domingo, 16 de novembro de 2014

Os Diários do Semideus - Leo Valdez e a busca por Buford



Leo culpou o lustra-móveis. Ele deveria ter desconfiado. Agora todo o seu projeto – dois meses de trabalho – podia literalmente explodir na sua cara.
Ele esbravejou pelo Bunker 9, amaldiçoando a si mesmo por ser tão estúpido, enquanto seus amigos tentavam acalmá-lo.
― Tudo bem  Jason disse. ― Nós estamos aqui para ajudar.
― Apenas nos conte o que aconteceu  Piper pediu.
Felizmente, eles atenderam a seu pedido de socorro de forma rápida. Leo não conseguiria ligar para qualquer outra pessoa. Ter seus melhores amigos ao seu lado o fazia se sentir melhor, embora ele não tivesse certeza de que eles fossem capazes de deter o desastre.
Jason parecia calmo e confiante como todo surfista bonitão com seu cabelo loiro e olhos azuis cor do céu. A cicatriz em sua boca e a espada ao seu lado davam a ele uma aparência durona, como se ele fosse capaz de lidar com qualquer coisa.
Piper estava ao seu lado em seus jeans e camiseta laranja do acampamento. Seu longo cabelo castanho estava trançado em um lado. Sua adaga Katoptris brilhava em seu cinto. Apesar da situação, seus olhos multicoloridos brilhavam como se ela estivesse tentando conter um sorriso. Agora que Jason e ela estavam oficialmente juntos, Piper adquiria essa aparência frequentemente.
Leo respirou fundo.
― Okay, galera. Isso é sério. Buford foi embora. Se nós não o trouxermos de volta, todo esse lugar irá explodir.
Os olhos de Piper perderam um pouco daquele brilho sorridente.
― Explodir? Hã... ok. Acalme-se e nos fale quem é Buford.
Ela provavelmente não tinha feito de propósito, mas Piper tinha esse poder dos filhos de Afrodite chamado charme que fazia da sua voz algo difícil de ignorar. Leo sentiu seus músculos relaxando. Sua mente clareou um pouco.
― Tudo bem  Leo respondeu. ― Venha aqui.
Ele os levou através do galpão, cuidadosamente contornando alguns dos seus projetos mais perigosos. Em seus dois meses no Acampamento Meio-Sangue, Leo tinha gastado a maior parte do seu tempo no Bunker 9. Afinal, ele tinha redescoberto a oficina secreta. Agora o lugar era como uma segunda casa para ele. Mas ele sabia que seus amigos ainda se sentiam desconfortáveis ali.
Ele não os culpava. Construído do lado de um penhasco de calcário no meio da floresta, o Bunker era parte depósito de armas, parte oficina mecânica, e parte esconderijo subterrâneo, um pouco como a Área 51 – loucura em boa medida.
Fileiras de bancadas se estendiam na escuridão. Armários de ferramentas e de armazenamento, caixas cheias de equipamento de solda e pilhas de material de construção formavam um labirinto de corredores tão vasto que Leo imaginava ter explorado apenas dez por cento de tudo. No alto havia uma série de passarelas e tubos pneumáticos para a entrega de suprimentos, mais uma iluminação de alta tecnologia e um sistema de som que Leo tinha acabado de arranjar.
Um grande banner mágico pendia sobre o centro do andar de produção. Leo tinha recentemente descoberto como mudar o display, como o Jumbotron da Times Square, então agora o banner dizia: Feliz Natal! Todos os seus presentes pertencem ao Leo!
Ele conduziu seus amigos para a área central de testes. Décadas atrás, o amigo metálico de Leo, o dragão de bronze Festus, tinha sido criado aqui. Agora, Leo estava montando lentamente seu orgulho e alegria – o Argo II.
No momento, ele não se parecia muito com isso. A quilha estava definida – uma extensão de bronze celestial curvada como o arco de um arqueiro, sessenta metros da proa à popa. As tábuas do casco já tinham sido colocadas no lugar, formando uma bacia rasa, mantidas juntas com a ajuda de andaimes. Mastros estavam de um lado, prontos para ser posicionados. A figura de proa era um dragão de bronze – a antiga cabeça de Festus – estava próxima, cuidadosamente embrulhada com veludo, esperando ser instalada neste local de honra.
Leo gastava a maior parte de seu tempo no meio do navio, na base do casco, onde ele estava construindo o motor que iria fazer o navio de guerra funcionar.
Ele subiu no andaime e pulou para dentro do casco. Jason e Piper o seguiram.
― Estão vendo?  Leo disse.
Fixado a quilha, o motor parecia um trepa-trepa de alta tecnologia feito de tubos, pistões, engrenagens de bronze, discos mágicos, saídas de vapor, fios elétricos e um milhão de outras coisas mágicas e peças mecânicas. Leo deslizou para dentro e apontou para a câmara de combustão.
Era algo lindo, uma esfera de bronze do tamanho de uma bola de basquete, sua superfície eriçada com cilindros de vidro de tal forma que parecia uma explosão estelar mecânica. Fios de ouro vinham do fim dos cilindros, conectando-se a várias partes do motor. Cada cilindro estava cheio com uma diferente substância mágica altamente perigosa. A esfera central tinha um relógio digital onde lia-se 66:21. O painel de manutenção estava aberto. Dentro, o núcleo estava vazio.
― Eis o problema  Leo anunciou.
Jason coçou a cabeça.
― Hã... o que é isso que estamos vendo?
Leo pensou que isso era bastante óbvio, mas Piper parecia confusa também.
― Certo ― Leo suspirou ― vocês querem a explicação completa ou a explicação curta?
― Curta  Piper e Jason disseram num uníssono.
Leo gesticulou para o núcleo vazio.
― O sincopador vai aqui. É uma válvula giroscópio reguladora de fluxo de multiacesso. A dúzia de tubos de vidro do lado externo? Eles estão cheios de material poderoso e perigoso. Esse vermelho brilhante é fogo de Lemnos das forjas do meu pai. Essa substância escura aqui? É água do Rio Estige. O material dos tubos irá alimentar o navio, certo? Como as hastes radioativas de um reator nuclear. Mas a mistura tem de ser controlada, e o temporizador já está em funcionamento.
Leo tocou o relógio digital, que agora mostrava 65:15.
― Isso significa que sem o sincopador, todo esse material irá descarregar para dentro da câmara ao mesmo tempo, dentro se sessenta e cinco minutos. Neste estágio, nós iremos ter uma reação bastante desagradável.
Jason e Piper olharam para ele. Leo se perguntou se ele tinha falado em inglês. Às vezes, quando ele estava agitado ele passava para o espanhol, como sua mãe costumava fazer em sua oficina. Mas ele tinha plena certeza que tinha falado inglês.
― Hã...  Piper limpou a garganta. ― Você pode fazer a explicação curta ficar mais curta ainda?
Leo bateu a palma da sua mão na testa.
― Tudo bem. Uma hora. Mistura de fluídos. Carvoaria vai cabum. Um quilômetro quadrado de floresta virará uma cratera fumegante.
― Ah  Piper disse com uma voz fraca. ― Você não pode simplesmente... desligar?
― Caramba, eu não tinha pensado nisso!  Leo respondeu. ― Deixe-me apenas apertar esse botão e... Não, Piper. Eu não posso desligar. Essa é uma parte complicada do maquinário. Tudo tem que ser montado numa certa ordem num certo período de tempo. Uma vez que a câmara de combustão é manipulada, dessa forma aqui, você não pode simplesmente deixar todos esses tubos parados. O motor tem que ser posto em movimento. O relógio de contagem regressiva se inicia automaticamente, e eu tenho que instalar o sincopador antes que o combustível se torne perigoso. O que seria tranquilo exceto por... Bem, eu perdi o sincopador.
Jason cruzou os braços.
― Você o perdeu. Você não tem um extra? Não consegue tirar um do seu cinto de ferramentas?
Leo sacudiu a cabeça. Seu cinto mágico podia produzir um grande número de ótimos produtos. Qualquer tipo de ferramenta comum – martelos, chaves de fenda, alicates, o que seja – Leo podia tirar qualquer coisa de seus bolsos bastando apenas pensar nelas. Mas o cinto não conseguia fabricar dispositivos complicados ou itens mágicos.
