárbaro). Nós jantamos um monte de coisas que eu nem mesmo sei pronunciar o nome, mas todas elas estavam ótimas. Haviam se passado quase meia hora até que Annabeth tivesse superado o choque e falado.
― Isso é... inacreditável.
― Apenas o melhor para você  eu disse. ― E você pensou que eu tivesse esquecido.
― Você esqueceu, Cabeça de Alga.  Mas seu sorriso me disse que ela não estava brava. ― Você se safou bem, contudo. Eu estou impressionada.
― Eu tenho meus momentos.
― Você certamente tem.  Ela se esticou por cima da mesa e pegou minha mão. Sua expressão se tornou séria. ― Alguma ideia do por que Hermes pareceu tão nervoso? Eu tenho o pressentimento de que algo ruim está acontecendo no Olimpo.
Eu balancei a cabeça. Eu não devo te ver por um bom tempo, o deus tinha dito, quase como se estivesse me alertando sobre que estava por vir.
― Vamos apenas aproveitar essa noite. Hermes irá nos teletransportar de volta a meia noite.
― Tempo de caminharmos ao longo do rio  Annabeth sugeriu. ― E Percy... sinta-se livre para começar a planejar nosso aniversário de dois meses.
― Ai, deuses.
Eu me senti apavorado com o pensamento, mas também me senti bem. Eu havia sobrevivido um mês como namorado de Annabeth, então acho que não tinha estragado tanto as coisas. De fato, eu nunca tinha me sentido tão feliz. Se ela via um futuro para nós, se ela estava até mesmo planejando um segundo mês comigo, então isso era o suficiente para mim.
― Que tal irmos para essa caminhada?
Eu puxei o cartão de crédito que Hermes tinha enfiado em meu bolso – um metal preto Olimpo Express – e o coloquei sobre a mesa.
― Quero explorar Paris com uma garota linda.

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