― O sincopador levou uma semana pra ser feito  ele explicou. ― E sim, eu fiz um sobressalente. Eu sempre faço. Mas esse eu perdi também. Ambos estão nas gavetas de Buford.
― Quem é Buford?  Piper perguntou. ― E por que você está guardando sincopadores nas cuecas dele?
Leo revirou os olhos.
― Buford é uma mesa.
― Uma mesa  Jason repetiu. ― Chamada Buford.
― Sim, uma mesa  Leo se perguntou se seus amigos estavam perdendo a audição. Uma mesa mágica que anda. Tem mais ou menos um metro de altura, topo de mogno, base de bronze e três pernas que podem se deslocar. Eu o encontrei em um dos armários de suprimentos e o coloquei em condições de funcionamento. Ele é exatamente como as mesas que meu pai tem em sua oficina. Um ajudante incrível; carrega todas as minhas peças de máquina que são importantes.
― Então o que aconteceu com ele?  Piper perguntou.
Leo sentiu um caroço em sua garganta. A culpa era quase insuportável.
― Eu... eu fui negligente. Eu o lustrei com Windex, e... ele fugiu.
Jason parecia que estava tentando resolver uma equação.
― Deixa eu entender isso direito. Sua mesa fugiu... porque você a lustrou com Windex.
― Eu sei, eu sou um idiota!  Leo lamentou. ― Um idiota brilhante, mas ainda um idiota. Buford odeia ser lustrado com Windex. Tinha que ser Lemon Pledge com fórmula extra-hidratante. Eu estava distraído. Pensei que talvez uma vezinha só ele não notaria. Então dei as costas por um instante para instalar os tubos de combustão, e quando procurei por Buford...
Leo apontou para as portas gigantes abertas do Bunker.
― Ele já tinha ido embora. Uma pequena trilha de óleo e parafusos levava até o lado de fora. Ele pode estar em qualquer lugar há essa hora, e ele está com os dois sincopadores!
Piper olhou para o relógio digital.
― Então... nós temos exatamente uma hora para achar a sua mesa fugitiva, recuperar seu sinco-qualquercoisa, e instalá-lo nesse motor, ou o Argo II explode, destruindo o Bunker 9 e uma grande parte da floresta.
― Basicamente é isso.
Jason franziu a testa.
― Nós temos que alertar os outros campistas. Poderemos ter que evacuá-los.
― Não!  A voz de Leo interrompeu. ― Olha, a explosão não destruirá o acampamento inteiro. Apenas a floresta. Eu tenho certeza. Tipo sessenta e cinco por cento de certeza.
― Bem, isso é um alívio  Piper murmurou.
― Por outro lado  Leo continuou ― nós não temos tempo, e eu... eu não posso contar aos outros. Se eles descobrem o tamanho da trapalhada que cometi...
Jason e Piper olharam um para o outro. O display do relógio mudou para 59:00.
― Ótimo  Jason disse. ― Mas é melhor nos apressarmos.

***

À medida que eles caminhavam pela floresta o sol ia se pondo. O clima do acampamento era controlado magicamente, então não estava muito frio e nevando como no resto de Long Island, mas ainda sim Leo podia dizer que era final de dezembro. Nas sombras dos enormes carvalhos, o ar estava frio e úmido. O chão coberto de musgo era esmagado por seus pés.
Leo estava tentando invocar fogo em sua mão. Ele tinha melhorado desde que chegou ao acampamento, mas sabia que os espíritos da natureza da floresta não gostavam de fogo. Ele não queria levar bronca de mais nenhuma dríade.
Véspera de Natal. Leo não podia acreditar que já era essa data. Ele tinha estado trabalhando tão arduamente no Bunker 9 que mal notara as semanas se passando. Normalmente, perto dos feriados ele costumava ficar zoando por aí, pregando peças em seus amigos, se vestindo de Taco Noel (invenção pessoal dele), deixando tacos de carne assada nas meias e sacos de dormir das pessoas, ou derramando gemada nas camisetas de seus amigos, ou criando paródias inapropriadas para as canções de Natal. Este ano, ele estava todo sério e trabalhador. Qualquer professor que ele havia tido riria se Leo descrevesse a si mesmo dessa forma.
A coisa toda era que Leo nunca tinha se importado tanto com um projeto antes. O Argo II tinha que ficar pronto até junho se eles quisessem começar sua grande missão a tempo. E mesmo junho parecendo estar distante, Leo sabia que dificilmente conseguiria cumprir a tarefa dentro do prazo. Mesmo com todo o chalé de Hefesto ajudando, construir um navio de guerra mágico voador era uma tarefa difícil. Isso fazia o lançamento de uma espaçonave da NASA parecer fácil. Eles tinham tantos contratempos, mas tudo que Leo conseguia pensar era sobre o navio ficando pronto. Ele seria sua obra-prima.
Além disso, ele queria colocar o dragão como figura de proa. Tinha perdido seu velho amigo Festus, que literalmente caiu e pegou fogo na sua última missão. Mesmo que Festus nunca mais fosse o mesmo, Leo esperava poder reativar seu cérebro usando o motor do navio. Se Leo pudesse dar a Festus uma segunda vida, ele não se sentiria mais tão mal.
Mas nada disso iria acontecer se a câmara de combustão explodisse. Isso seria um game over. Nada de navio. Nada de Festus. Nada de missão. Leo não teria ninguém em quem por a culpa a não ser em si mesmo. Ele realmente odiava Windex.
Jason se ajoelhou as margens de um riacho. Ele apontou para algumas marcas na lama.
― Essas marcas se parecem com pegadas de uma mesa?
― Ou um guaxinim  Leo sugeriu.
Jason franziu o cenho.
― Sem dedos?
― Piper?  Leo perguntou. ― O que você acha?
Ela suspirou.
― Só porque eu sou uma nativa americana não significa que posso rastrear mobília através da mata silvestre  ela engrossou a voz: ― “Sim, rapaz. Uma mesa de três pernas passou por aqui há uma hora”. Diabos, eu não sei.
― Tá bom, caramba  Leo disse.
Piper era metade Cherokee, e metade deusa grega. Em alguns dias era difícil dizer sobre qual lado de sua família ela era mais sensível.
― Provavelmente uma mesa  Jason decidiu. ― O que significa que Buford atravessou o riacho.
De repente a água borbulhou. Uma garota em um vestido azul cintilante subiu a superfície. Ela tinha cabelos verdes viscosos, lábios azuis e pele pálida. Parecia uma vítima de afogamento. Seus olhos estavam arregalados em alarme.
― Você pode ser mais barulhento?  ela sibilou. ― Elas irão ouvir você!
Leo piscou. Ele nunca se acostumava com isso – espíritos da natureza simplesmente pipocando no meio da floresta e riachos e sei lá mais o que.
― Você é uma náiade?  ele perguntou.
― Shh! Elas irão matar todos nós! Elas estão bem ali!
Ela apontou para trás dela, no meio das árvores do outro lado do riacho. Infelizmente, essa era a direção que Buford parecia ter tomado.
― Certo ― Piper disse gentilmente, ajoelhando-se perto d’água. ― Agradecemos o aviso. Qual o seu nome?
A náiade parecia querer fugir, mas a voz de Piper era forte demais para resistir.
― Brooke  a garota azul falou relutante.
― Brook, riacho em inglês?  Jason perguntou.
Piper deu um tapa na perna dele.
― Ok, Brooke. Eu sou Piper. Nós não deixaremos ninguém machucar você. Só nos conte de quem você está com medo.
O rosto da náiade ficou mais agitado. A água borbulhou ao redor dela.
― Minhas primas loucas. Vocês não são capazes de pará-las. Elas irão acabar com vocês. Nenhum de nós está a salvo! Agora saiam daqui. Eu tenho que me esconder!
Brooke se derreteu em água.
Piper ficou de pé.
― Primas loucas?  Ela franziu o cenho para Jason. ― Alguma ideia do que ela está falando?
Jason balançou a cabeça.
― Talvez nós devêssemos falar mais baixo.
Leo olhou para o riacho. Ele estava tentando adivinhar o que havia de tão horrível que até mesmo podia destruir um espírito do rio. Como se destrói água? Seja lá o que fosse, ele não queria encontrá-lo.
Ele podia ver as pegadas de Buford na margem oposta – pequenos quadrados gravados na lama, levando na direção a qual a náiade tinha os alertado.
― Nós temos que seguir a trilha, certo?  ele disse, mais para convencer a si mesmo.― Quer dizer... nós somos heróis e tal. Podemos lidar com o que quer que seja. Certo?
Jason sacou sua espada – um gládio perverso no estilo romano com uma lâmina de ouro imperial.
― Sim. Claro.
Piper desembainhou sua adaga. Ela olhou para a lâmina como se estivesse esperando que Katoptris mostrasse a ela uma visão que ajudasse. Às vezes a adaga fazia isso. Mas se ela viu algo importante, não disse.
― Primas loucas  ela murmurou. ― Aqui vamos nós.

***

Não houve mais nenhuma conversa enquanto eles seguiam os rastros da mesa entrando cada vez mais fundo na floresta. Os pássaros estavam em silêncio. Nenhum monstro rosnou. Era como se todas as outras criaturas vivas da floresta tivessem sido espertas o bastante para deixar o lugar.
Finalmente, chegaram numa clareira do tamanho de um estacionamento de supermercado. O céu estava denso e cinza. A grama estava amarela e árida, e o chão estava marcado com buracos e trincheiras como se alguém tivesse dirigido como um louco um equipamento de construção. No centro da clareira estava uma pilha de pedregulhos com mais ou menos nove metros de altura.
― Oh  Piper disse. ― Isso não é nada bom.
― Por quê?  Leo perguntou.
― Dá azar estar aqui  Jason respondeu. ― Este é um local de batalha.
Leo fez uma careta.
― Que batalha?
Piper levantou suas sobrancelhas.
― Como assim você não sabe? Os outros campistas falam desse lugar o tempo todo.
― Ando meio ocupado  Leo disse.
Ele tentou não se sentir magoado sobre isso, mas sentia muita falta das coisas normais do acampamento – as batalhas entre trirremes, as corridas de biga, os flertes com as garotas. Essa era a pior parte. Leo finalmente tinha uma chance com as garotas mais gostosas do acampamento, uma vez que Piper era a conselheira chefe do chalé de Afrodite, e ele estava ocupado demais para ela ajudá-lo com as garotas. Triste.
― A Batalha do Labirinto.
Piper manteve sua voz baixa, mas ela explicou a Leo como uma pilha de pedras costumava ser chamada de Punho de Zeus, quando o monte se parecia com algo, não apenas um monte de pedras. Havia uma entrada para um labirinto mágico, e um grande exército de monstros vindo dessa entrada invadiu o acampamento. Os campistas ganharam – obviamente, uma vez que o acampamento ainda continuava ali – mas foi uma batalha árdua. Muitos semideuses morreram. A clareira ainda era considerada amaldiçoada.
― Ótimo  Leo resmungou. ― Buford tinha que fugir para a parte mais perigosa da floresta. Ele não podia só, tipo, fugir para a praia ou para uma lanchonete?
― Falando nele...  Jason estudou o solo. ― Como vamos rastreá-lo? Não há pegadas aqui.
Embora Leo preferisse ficar protegido pelas árvores, ele seguiu seus amigos para a clareira. Eles procuraram por pegadas de mesa, mas enquanto caminhavam até a pilha de pedregulhos, não acharam nada. Leo tirou um relógio do seu cinto de ferramentas e o prendeu ao seu pulso. Aproximadamente quarenta minutos até o grande cabum.
― Se eu tivesse mais tempo  ele disse  poderia fazer um dispositivo de rastreamento, mas...
― Buford tem o tampo da mesa redondo?  Piper interrompeu. ― Com pequenas saídas de vapor apontando para cima de um lado?
Leo olhou para ela.
― Como você sabe?
― Porque ele está bem ali  ela apontou.
Com certeza, era Buford gingando em direção ao lado mais distante da clareira, vapor saindo de suas aberturas. Enquanto eles o assistiam, ele desapareceu em meio as árvores.
― Isso foi fácil  Jason começou a segui-lo, mas Leo o deteve.
Os pelos da nuca de Leo se eriçaram. Ele não tinha certeza do porquê. Então ele percebeu que podia ouvir vozes vindo da mata a sua esquerda.
― Alguém está vindo!
Ele puxou seus amigos para trás das pedras.
Jason sussurrou:
― Leo...
― Shh!
Uma dúzia de garotas descalças saltaram para dentro da clareira. Elas eram adolescentes usando vestidos largos roxos e vermelhos de seda ao estilo túnica. Seus cabelos estavam emaranhados com folhas, e muitas usavam coroas de louro. Algumas carregavam mastros estranhos que se pareciam com tochas. As garotas riam e empurravam umas as outras, tombando sobre a grama e girando como se estivessem tontas. Todas elas eram realmente deslumbrantes, mas Leo não se sentiu tentando a flertar.
Piper suspirou.
― Elas são apenas ninfas, Leo.
Leo gesticulou freneticamente para que ela ficasse abaixada. Ele sussurrou:
― Primas loucas!
Os olhos de Piper se arregalaram.
Quando as ninfas chegaram mais perto, Leo começou a notar detalhes estranhos nelas. Seus mastros não eram tochas. Eram ramos de madeira retorcidos. Cada uma com uma pinha gigante no topo, e algumas tinham cobras vivas enroladas ao redor. As coroas de louro das garotas, não eram coroas, tampouco. Seus cabelos eram trançados com minúsculas víboras. As garotas sorriam, gargalhavam e cantavam em grego antigo enquanto cambaleavam pela clareira. Elas pareciam estar se divertindo, mas suas vozes pareciam tingidas com algum tipo de ferocidade selvagem. Se leopardos pudessem cantar, Leo imaginava que eles soariam daquela forma.
― Elas estão bêbadas?  Jason sussurrou.
Leo franziu o cenho. As garotas agiam como se estivessem, mas ele achava que tinha mais alguma coisa acontecendo. Ele se sentia grato pelas ninfas ainda não os terem visto.
Então as coisas se complicaram. Na mata a direita, algo rugiu. As árvores farfalharam, e um drakon invadiu a clareira, parecendo sonolento e irritado, como se o canto das ninfas o tivesse acordado.
Leo já tinha visto muitos monstros na floresta. O acampamento os mantinha intencionalmente como um desafio aos campistas. Mas este era maior e mais assustador do que a maioria.
O drakon era mais ou menos do tamanho de um vagão de metrô. Ele não possuía asas, mas sua boca era cheia de dentes cortantes. Chamas saiam de suas narinas.
Escamas prateadas cobriam seu corpo como uma malha metálica polida. Quando o drakon viu as ninfas, ele rugiu novamente e cuspiu chamas em direção ao céu.
As garotas não pareceram notar. Elas continuaram dando cambalhotas, rindo e empurrando umas em cima das outras de brincadeira.
― Nós temos que ajudá-las  Piper sussurrou. ― Elas serão mortas!
― Espere aí ― Leo disse.
― Leo  Jason censurou. ― Nós somos heróis. Não podemos deixar essas garotas inocentes...
― Relaxa!  Leo insistiu.
Algo naquelas garotas o incomodava – uma história que ele só lembrava pela metade. Como conselheiro do chalé de Hefesto, Leo fez com que ler sobre itens mágicos se tornasse uma atividade sua, para no caso de ele precisar construí-los algum dia. Ele tinha certeza que já tinha lido alguma coisa sobre mastros de pinha envolvidos com cobras.
― Observe.
Finalmente, uma das garotas notou o drakon. Ela gritou de alegria como se tivesse encontrando um cachorrinho fofo. Ela pulou em direção ao monstro e as outras garotas a seguiram, cantando e rindo, o que pareceu deixar o drakon confuso. Ele provavelmente não estava acostumado com sua presa parecendo tão alegre.
Uma ninfa em um vestido vermelho sangue deu uma cambalhota e foi parar na frente do drakon.
― Você é Dioniso?  ela perguntou esperançosa.
Isso parecia ser uma questão estúpida. Verdade, Leo nunca vira Dioniso antes, mas ele tinha certeza que o deus do vinho não era um drakon cuspidor de fogo.
O monstro soprou fogo no pé da garota. Ela simplesmente dançou no mesmo lugar. O drakon avançou e pegou o braço da menina com sua mandíbula. Leo estremeceu certo de que a ninfa ia ter o braço amputado bem na sua frente, mas ela arrancou o braço da boca do monstro junto com vários dentes quebrados do drakon. Seu braço estava perfeitamente bem. O drakon fez um som algo entre um rosnado e um ganido.
― Malcriado  a garota ralhou. Ela se virou para as suas amigas animadas. ― Não é Dioniso! Ele precisa se juntar a nossa festa!
As ninfas gritaram alegres e cercaram o monstro.
Piper prendeu o fôlego.
― O que elas estão... ai, deuses. Não!
Leo não costumava sentir pena de monstros, mas o que aconteceu em seguida foi horrível de verdade. As garotas se jogaram em cima do drakon. Suas risadas alegres se transformando em rosnados cruéis. Elas atacaram com seus mastros de pinha, com unhas que se tornaram garras longas e brancas, e com dentes que se alongaram até parecem presas de lobo.
O monstro cuspiu fogo e cambaleou, tentando fugir, mas as adolescentes eram demais para ele. As ninfas dilaceraram e rasgaram o drakon até que ele lentamente se desfizesse em pó, seu espírito retornando ao Tártaro.
Jason fez um barulho como se estivesse engolindo algo. Leo tinha visto seu amigo em todo tido de situação perigosa, mas nunca tinha visto Jason parecer tão pálido.
Piper estava tapando seus olhos, balbuciando:
― Ai, deuses. Ai, deuses.
Leo tentou fazer com que sua voz não tremesse.
― Eu li sobre essas ninfas. Elas são seguidoras de Dioniso. Eu me esqueci como elas se chamam...
― Maenads  Piper tremeu. ― Eu ouvi falar sobre elas. Pensava que elas tinham existido apenas nos tempos antigos. Elas participavam das festas de Dioniso. E quando elas ficam muito agitadas...
Ela apontou para a clareira. Ela não precisava dizer mais nada. A náiade Brooke os tinha alertado. Suas primas loucas rasgavam suas vitimas em pedaços.
― Nós temos que dar o fora daqui  Jason disse.
― Mas elas estão entre nós e Buford!  Leo sussurrou. ― E nós temos apenas... ― Ele checou o relógio. ― Trinta minutos para instalar o sincopador!
― Talvez eu possa fazer vocês voarem comigo até Buford  Jason fechou seus olhos firmemente.
Leo sabia que Jason já tinha controlado o vento antes – apenas uma das vantagens de ser um descolado filho de Zeus – mas desta vez, nada aconteceu.
Jason balançou a cabeça.
― Eu não sei... o ar parece agitado. Talvez essas ninfas estejam bagunçando as coisas. Ou os espíritos do vento estão apreensivos demais para se aproximar.
Leo olhou de volta para o lugar de onde vieram.
― Nós temos que recuar até as árvores. Se nós pudéssemos contornar as Maenads...
― Galera  Piper guinchou em alarme.
Leo olhou para cima. Ele não notou as Maenads se aproximando, subindo as pedras em um silêncio absoluto ainda mais assustador que suas risadas. De cima das pedras elas olharam para baixo, sorrindo encantadoramente, suas unhas e dentes de volta ao normal. Víboras enroladas em seus cabelos.
― Olá!  A garota de vestido vermelho sangue sorriu para Leo. ― Você é Dioniso?
Havia apenas uma resposta para isso.
― Sim!  Leo gritou. ― Absolutamente. Eu sou Dioniso.
Ele se pôs de pé e tentou corresponder ao sorriso da garota.
A ninfa bateu palmas alegre.
― Maravilhoso! Meu lorde Dioniso? Sério?
Jason e Piper se levantaram, armas a postos, mas Leo esperava que isso não se transformasse numa luta. Ele tinha visto o quão rápido aquelas ninfas podiam se mover. Se elas resolvessem entrar no modo processador de comida, Leo duvidada que ele e seus amigos tivessem chance.
As Maenads deram risadinhas, dançaram e empurraram umas as outras. Muitas despencaram de cima da pilha de pedras caindo pesadamente no chão. Isso não parecia incomodá-las. Elas apenas se levantavam e continuavam brincando.
Piper deu uma cotovelada nas costelas de Leo.
― Hã, lorde Dioniso, o que você está fazendo?
― Está tudo bem  Leo olhou para os seus amigos como se fosse, Está tudo sem dúvida, sem dúvida mesmo, nada bem― As Maenads são minhas assistentes. Eu adoro essas meninas.
As Maenads bateram palmas e giraram ao redor dele. Muitas conjuraram cálices do nada e começaram a beber de um gole só... seja lá o que estivesse dentro.
A garota de vermelho olhou desconfiada para Piper e Jason.
― Lorde Dioniso, esses são sacrifícios para a festa? Nós devemos rasgá-los em pedaços?
― Não, não!  Leo respondeu apressadamente. ― Ótima oferta, mas, hã, sabe, talvez devêssemos começar devagar. Com, tipo, apresentações.
A garota estreitou os olhos.
― Com certeza você se lembra mim, meu lorde. Eu sou Babette.
― Hã, certo!  Leo disse. ― Babette! Claro.
― E essas são, Buffy, Muffy, Bambi, Candy...
Babette recitou um monte de nomes que juntos se misturavam. Leo olhou para Piper pensando se isso não era algum tipo de pegadinha de Afrodite. Essas ninfas podiam se encaixar facilmente no chalé de Piper. Mas Piper parecia estar tentando não gritar. Isso devia ser porque duas das Maenads estavam passando as mãos nos ombros de Jason enquanto davam risadinhas.
Babette parou perto de Leo. Ela cheirava como agulhas de pinheiro. Seu cabelo preto cacheado caía sobre seus ombros e seu nariz era salpicado de sardas. Uma coroa de cobras corais se contorcia em sua testa.
Espíritos da natureza normalmente tinham uma coloração esverdeada em suas peles, decorrente da clorofila, mas essas Maenads pareciam ter sangue Kool-Aid de cereja. Seus olhos eram injetados de sangue. Seus lábios eram mais vermelhos que o normal. Suas peles eram pavimentadas com vasos capilares brilhantes.
― Que forma interessante você escolheu, meu lorde  Babette analisou o rosto e os cabelos de Leo. ― Juvenil. Fofo, suponho. Além de... um pouco magro e baixo.
― Magro e baixo?  Leo reprimiu algumas respostas. ― Bem, sabe. Eu estava mais para fofo, no geral.
As outras Maenads cercaram Leo, sorrindo e cantarolando. Sobre circunstâncias normais, ser cercado por garotas gostosas seria completamente ok para Leo, mas não dessa vez. Ele não conseguia esquecer como os dentes e as unhas da Maenads tinham crescido logo antes delas destroçarem o drakon.
― Então, meu lorde  Babette passou seus dedos pelo braço de Leo. ― Onde você tem estado? Nós estamos o procurando há tanto tempo!
― Onde eu tenho...?
Leo pensou freneticamente, Ele sabia que Dioniso costumava trabalhar como diretor do Acampamento Meio-Sangue antes de Leo chegar. Então o deus foi chamado de volta ao Monte Olimpo para ajudar a lidar com os gigantes. Mas onde Dioniso tinha estava hoje em dia? Leo não tinha ideia.
― Ah, você sabe. Eu tenho estado fazendo, hã, coisas relacionadas a vinho. Eu tenho estado tão ocupado trabalhando...
― Trabalho!  Muffy gritou, pressionando suas mãos sobre os ouvidos.
― Trabalho!  Buffy limpou sua língua como se estivesse tentando se livrar da horrível palavra.
As outras Maenads levantaram suas taças e correram em círculos, gritando:
― Trabalho! Sacrilégio! Morte ao trabalho!
Algumas começaram a fazer as garras crescer. Outras bateram suas cabeças contra as pedras, o que parecia machucar mais as pedras do que suas cabeças.
― Ele quis dizer festejando!  Piper gritou. ― Festejando! Lorde Dioniso tem estado ocupado festejando por todo o mundo.
Lentamente, as Maenads começaram a se acalmar.
― Festa?  Bambi perguntou cautelosamente.
― Festa!  Candy suspirou de alívio.
― Isso!  Leo enxugou o suor das mãos. Ele deu a Piper um olhar agradecido. ― Aham. Festejando. Certo. Eu estive tão ocupado festejando.
Babette continuou sorrindo, mas não de uma maneira amigável. Ela fixou seu olhar em Piper.
― Quem é essa, meu lorde? Uma recruta para as Maenads, talvez?
― Ah  Leo disse. ― Ela é minha, hã, planejadora de festa.
― Festa!  gritou outra Maenad, possivelmente Trixie.
― Que pena.  As unhas de Babette começaram a crescer. ― Nós não podemos permitir que mortais presenciassem nosso festejo sagrado.
― Mas eu posso ser uma recruta!  Piper disse rapidamente. ― Vocês garotas tem um site? Ou uma lista de requisitos? Er, precisam estar bêbadas o tempo inteiro?
― Bêbadas!  Babette disse. ― Não seja tonta. Nós somos Maenads menores de idade. Nós não fomos autorizadas a tomar vinho ainda. O que nossos pais pensariam?
― Vocês têm pais Jason tirou as mãos das Maenads de cima dos seus ombros.
― Nada de ficar bêbada!  Candy gritou.
Ela se virou fazendo um círculo meio torto então caiu no chão, derramando liquido espumante branco da sua taça.
Jason limpou a garganta.
― Então... o que vocês garotas estão bebendo se não é vinho?
Babette riu.
― A bebida da estação! Observe o poder do bastão de tirso!
Ela bateu seu mastro de pinha contra o chão e um gêiser branco borbulhou.
― Gemada!
Maenads se apressaram para encher suas taças.
― Feliz Natal!  uma gritou.
― Festa!  outra disse.
― Morte a todos!  disse uma terceira.
Piper deu um passo para trás.
― Vocês ficam... bêbadas com gemada?
― Éééé!  Buffy derramou sua gemada e deu a Leo um sorriso espumoso. ― Matar coisas! Com um punhado de noz moscada!
Leo decidiu nunca mais tomar gemada.
― Mas chega de conversa, meu lorde  Babette disse. ― Você tem sido malcriado, mantendo-se escondido! Mudou seu e-mail e seu número de telefone. Poderia-se pensar até mesmo que o grande Dioniso estava tentando evitar suas Maenads!
Jason tirou as mãos de outra garota de seus ombros.
― Nem consigo imaginar porque o grande Dioniso faria isso.
Babette avaliou Jason.
― Esse aqui é um sacrifício, obviamente. Nós devemos dar início as festividades o estraçalhando. A garota planejadora de festas pode provar que quer se juntar a nós nos ajudando!
― Ou  Leo disse ― nós podemos começar com alguns aperitivos. Crispy Cheese 'n' Wieners. Taquitos. Talvez alguns salgadinhos e queso. E... espere, já sei! Precisamos de uma mesa para colocar tudo isso em cima.
O sorriso de Babette tremulou. As cobras sibilaram em seu mastro de pinha.
― Uma mesa?
― Cheese 'n' Wieners?  Trixie acrescentou esperançosamente.
― É, uma mesa!  Leo estalou os dedos e apontou para o fim da clareira. ― Você sabe o que... eu acho que eu vi uma andando naquela direção. Por que vocês meninas não esperam aqui, e bebem um pouco de gemada ou sei lá o quê, enquanto meus amigos e eu vamos pegar a mesa. Nós estaremos de volta rapidinho!
Ele começou a andar, mas duas Maenads o puxaram para trás. O puxão não pareceu ser de brincadeira.
Os olhos de Babette ficaram mais vermelho ainda.
― Por que meu lorde Dioniso está tão interessado em mobília? Onde está seu leopardo? E seu copo de vinho?
Leo engoliu.
― Sim. Copo de vinho. Me deixa tonto.
Ele enfiou a mão no bolso de seu cinto de ferramentas. Rezou para que o cinto conjurasse um copo de vinho para ele, mas isso não era exatamente uma ferramenta. Ele agarrou algo, tirou para fora, e se viu segurando uma chave inglesa.
― Ei, olhe só isso  ele disse fracamente. ― Há algum tipo de mágica divina por aqui, não é mesmo? O que é uma festa sem... uma chave inglesa?
As Maenads olharam para ele. Algumas franziram a testa. Algumas estavam vesgas de tanto tomar gemada.
Jason parou ao seu lado.
― Ei, hã, Dioniso... talvez nós devêssemos conversar. Tipo, em particular. Sabe... sobre coisas da festa.
― Nós voltamos já!  Piper anunciou. ― Esperem aqui, garotas. Okay?
Sua voz estava meio elétrica com charme, mas as Maenads não pareceram ser atingidas.
― Não, vocês ficam  os olhos de Babette furaram os de Leo. ― Você não age como Dioniso. Aqueles que não honram o deus, aqueles que ousam trabalhar ao invés de festejar, esses devem ser destruídos. E qualquer um que ouse personificar o deus deve morrer de forma ainda mais dolorosa.
― Vinho!  Leo gritou. ― Eu já mencionei o quanto amo vinho?
Babette não pareceu convencida.
― Se você é o deus das festas, você saberá a ordem dos nossos festejos. Prove! Conduza-nos!
Leo sentiu-se encurralado. Uma vez ele tinha ficado preso numa caverna no topo do Pikes Peak, cercado por um bando de lobisomens. Outra vez ele tinha ficado preso em uma fábrica abandonada com uma família de ciclopes malvados. Mas isso – de pé numa clareira com várias garotas bonitas – era muito pior.
― Claro!  Sua voz chiou. ― Festejos. Nós começamos com o Hokey Pokey...
Trixie rosnou.
― Não, meu lorde. O Hokey Pokey é o segundo.
― Certo  Leo corrigiu. ― Primeiro a Dança da Cordinha, depois o Hokey Pokey. Então, hã, prender o rabo no burro...
― Errado!
Os olhos de Babette ficaram totalmente vermelhos. O Kool-Aid escurecido em suas veias, formando uma teia de linhas vermelhas como hera debaixo de sua pele.
― Última chance, e eu lhe darei uma dica. Nós começamos cantando o Bacchanalian Jingle. Você se lembra disso, não lembra?
A língua de Leo parecia uma lixa.
Piper colocou a mão em seu braço.
― Claro que ele se lembra.
Seus olhos disseram, Corra.
Os nós dos dedos de Jason ficaram brancos no cabo de sua espada.
Leo odiava cantar. Ele limpou sua garganta e começou a berrar a primeira coisa que veio a cabeça – algo que ele tinha assistido online enquanto trabalhava no Argo II.
Depois de algumas linhas, Candy sibilou.
― Este não é o Bacchalian Jingle! É a música tema de Psych!
― Matem os infiéis!  Babette gritou.

***

Leo reconhecia uma deixa para sair quando ouvia uma. Ele puxou um artifício de confiança. Do seu cinto de ferramentas, pegou um frasco de óleo e o espirrou em um arco a sua frente, encharcando as Maenads. Ele não queria machucar nenhuma delas, mas então lembrava a si mesmo que aquelas garotas não eram humanas. Elas eram espíritos da natureza inclinados a destroçá-lo. Ele conjurou fogo em suas mãos e pôs o óleo em chamas.
Uma parede de chamas engolfou as ninfas. Jason e Piper deram um 180 graus e correram. Leo foi logo atrás deles.
Ele esperava ouvir gritos vindo das Maenads. Ao invés disso, ele ouviu risadas. Ele olhou para trás e viu as Maenads dançando pelas chamas com seus pés descalços. Seus vestidos queimavam, mas as Maenads não pareciam se importar. Elas pulavam pelo fogo como se estivessem brincando em um irrigador.
― Obrigada, infiel!  Babette riu. ― Nosso frenesi nos faz imunes ao fogo, mas isso faz cócegas! Trixie, mande aos infiéis um presente de agradecimento!
Trixie saltou da pilha de pedregulhos. Ela agarrou uma pedra do tamanho de uma geladeira e a levantou sobre a cabeça.
― Corram!  Piper gritou.
― Nós estamos correndo!  Jason ganhou velocidade.
― Corra mais!  Leo gritou.
Eles tinham alcançado a beirada da clareira quando uma sombra passou por cima de suas cabeças.
― Virem à esquerda!  Leo gritou.
Eles mergulharam entre as árvores ao mesmo tempo em que a pedra caia próxima a eles com um ruidoso baque, errando Leo por alguns centímetros. Eles derraparam pela ravina até que Leo perdeu o equilíbrio. Ele se chocou contra Jason e Piper de tal modo que eles acabaram rolando colina abaixo como uma bola de neve semideusa. Se espatifaram no riacho de Brooke, ajudaram-se a se levantar, e cambalearam para dentro da floresta. Atrás deles, Leo ouviu as Maenads rindo e bradando, incitando Leo a voltar, então elas poderiam rasgá-lo em pedaços.
Por alguma razão, Leo não se sentiu tentado.
Jason os puxou para trás de um carvalho gigantesco, onde eles ficaram arfando. O cotovelo de Piper estava bastante arranhado. A perna esquerda da calça de Jason tinha sido quase completamente rasgada, de um jeito que parecia que sua perna estava vestindo uma capa de brim. De algum modo, eles tinham descido a colina rolando sem se matar com suas próprias armas, o que era um milagre.
― Como vamos vencê-las?  Jason perguntou. ― Elas são imunes ao fogo. São superfortes.
― Nós não podemos matá-las  Piper disse.
― Deve haver um jeito  Leo falou.
― Não. Nós não podemos matá-las  Piper repetiu. ― Qualquer um que mate umaMaenad é amaldiçoado por Dioniso. Você não tinha lido as histórias antigas? Pessoas que matavam seus seguidores ficavam loucas ou se transformavam em animais ou... bem, coisas ruins.
― Pior do que deixar as Maenads nos rasgar em pedaços?  Jason indagou.
Piper não respondeu. Seu rosto parecia tão úmido, Leo decidiu não exigir mais detalhes.
― Isso é ótimo  Jason falou. ― Então nós temos que pará-las sem matá-las. Alguém tem uma fita adesiva daquelas de prender moscas?
― Nós estamos em menor número, quatro para um  Piper disse. ― E tem mais... ela agarrou o pulso de Leo e checou o relógio. ― Nós temos vinte minutos até que o Bunker 9 exploda.
― É impossível  Jason resumiu.
― Estamos mortos  Piper concordou.
Mas a mente de Leo rodava em alta velocidade. Ele fazia trabalhos melhores quando as coisas eram impossíveis.
Parar as Maenads sem matá-las... Bunker 9... fita adesiva pega mosca. Uma ideia veio como uma de suas engenhocas malucas, todas as engrenagens e pistões se encaixando em seus lugares perfeitamente.
― Tenho uma ideia  ele disse. ― Jason, você tem que achar Buford. Você sabe a direção que ele tomou. Volte e encontre-o, depois traga-o até o Bunker, rápido! Uma vez que você esteja longe o bastante das Maenads, talvez você possa controlar os ventos novamente. Aí você pode voar.
Jason fez uma careta.
― E vocês?
― Nós vamos tirar as Maenads do seu caminho  Leo respondeu ― direto para o Bunker 9.
Piper tossiu.
― Desculpa, mas o Bunker 9 não está prestes a explodir?
― Sim, mas se eu conseguir colocar as Maenads lá dentro, terei uma forma de cuidar delas.
Jason parecia cético.
― Mesmo se você conseguir, eu ainda terei que achar Buford e devolver o sincopador a você em vinte minutos, ou você, Piper e as doze ninfas malucas irão explodir.
― Confie em mim  Leo disse. ― E temos dezenove minutos agora.
― Eu adoro esse plano  Piper inclinou-se e beijou Jason. ― No caso de eu explodir. Por favor, vá rápido.
Jason nem mesmo respondeu. Ele se enfiou no meio das árvores.
― Venha  Leo disse a Piper. ― Vamos convidar as Maenads para conhecer minha casa.

***

Leo tinha jogado alguns jogos na floresta antes – principalmente Captura da Bandeira – mas nem mesmo a versão plena de combate do Acampamento Meio-Sangue era tão perigosa quanto fugir de Maenads. Piper e ele refizeram seu caminho de volta com a luz do sol se desvanecendo. A respiração virando vapor. Ocasionalmente Leo gritava “Festa aqui!” para fazer com que as Maenads soubessem onde eles estavam. Era complicado, porque Leo tinha que ficar longe o bastante para evitar ser pego, mas perto o suficiente para que as Maenads não o perdesse de vista.
Ás vezes ele ouvia gritos assustados quando as Maenads passavam por algum monstro ou espírito da natureza desafortunado. Cada grito a sangue frio que perfurava o ar era seguido por um som como o de uma árvore sendo destruída por um exército de esquilos selvagens. Leo estava tão assustado que ele mal conseguia manter seus pés em movimento. Ele imaginava alguma pobre dríade tendo sua fonte da vida picada em pedaços. Leo sabia que espíritos da natureza reencarnavam, mas aquele grito de morte ainda era a coisa mais medonha que ele já tinha ouvido.
― Infiéis!  Babette gritou em meio às árvores. ― Venham celebrar conosco!
Ela soou mais perto agora. Os instintos de Leo disseram a ele para continuar correndo. Esquecer o Bunker 9. Talvez ele e Piper pudessem chegar até a borda da zona de explosão.
E depois... deixar Jason morrer? Deixar as Maenads irem pelos ares de maneira que Leo pudesse sofrer a maldição de Dioniso? E a explosão iria mesmo matar as Maenads? Leo não tinha ideia. E se as Maenads sobrevivessem e continuassem procurando por Dioniso? Uma hora elas encontrariam os chalés e os outros campistas. Não, aquela não era uma opção. Leo tinha que proteger seus amigos. Ele ainda podia salvar o Argo II.
― Aqui!  ele gritou. ― Festa na minha casa!
Ele agarrou o pulso de Piper e disparou para o Bunker.
Ele podia ouvir as Maenads se aproximando rapidamente – pés descalços correndo pela grama, galhos estalando, cálices de gemada se estilhaçando nas pedras.
― Quase lá.
Piper apontou para as árvores. Há cem metros a frente estava um enorme penhasco de calcário que marcava a entrada para o Bunker 9.
O coração de Leo parecia uma câmara de combustão funcionando a todo vapor, mas eles conseguiram chegar até o penhasco. Ele deu uma batidinha no calcário. Linhas ardentes queimaram através do penhasco, lentamente formando o contorno de uma grande porta.
― Vamos! Vamos!  Leo incitou.
Ele cometeu o erro de olhar para trás. Há poucos passos de distância, a primeiraMaenad apareceu fora da floresta. Seus olhos eram puro vermelho. Ela sorriu com a boca cheia de presas, então lascou suas garras na árvore mais próxima a cortando ao meio. Tornados de folhas giravam ao seu redor como se até mesmo o ar estivesse ficando louco.
― Venha, semideus!  ela chamou. ― Se junte a mim nos festejos!
Leo sabia que isso era insano, mas suas palavras zumbiam em seus ouvidos. Parte dele queria correr em direção a ela.
Uau, cara, ele disse a si mesmo. Regra de ouro para semideuses: você não dançará Hokey Pokey com psicopatas.
Apesar disso, ele deu um passo em direção a Maenad.
― Pare, Leo  o charme de Piper o salvou, congelando-o no lugar. ― Isso é a loucura de Dioniso afetando você. Você não quer morrer.
Ele deu um suspiro.
― É. Elas estão ficando mais fortes. Nós temos que nos apressar,
Finalmente a porta do Bunker se abriu. A Maenad rosnou. Suas amigas emergiram da floresta, e juntas elas atacaram.
― Deem a volta!  Piper gritou para elas em sua voz cheia de charme. ― Nós estamos cinquenta metros atrás de vocês!
Era uma sugestão ridícula, mas o charme funcionou momentaneamente. As Maenadsse viraram e correram de volta para o caminho de onde vieram, então pararam subitamente, parecendo confusas.
Leo e Piper mergulharam para dentro do Bunker.
― Fecho a porta?  Piper perguntou.
― Não!  Leo disse. ― Nós a queremos do lado de dentro.
― Queremos? Qual é o plano?
― Plano  Leo tentou se livrar do nevoeiro em seu cérebro.
Eles tinham trinta segundos, com sorte, antes que as Maenads invadissem o local.
O motor do Argo II explodiria em... ele checou seu relógio – ai, deuses, doze minutos?
― O que eu devo fazer?  Piper perguntou. ― Vamos, Leo.
Sua mente começou a clarear. Este era seu território. Ele não podia deixar as Maenadsganharem.
Da mesa mais próxima, Leo pegou um controle de bronze com um único botão vermelho. Ele o entregou a Piper.
― Eu preciso de dois minutos. Suba até as passarelas. Distraia as Maenads como você fez lá fora, okay? Quando eu der a ordem, onde quer você esteja, aperte o botão. Masnão antes que eu diga.
― O que isso faz?  Piper perguntou.
― Nada ainda. Eu tenho que preparar a armadilha.
― Dois minutos  Piper assentiu severamente. ― Você tem dois minutos.
Ela correu para escada mais próxima e começou a subir enquanto Leo saiu correndo pelos corredores, apanhando coisas das caixas de ferramentas e ativando os sensores de temporização nos painéis de controle do interior do Bunker. Ele não estava pensando no que estava fazendo mais do que um pianista pensava sobre onde seus dedos estavam no teclado. Ele simplesmente voava pelo Bunker, trazendo todas as peças juntas.
Leo ouviu as Maenads se apressando para dentro do Bunker. Por um momento, elas pararam em espanto, fazendo ooh e ahh na vasta caverna cheia de coisas cintilantes.
― Onde vocês estão?  Babette chamou. ― Meu lorde Dioniso falso! Festeje conosco!
Leo tentou ignorar a voz dela. Então ele ouviu Piper, em algum lugar acima nas passarelas, bradar:
― Que tal a dança do quadrado? Virem para a esquerda!
As Maenads guincharam confusas.
― Pegue uma parceira!  Piper gritou ― faça-a rebolar!
Mais gritos e guinchos e alguns CLANGS como se algumas Maenads aparentemente tivessem rebolado umas as outras em direção a objetos de metal.
― Parem!  Babette gritou. ― Não peguem uma parceira! Peguem aquele semideus!
Piper gritou mais alguns comandos, mas ela parecia estar perdendo seu rebolado.
Leo ouviu o barulho de pés batendo nos degraus da escada.
― Oh, Leo?  Piper gritou. ― Já se passaram dois minutos?
― Só um segundo!
Leo achou a última coisa da qual precisava – uma pilha de tecido dourado reluzente do tamanho de uma colcha. Ele enfiou o tecido metálico dentro do tubo pneumático mais próximo e puxou a alavanca. Pronto – assumindo que o plano tenha funcionado.
Ele correu para o meio do Bunker, bem a frente do Argo II, e gritou:
― Ei! Eu estou aqui!
Ele estendeu os braços e sorriu.
― Venham! Festejem comigo!
Ele olhou para o contador regressivo no motor do navio. Seis minutos e meio tinham se passado. Ele queria nem ter olhado.
As Maenads desceram as escadas e começaram a cercá-lo cautelosamente. Leo dançou e cantou músicas tema de programas de televisão aleatórios, esperando que isso as fizesse hesitar. Ele precisava de todas as Maenads juntas antes que ele soltasse a armadilha.
― Cantem comigo!  ele disse.
As Maenads rosnaram. Seus olhos vermelho-sangue mostravam raiva e irritação. Suas coroas de cobras sibilaram. Seus bastões de tirso brilharam com fogo roxo.
Babette foi a última a se juntar a festa. Quando ela viu Leo sozinho, desarmado e dançando, ela riu com deleite.
― Você é esperto em aceitar seu destino  ela disse. ― O real Dioniso ficaria satisfeito.
― É, sobre isso  Leo respondeu ― eu acho que há uma razão para ele ter mudado seu número de telefone. Vocês garotas não são seguidoras. São perseguidoras fanáticas e loucas. Vocês não tem o achado porque ele não quer que vocês o achem.
― Mentiras!  Babette rebateu. ― Nós somos os espíritos do deus do vinho! Ele tem orgulho de nós!
― Claro  Leo disse. ― Eu também tenho parentes loucos. Eu não culpo o Sr. D.
― Matem-no!  Babette guinchou.
― Espere!  Leo ergueu as mãos. ― Vocês podem me matar, mas vocês querem que isso seja uma festa de verdade, não querem?
Como ele esperava, as Maenads vacilaram.
― Festa?  perguntou Candy.
― Festa?  repetiu Buffy.
― Ah, sim!  Leo olhou para cima e gritou para as passarelas: ― Piper? Está na hora de botar pra quebrar!
Por três inacreditáveis longos segundos, nada aconteceu. Leo permaneceu lá sorrindo para uma dúzia de ninfas enlouquecidas que queriam cortá-lo em cubinhos de semideus.
Então todo o Bunker zumbiu com vida. Ao redor das Maenads, canos subiram vindos do chão e sopraram vapor roxo. O sistema de tubo pneumático lançava lascas de metal como confetes brilhantes. O banner mágico acima delas cintilou e mudou a mensagem que estava escrita. SEJAM BEM VINDAS, NINFAS PSICOPATAS!
Música soou do sistema de som – The Rolling Stones, a banda favorita da mãe de Leo. Ele gostava de ouvi-los enquanto trabalhava, porque isso o fazia se lembrar dos bons velhos tempos quando ele passava o tempo na oficina de sua mãe.
Então o sistema de manivela entrou em cena, e uma bola espelhada começou a descer bem acima da cabeça de Leo.
Da passarela, Piper observava o caos que ela tinha provocado com o aperto de um botão, e seu queixo caiu. Até mesmo as Maenads pareciam impressionadas pelas festa instantânea de Leo.
Mais alguns minutos e Leo poderia ter feito algo muito melhor – um show de lasers, pirotecnias, talvez alguns aperitivos e uma máquina de bebidas. Mas para dois minutos de trabalho, aquilo não era nada mal. Algumas Maenads começaram a fazer a dança do quadrado. Uma dançou o Hokey Pokey.
Apenas Babette parecia não ter sido afetada.
― Que truque é esse?  ela exigiu. ― Você não festeja por Dioniso!
― Ah, não?  Leo olhou para cima. A bola espelhada estava quase ao alcance. ― Você ainda não viu meu truque final.
A bola se abriu. Um arpéu caiu, e Leo pulou para pegá-lo.
― Peguem-no!  Babette gritou. ― Maenads, atacar!
Felizmente, ela teve problemas em chamar a atenção delas. Piper começou a dar instruções para a dança do quadrado novamente, as confundindo com comandos estranhos.
― Virem para a esquerda, virem para a direita, batam suas cabeças! Senta, levanta, finge de morto!
A polia levantou Leo no ar enquanto as Maenads invadiam o lugar abaixo dele, reunindo-se numa ótimo conjunto compacto. Babette saltou em direção a ele. Suas garras erraram por pouco seus pés.
― Agora!  ele murmurou para si mesmo, rezando para que seu temporizador estivesse configurado precisamente.
BLAM! O tubo pneumático mais próximo atirou um véu de malha dourada sobre asMaenads, as cobrindo como um paraquedas. Um tiro perfeito.
As ninfas lutavam contra a rede. Tentavam empurrá-la para longe, cortando as cordas com seus dentes e unhas, mas enquanto elas socavam, chutavam e lutavam, a rede simplesmente mudava de forma, endurecendo e adquirindo a forma de uma gaiola cubica de ouro cintilante.
Leo sorriu.
― Piper, aperte o botão novamente!
Ela apertou. A música parou. A festa acabou.
Leo se soltou do gancho sobre o topo da sua jaula recém-feita. Ele pulou em cima gaiola, apenas para ter certeza, mas a jaula parecia firme como titânio.
― Nos deixe sair!  Babette gritou. ― Que magia negra é essa?
Ela batia contra as barras de tecido, mas até mesmo sua superforça não era páreo para o material dourado. As outras Maenads sibilavam, gritavam e acertavam as laterais da gaiola com seus bastões de tirso.
Leo pulou para o chão.
― Esta é minha festa agora, senhoritas. Esta jaula é feita de rede hefestiana, uma pequena fórmula que meu pai inventou. Talvez vocês tenham ouvido a história. Ele pegou sua esposa Afrodite o traindo com Ares, então Hefesto jogou uma rede dourada sobre eles e os colocou em exposição. Eles ficaram presos até que meu pai decidisse que eles podiam sair. Essa rede aqui? É feita do mesmo material. Se dois deuses não foram capazes de escapar dela, vocês não tem a menor chance.
Leo esperava seriamente que ele estivesse certo sobre isso. As Maenads inquietas enfureciam-se em sua prisão, subindo umas nas outras e tentando rasgar a malha sem nenhum sucesso.
Piper desceu as escadas e se juntou a ele.
― Leo, você é incrível.
― Eu sei disso.  Ele olhou para o display digital próximo ao motor do navio. Seu coração afundou. ― Por mais ou menos mais dois minutos. Depois eu deixo de ser incrível.
― Ah, não ― o semblante de Piper desmoronou. ― Nós precisamos dar o fora daqui!
De repente, Leo ouviu um barulho familiar vindo da entrada do Bunker: uma baforada de vapor, o ranger das engrenagens e o clink-clank das pernas de metal correndo pelo chão.
― Buford!  Leo chamou.
A mesa autômato caminhou orgulhosa em sua direção, zumbindo e batendo suas gavetas.
Jason vinha caminhando atrás dele, sorrindo.
― Estavam nos esperando?
Leo abraçou a pequena mesa de trabalho.
― Eu lamento tanto, Buford. Prometo que nunca mais vou tratá-lo como bobo novamente. Apenas Lemon Pledge com fórmula extra-hidratante, meu amigo. A hora que você quiser!
Buford soltou vapor alegremente.
― Hã, Leo?  Piper lembrou. ― A explosão?
― Certo!
Leo abriu a gaveta da frente de Buford e apanhou o sincopador. Ele correu para a câmara de combustão. Vinte e três segundos. Ah, ótimo. Sem pressa.
Ele iria ter apenas uma chance de fazer isso certo. Leo cuidadosamente montou o sincopador no lugar. Ele fechou a câmara de combustão e prendeu a respiração. O motor começou a zumbir. Os cilindros de vidro brilharam com o calor. Se Leo não fosse imune ao fogo, ele tinha certeza que teria sofrido uma queimadura bem desagradável.
O casco do navio estremeceu. Todo o Bunker pareceu tremer.
― Leo?  Jason chamou firmemente.
― Calma aí  Leo disse.
― Nos deixe sair daqui!  Babette guinchou na sua jaula dourada. ― Se você nos destruir, Dioniso o fará sofrer!
― Ele provavelmente nos mandará um cartão de agradecimento  Piper resmungou.― Mas isso não importa. Nós estaremos todos mortos.
A câmara de combustão abriu suas várias câmaras com um click, click, click. Líquidos e gases superpoderosos fluíram para dentro do sincopador. O motor estremeceu. Então o calor se abrandou, e a tremura se acalmou até virar um ronronar confortável.
Leo colocou sua mão no casco, agora vibrando com a energia mágica. Buford se aconchegou carinhosamente encostado a sua perna e soltou vapor.
― Está tudo bem, Buford  Leo se virou orgulhoso para seus amigos. ― Este é o som de um motor que não está explodindo.

***

Leo não percebeu o quanto estava exausto até que desmaiou.
Quando acordou, ele estava deitado num catre perto do Argo II. Todo o chalé de Hefesto estava lá. Eles estabilizaram os níveis do motor e expressaram toda a sua admiração pela genialidade de Leo.
Uma vez que ele estava de pé novamente, Jason e Piper o levaram até um canto e prometeram a ele que não diriam a ninguém o quão perto de explodir o navio esteve. Ninguém saberia sobre a grande mancada que quase vaporizou a floresta.
Apesar disso, Leo não conseguia parar de tremer. Ele quase tinha arruinado tudo. Para se acalmar, ele sacou o Lemon Pledge e cuidadosamente lustrou Buford. Depois pegou o sincopador reserva e o trancou dentro de um armário de suprimentos que não possuía pernas. Apenas para prevenir. Buford podia ser temperamental.
Uma hora depois, Quíron e Argo chegaram da Casa Grande para cuidar das Maenads.
Argo, o chefe da segurança, era um cara grande e loiro com centenas de olhos sobre todo o seu corpo. Ele parecia envergonhado por descobrir que uma dúzia de Maenadsperigosas tinham se infiltrado no seu território sem que fossem notadas. Argo nunca falava, mas ficou vermelho vivo e todos os olhos do seu corpo olhavam para o chão.
Quíron, o diretor do acampamento, parecia mais irritado que embaraçado. Ele olhou para baixo em direção as Maenads – o que ele podia fazer sendo um centauro. Da cintura para baixo, ele era um garanhão branco. Da cintura para cima, era um cara de meia idade com cabelos castanhos cacheados, uma barba, e um arco e uma aljava presos em suas costas.
― Ah, elas de novo  Quíron disse. ― Olá, Babette.
― Nós vamos destruir vocês!  Babette berrou. ― Nós vamos dançar com vocês, alimentá-los com petiscos gostosos, festejar com vocês até a madrugada, e rasgar vocês em pedaços!
― Aham  Quíron não parecia impressionado. Ele se virou para Leo e seus amigos. Bom trabalho, vocês três. A última vez que essas garotas vieram procurar Dioniso, elas causaram um grande aborrecimento. Vocês as pegaram antes que elas pudessem sair do controle. Dioniso ficará satisfeito por vocês terem as capturado.
― Então elas o incomodam?  Leo perguntou.
― Absolutamente  Quíron respondeu. ― Sr. D despreza seu fã clube tanto quanto despreza semideuses.
― Nós não somos um fã clube!  Babette choramingou  somos suas seguidoras, suas escolhidas, suas especiais!
― Aham  Quíron repetiu.
― Então...  Piper se deslocou inquieta. ― Dioniso não iria se importar se nós as destruíssemos?
― Ah, não, ele iria se importar!  Quíron explicou. ― Elas ainda são suas seguidoras, mesmo ele as odiando. Se vocês a machucassem, Dioniso seria forçado a enlouquecer ou matar vocês. Provavelmente os dois. Então ótimo trabalho.  Ele olhou para Argo.― O mesmo plano da última vez?
Argo assentiu. Ele gesticulou para um dos campistas de Hefesto, que dirigia uma empilhadeira que carregava a gaiola.
― O que vocês vão fazer com elas?  Jason perguntou.
Quíron sorriu gentilmente.
― Nós vamos as mandar para um lugar onde elas se sintam em casa. Nós vamos carregá-las num ônibus até Atlantic City.
― Ai, mas...  Leo disse ― esse lugar já não tem problemas o bastante?
― Não se preocupe  Quíron prometeu. ― As Maenads vão tirar a festança de seus sistemas bem rapidamente. Elas irão se desgastar e vão desaparecer gradualmente até o próximo ano. Sempre costumam aparecer perto dos feriados. Muito oportuno.
As Maenads foram transportadas para fora. Quíron e Argo voltaram para a Casa Grande, e os campistas de Leo o ajudaram a trancar o Bunker 9 para passar a noite.
Normalmente, Leo trabalhava de madrugada, mas ele decidiu que já tinha trabalhado o suficiente para um dia. Era véspera de Natal, afinal. Ele merecia um descanso.
O Acampamento Meio-Sangue não celebrava feriados mortais, mas todos estavam de bom humor na fogueira. Alguns estavam bebendo gemada. Leo, Jason e Piper ignoraram a gemada e ao invés disso optaram por chocolate.
Eles ouviram as canções que todos cantavam junto e observaram as fagulhas do fogo espiralarem em direção as estrelas.
― Vocês salvaram minha pele de novo, galera  Leo agradeceu aos seus amigos. Obrigado.
Jason sorriu.
― Qualquer coisa por você, Valdez. Você tem certeza de que o Argo II ficará seguro agora?
― Seguro? Não. Mas ele não está correndo perigo de explodir. Provavelmente.
Piper riu.
― Ótimo. Eu me sinto bem melhor.
Eles sentaram tranquilamente, aproveitando a companhia um dos outros, mas Leo sabia que isso era apenas um breve momento de paz. O Argo II tinha que ficar pronto até o solstício de verão. Depois eles navegariam na grande aventura deles – primeiro para achar o lar antigo de Jason, o acampamento romano. Depois disso... os gigantes estariam esperando. Gaia a mãe terra, a mais poderosa inimiga dos deuses, estava reunindo suas forças para destruir o Olimpo. Para detê-la, Leo e seus amigos teriam que navegar até a Grécia, a antiga morada dos deuses. Em algum momento ao longo do caminho, Leo sabia que podia morrer.
Por agora, entretanto, ele tinha decidido aproveitar. Quando sua vida tinha um temporizador que levava a uma explosão inevitável, isso era tudo que se podia fazer.
Ele levantou seu cálice de chocolate quente.
― Aos amigos.
― Aos amigos  Piper e Jason concordaram.
Leo permaneceu na fogueira até que o líder das canções do chalé de Apolo sugeriu que todos dançassem o Hokey Pokey. Então Leo decidiu encerrar a noite.

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